Quinta, 14 de agosto de 2025
MANUAL DE FABRICAÇÃO DE UM MITO TORTO
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 10 de agosto de 2025
Pindorama, durante uma década, conviveu com a explicitação pública de enormes esquemas de corrupção. As investigações policiais e processos judiciais apontaram um forte envolvimento das forças políticas ligadas ao Presidente progressista Lalor Inário com as sérias malversações de recursos públicos.
Considerando o contexto de profundo desgaste político do Presidente Lalor Inário e seus aliados, o Deputado Tairo Costanaro buscou ouvir Estevão Banone acerca da construção de um projeto político-eleitoral vigoroso e com forte probabilidade de sucesso.
Tairo Costanaro ostentava uma trajetória pra lá de controversa. No seu currículo apareciam: a) insubordinação na vida militar, inclusive com prisão; b) tenebrosas ligações com milícias; c) dezenas de operações imobiliárias profundamente suspeitas; d) ampla utilização de “rachadinhas” em gabinetes parlamentares; e) defesa de variados tipos de violência e f) exaltação explícita de ditaduras e torturadores. Já Estevão Banone figurava como um dos mais importantes estrategistas de um campo político comprometido com os piores valores humanos, entre eles: a) supressão da democracia; b) desprezo pelos direitos humanos; c) negacionismo, notadamente em relação à crise climática e d) compromisso com mecanismos extremos de mercado voltados para o aprofundamento das desigualdades socioeconômicas.
Em uma longa conversa, Banone sugeriu que Costanaro, na ocasião acompanhado por seus seis filhos, iniciasse um movimento político baseado nas seguintes premissas:
a) tomar como base a dicotomia bem versus mal, rasa e limitada, mas profundamente eficiente. A luta do bem contra o mal é uma ideia arraigada no imaginário da grande maioria das pessoas;
b) apontar claramente quem significa o mal. O momento político de extrema exposição de escândalos de corrupção seria particularmente promissor. Assim, Costanaro deveria colar a expressão do mal mais repugnante no Presidente Lalor, seu partido, nas esquerdas de forma geral, no movimento LGBT, no Judiciário e no indefinido “sistema”;
c) colocar-se como líder imaculado (“que nunca roubou um centavo”) da cruzada contra o mal. Vender a noção de que o condenável seria “somente” matar ou roubar, deixando completamente esquecidas todas as demais ilicitudes previstas na ordem jurídica;
d) vestir a fantasia de defensor incansável da família, da propriedade e do patriotismo (esse último, um conceito vazio, mas com forte apelo emocional);
e) associar a sua imagem às principais religiões e igrejas em operação, notadamente ao movimento neopentecostal em acelerado crescimento;
f) imprimir, explícita ou implicitamente, a tudo que você fizer ou disser a marca de uma ação do bem contra o mal;
g) explicitar que tudo, rigorosamente tudo, que vier do "outro lado" é o mal a ser combatido. É preciso afirmar que toda e qualquer medida ou providência gestada no “outro lado” pode parecer positiva, mas esconde uma finalidade maléfica;
h) coloque-se como vítima do “sistema”. Se puder encontrar um nome e um rosto para a perseguição terá o máximo de eficiência em assumir esse papel;
i) manter sempre um conflito em andamento. Esse expediente mobiliza a base de incautos e permite atribuir culpas escondendo erros e falhas, inclusive de governo;
j) alimente-se das maiores mazelas do país. As desigualdades, inseguranças, medos, frustrações em relação à baixa qualidade/retorno dos serviços públicos, corrupção sistemática e desesperanças devem ser cuidadosamente atribuídas ao “sistema” que você combate dia e noite. Você não precisa, nem deve, resolver nenhum desses problemas. Basta surfar a onda da pseudo-contestação. Ninguém, ao menos nas suas bases de apoio mais radicais, vai perceber que você faz parte visceral do “sistema”;
k) criar um ambiente confortável para seus apoiadores. Estimule a criação de grupos de mensagens onde circularão conteúdos de propaganda e reforço de suas posições. Desenvolver uma visão crítica sobre a política e o mundo demanda esforços de leituras e estudos. Seus seguidores não são inclinados a realizar essas atividades e a entrega de tudo “mastigado” praticamente elimina maiores questionamentos;
l) montar uma ou várias centrais de produção e disseminação de notícias falsas (fake news). Faça isso em quantidades gigantescas. Não se preocupe com checagens de veracidade. Expedientes de verificação não serão tão rápidos e eficazes diante da quantidade e velocidade de produção e propagação das mentiras. Os danos às imagens dos inimigos são certos. Um ponto importante: defenda a liberdade absoluta de manifestação (suporte para todo tipo de barbaridade inventada);
m) atribuir qualquer insucesso eleitoral a fraudes ocorridas nos sistemas informatizados responsáveis pelo tratamento dos votos;
n) não se preocupe com o surgimento de forças políticas consequentes fora da polarização do bem contra o mal. Ao manter permanentemente esse embate você atrai as forças conservadoras e de outras matizes para o seu campo de ação política. Fortaleça sempre o “nós contra eles”.
Costanaro fez uma pergunta crucial para Banone. Até onde posso esticar a corda? Posso organizar um golpe contra a democracia e as instituições, na hipótese de perder as eleições? Posso atuar contra os interesses nacionais, em associação com governos estrangeiros, em um verdadeiro ato de traição e atentado à soberania?
Banone foi categórico. Disse: “não só pode, como deve. A perseguição de seus interesses pessoais e políticos não deve encontrar freios ou limites”. Lembrou Maquiavel: “Jamais faltaram a um príncipe razões legítimas para justificar a sua quebra da palavra”. Se as bases de seu movimento forem bem lançadas suas ações serão sempre batalhas necessárias na luta contra o mal (a “razão mais legítima”). A “culpa” de todo e qualquer efeito negativo recairá sobre os artífices do mal.
Tairo Costanaro saiu animado da conversa. Dias depois do encontro começou a conformar um movimento, seguindo os conselhos de Banone. Pindorama estava prestes a viver anos turbulentos.