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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Tarifa Trump-Bolsonaro: ao ‘sabotar Brasil’, Eduardo pode ter articulado ‘tiro no pé’, dizem analistas

Quinta 10 de julho de 2025

Cientistas políticos divergem sobre possibilidade de Eduardo Bolsonaro ter mandato cassado

Brasil de fato —São paulo
10.jul.2025


Eduardo Bolsonaro (PL), deputado federal licenciado que se considera “auto exilado” desde que foi para os Estados Unidos em fevereiro, pode ter dado um “tiro no pé” da própria família e da extrema direita brasileira ao ser um dos articuladores da tarifa de 50% sobre produtos brasileiros anunciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump. A análise é do filósofo José Antônio Moroni e das cientistas políticas Mayra Goulart e Carolina Botelho, ouvidos pelo Brasil de Fato.

Na última quarta-feira (9) Trump anunciou que a imposição tarifária sobre os produtos brasileiros exportados aos EUA deve entrar em vigor em 1º de agosto. O mandatário estadunidense justificou a medida como uma reação ao que considera uma perseguição política e uma “vergonha internacional” do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

 

O “filho 03” de Jair, em uma carta escrita com Paulo Figueiredo – influenciador de direita, réu na ação penal da trama golpista e filho do ex-ditador militar João Figueiredo –, agradeceu Donald Trump.  

“Apelamos para que as autoridades brasileiras evitem escalar o conflito e adotem uma saída institucional”, declarou Eduardo Bolsonaro nas redes sociais. Saída essa que, em sua visão, passa pela aprovação de uma anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado no país, de “uma nova legislação que garanta a liberdade de expressão – especialmente online – e a responsabilização dos agentes públicos que abusaram do poder”. Sem isso, ameaça o deputado licenciado, “a situação tende a se agravar”. 

“O presidente Trump, corretamente, entendeu que [o ministro do STF] Alexandre de Moraes só pode agir com o respaldo de um establishment político, empresarial e institucional que compactua com sua escalada autoritária. O presidente americano entendeu que esse establishment também precisa arcar com o custo desta aventura”, declarou Eduardo Bolsonaro, ao nomear a taxação de “tarifa-Moraes”.  

Para Moroni, integrante do Instituto de Estudos Socioeconômicos, o intento bolsonarista de atribuir a sanção, que afeta amplos setores econômicos do Brasil, a uma punição estritamente a Alexandre de Moraes não se sustenta.

“Não conseguiram caracterizar isso como um ataque ao STF ou ao presidente Lula (PT). A família Bolsonaro e seus apoiadores estão atacando o Brasil a partir de um outro país, o mais poderoso do mundo. Isso vai pegar muito mal para eles”, avalia José Antônio Moroni. 

Interesses familiares acima dos nacionais

“O que eles fizeram em 2018 [nas eleições] não cola mais. Eles não têm muito o que apresentar sobre os quatro anos que estiveram no governo, então precisam de um discurso. Então eu vejo isso como uma estratégia”, analisa Moroni, que é também membro da Plataforma dos Movimentos Sociais por outro Sistema Político. 

“Só que essa questão de aplaudir e defender a tarifa ou ingerência de outro país contra o Brasil é um discurso muito perigoso: se volta contra eles. Tirando essa base pequena, radical que eles têm, ninguém está apoiando isso”, opina Moroni, para quem a situação explicita que a família Bolsonaro “coloca os seus interesses acima dos interesses nacionais”. 

Se houver um recuo de Trump em relação à tarifa, acrescenta o filósofo, “eles vão colocar como se Bolsonaro tivesse feito a ingerência para isso, como que dizendo que quem está governando é ele e não Lula”.

Mayra Goulart, cientista política do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), destaca que a situação revela a ambiguidade do discurso nacionalista da extrema direita global. 

“Este nacionalismo tem um componente de darwinismo social, de que os mais fortes sobrevivem. E quando isso é aplicado a uma nação periférica, contrasta com essa adesão às potências hegemônicas. Então, parece que ao mesmo tempo em que há um ganho nessa aliança com aqueles que são os países admirados, há uma perda em virtude da ameaça à retórica do nacionalismo”, salienta Goulart.

Além disso, acrescenta Carolina Botelho, cientista política do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurociência Social e Afetiva (INCT/SANI/CNPq), a estratégia pode desagradar setores econômicos brasileiros alinhados com a direita.

“Esse alinhamento aos interesses dos Estados Unidos em detrimento do Estado brasileiro fez com que grandes opositores [do governo Lula] se colocassem junto para condenar a ação desse deputado e da sua família”, ressalta Botelho. “Essa luta política está sendo travada a favor deles e contra os interesses brasileiros. Então, as perdas econômicas que isso pode gerar estão juntando grupos que nos últimos anos foram antagônicos políticos. E isso não pegou bem”, diz.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) citou a Lei de Reciprocidade Econômica como um caminho legal para reagir às tarifas e declarou que “o Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”. 

Eduardo pode ser cassado?

Como deputado federal licenciado, Eduardo está agindo com atitude de “lesa pátria”, avalia Carolina Botelho. “Ele está nos Estados Unidos usando esse capital que lhe foi outorgado pela sociedade brasileira para falar mal do seu país em território estrangeiro e se beneficiar disso, mesmo que com o preço que nós, brasileiros, tenhamos que pagar”, descreve. “É uma deturpação absurda do seu papel como funcionário público do Estado brasileiro. E sua conduta merece a atenção da Câmara dos Deputados e das instituições políticas, judiciais e democráticas do Brasil”, defende. 

Mayra Goulart avalia que Eduardo Bolsonaro pode ser cassado. “Porque as instituições jurídicas brasileiras tardiamente perceberam que o bolsonarismo, que é a extrema direita, pode ser uma ameaça para elas, uma vez que enquanto guardiões da Constituição, do devido processo legal, da separação de poderes e dos direitos civis, a extrema direita vê nas Cortes Supremas e no sistema judiciário um obstáculo. Então essa reação faz com que eles estejam mais ativos”, argumenta.

Já Moroni não acredita que os representantes do Legislativo retirem seu mandato, “apesar de ter todos os motivos para isso”:  “Esse Congresso não cassa o Eduardo Bolsonaro e é capaz de cassar o Glauber [Braga, do Psol]. É esse o Congresso que está aí: o mesmo que não aprova a taxação dos super-ricos”, ilustra.

Horas antes de Trump anunciar a nova taxa, deputados bolsonaristas aprovaram, na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, uma “moção de louvor e regozijo” ao presidente dos Estados Unidos.

“Não sei exatamente qual é a força da influência do Eduardo Bolsonaro sobre a decisão do Trump. Eu diria que ele pensa ter uma relevância maior do que de fato tem”, analisa Botelho. “Mas Trump usa esse expediente de conspirações e ameaça às instituições brasileiras que o próprio Eduardo constrói em solo americano para fazer valer sua agenda econômica e política estadunidense sobre a América Latina”, finaliza.