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(Millôr Fernandes)

domingo, 25 de março de 2018

SAÚDE E BEM-ESTAR — 12. A Indústria Farmacêutica

Domingo, 25 de março de 2018
Por Aldemario Araujo*

SAÚDE E BEM-ESTAR

50 textos (um a cada final de semana). Registros de uma caminhada em busca de saúde e bem-estar consistentes e duradouros. Veja todos os escritos em: http://www.aldemario.adv.br/saude.htm



12 INDÚSTRIA FARMACÊUTICA



A indústria farmacêutica figura entre as atividades econômicas mais significativas e lucrativas dos tempos atuais. Diretamente relacionada com a saúde, doença, vida e morte, esse segmento está intimamente envolvido com toda sorte de procedimentos condenáveis ou, no mínimo, polêmicos.



Existe um problema fundamental na atuação da indústria farmacêutica. Em regra, essa atividade desenvolve substâncias artificiais (não encontradas na natureza) que são administradas no organismo humano. É esperado, portanto, para além dos benefícios projetados, que o corpo, com maior ou menor intensidade, tenha consideráveis dificuldades para “administrar” (e até mesmo expelir) esses elementos estranhos.

Os problemas começam com as pesquisas. São inúmeras e crescentes as vozes, dentro e fora do círculo dos profissionais da medicina, que apontam enormes “fragilidades” nesse campo. Elas passam: a) por protocolos científicos pouco rigorosos; b) pelo prazo muito curto para efetivação de testes (não ficam claros os efeitos a médio e longo prazos); c) pela interação entre medicamentos como questão praticamente desconsiderada (a quantidade de vítimas fatais de overdose de medicamentos legais é grande e crescente); d) pela atuação extremamente leniente das agências reguladoras; e) pelo financiamento empresarial explícito e implícito de estudos científicos para corroborar a eficiência de medicamentos e f) por gastos monumentais em marketing (nove das dez maiores farmacêuticas do mundo gastam mais em propaganda do que em pesquisas).


É enorme a lista de medicamentos amplamente utilizados e depois proscritos em função de reconhecidos malefícios à saúde das pessoas. Em inúmeros casos, efeitos físicos danosos e mesmo mortes foram constatados. O caso do Avandia (rosiglitazona), para tratamento de diabetes tipo 2, é um dos mais emblemáticos. Na Europa e no Brasil foi retirado das prateleiras em 2010 depois de ser o medicamento mais vendido no mundo. A história de multas e indenizações bilionárias é extensa e atinge praticamente todas as empresas do Big Pharma (Glaxo Smith Kline, Pfizer, Johnson e Johnson, Abbott, Eli Lilly, Merck, Purdue, AstraZeneca, Novartis, Warner-Lambert, entre outras).



As relações discutíveis (para dizer o mínimo) entre a indústria farmacêutica e boa parte da comunidade médica são duramente criticadas. Esses procedimentos envolvem, entre outros: a) influência decisiva nas diretrizes acadêmicas dos cursos de medicina (tornando a medicina alopática o paradigma dominante e quase exclusivo. A alopatia está assentada no uso de medicamentos e intervenções físicas); b) pagamento de viagens, aulas, palestras, despesas diversas, envio de amostras grátis, brindes, etc e c) fixação de indicadores (glicemia, pressão arterial, colesterol, etc) cada vez menores com o consequente aumento expressivo do uso de medicamentos. Quais os desdobramentos pessoais, profissionais e comerciais do procedimento adotado por vários laboratórios de conceder generosos descontos para a venda de medicamentos mediante cadastramento do usuário e do médico que prescreveu a droga?



Observe o padrão, amplamente majoritário, das consultas médicas na atualidade. São sessões de poucos minutos (segundo o Manual de Auditoria da Atenção Básica do Ministério da Saúde, o padrão de produtividade no SUS é de quatro consultas por hora). A situação de saúde do paciente é identificada por intermédio de exames laboratoriais. São prescritos, diante do menor indício de dado fora dos padrões estabelecidos, uma série de medicamentos. Em 2013, o Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Panificação e Confeitaria e do Conselho Federal de Farmácia, contava com 78 mil drogarias e 63 mil padarias.



Inúmeros remédios frequentemente receitados estão envolvidos em fortíssimas polêmicas (como as estatinas, os indutores de sono, os emagrecedores, os inibidores do canal de cálcio e beta-bloqueadores, certos fármacos para demência, os anti-inflamatórios não esteróides, vários antidepressivos, etc). Um significativo conjunto de fármacos recebe indicações médicas para uso pelo resto da vida do paciente. Outra questão sensível envolvendo boa parte dos medicamentos está relacionada com o ataque aos efeitos, e não, às causas das enfermidades. Aspecto extremamente delicado consiste na utilização em série de medicamentos (o remédio D combate os efeitos colaterais do C. Esse, por sua vez, ataca os efeitos colaterais do B, que foi administrado para contornar os efeitos nocivos do fármaco A).



Medicamentos para distúrbios e doenças mentais formam um capítulo especial desse triste filme. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, viabiliza que praticamente qualquer problema comum ou transitório possa ser enquadrado como um distúrbio psiquiátrico com um medicamento correspondente a ser administrado (o bom e velho passar do tempo conjugado com diversos tipos de terapias comportamentais estão ficando obsoletos). Cada revisão ou versão do DSM promove um aumento vertiginoso de novas doenças identificadas nos consultórios médicos e tratadas com os respectivos remédios, inclusive para crianças. Veja um dado esclarecedor. Houve no Brasil, entre 2003 e 2012, um aumento de 775% nas vendas de Ritalina (estimulante do sistema nervoso central).



Uma das mais fortes denúncias contra a Big Pharma parte do médico dinamarquês Peter Gotzsche. Ele compara a indústria farmacêutica, inclusive em livro publicado, ao crime organizado e à máfia. O documentário “Medicamentos letais e crime organizado”, com o Dr. Peter Gotzche, pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=klcrbIBOVAk.



Os dados mencionados estão registrados, na maioria dos casos, no livro “Tarja Preta -  Os segredos que os médicos não contam sobre os remédios que você toma”, de Marcia Kedouk.





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*Aldemario Araujo Castro
Professor, Advogado, Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional