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(Millôr Fernandes)

sábado, 31 de março de 2018

SAÚDE E BEM-ESTAR: 13. Indústrias de alimentos, agropecuária, da pesca e farmacêutica — o denominador comum

Sábado, 31 de março de 2018
Por
Aldemario Araújo*

SAÚDE E BEM-ESTAR

50 textos (um a cada final de semana). Registros de uma caminhada em busca de saúde e bem-estar consistentes e duradouros. Veja todos os escritos em: http://www.aldemario.adv.br/saude.htm

13 INDÚSTRIAS DE ALIMENTOS, AGROPECUÁRIA, DA PESCA E FARMACÊUTICA – O DENOMINADOR COMUM

Os últimos escritos desta série destacaram as perversas características das indústrias de alimentos, agropecuária, da pesca e farmacêutica. Além do que já foi dito, é preciso destacar o que existe de comum nas formas atuais de atuação de todas essas indústrias.
As atividades referidas são importantíssimos braços da atividade econômica no âmbito do sistema socioeconômico capitalista na sua atual etapa financeira e monopolista. A lógica fundamental do sistema, bem identificada nas práticas das indústrias destacadas, é a acumulação frenética, contra tudo e contra todos, dos maiores lucros possíveis. A saúde das pessoas, o cuidado com o meio ambiente e o tratamento decente para com os animais, em suma, os mais caros valores morais e civilizatórios, são aspectos claramente secundários. Tudo se transforma em mercadoria, a ser comprada e vendida no mercado para gerar um contínuo acúmulo de riquezas nas mãos de poucos, muito poucos.

Como foi visto nos escritos anteriores, não se trata de uma batalha de “ismos” (capitalismo, liberalismo, socialismo, etc). Não se trata de mero discurso ideológico de condenação do atual modo de produção econômica. A realidade (a dura e crua realidade) funciona como a verdadeira “régua” acerca da correta compreensão da forma de organização da sociedade. Os fatos objetivos bem demonstram o modus operandi e os objetivos efetivamente perseguidos nas complexas relações sociais. Vejamos alguns emblemáticos exemplos (não são exceções, não são distorções, não são situações pontuais, não são resultados de personalidades pervertidas).

Conglomerados gigantes, protagonistas no setor agropecuário, de alimentos processados, de cigarros e de tantos outros produtos diretamente relacionados com a saúde e o meio ambiente, participam de um contínuo e vigoroso processo voltado para esconder do grande público as práticas adotadas em pesquisas e na linha de produção, inclusive pressionando para adoção de legislações que caracterizam divulgações de imagens dessas atividades como atos de terrorismo (vários estados norte-americanos já contam com leis restritivas dessa natureza). O caso dos “Beagles Fumantes”, protagonizado pela indústria tabagista na década de 70 do século XX, é profundamente revelador. Na ocasião, a jornalista inglesa Mary Beith conseguiu fotografar cães usados no consumo de cigarros com as cabeças contidas por travas.

A Monsanto figura entre as maiores empresas do mundo. Lidera o setor de sementes, controlando mais de um quarto do mercado em escala global. Aliás, mais de três quartos do mercado planetário de sementes é dominado pelas dez maiores empresas desse ramo. É enorme e concentrado, portanto, o poder de  impor o que se cultiva, como se cultiva e o que se come. Em 2016, foi anunciada a fusão da Monsanto com a Bayer (do setor de químicos agrícolas). O conglomerado resultante da operação deve controlar cerca de 90% das sementes geneticamente modificadas no mundo e, na sequência, fornecer os pesticidas a serem aplicados. As sementes da Monsanto (e da sua sucessora) são patenteadas. Assim, os agricultores só podem utilizá-las para um plantio. Não é possível guardar uma parte da colheita como sementes para uso no ano seguinte, prática milenar na agricultura. A necessidade de comprar sementes todos os anos, segundo condições postas pelo vendedor, um gigante na economia mundial, gera todo tipo de consequências ambientais, econômicas e sociais, inclusive alto endividamento dos produtores e expressivos índices de suicídios.

“Sexto grupo farmacêutico do mundo, a GSK está pagando 3 bilhões de dólares de multas por fraudes de diversos tipos em medicamentos. (…) A GSK vendeu Wellbutrin, um poderoso antidepressivo, como pílula de emagrecimento, o que é criminoso. Vendeu Avandia, escondendo os resultados das suas pesquisas que apontavam o aumento de riscos cardíacos provocados pelo medicamento. Vendeu Paxil, um antidepressivo usado para jovens com tendências ao suicídio que, na realidade, não tinha efeito mais pernicioso do que qualquer placebo, com efeitos desastrosos. A condenação da empresa só aconteceu porque quatro técnicos da GSK fizeram uma denúncia. (…) Depois da condenação, das manifestações de indignação de usuários enganados e dos artigos na mídia, as ações da empresa subiram, contrariamente ao que se esperaria se a empresa fosse julgada pelas suas contribuições para a saúde. Com essas fraudes, a GSK obteve lucros incomparavelmente
superiores aos custos do acordo judicial obtido em 2012, e os grandes investidores institucionais que detêm o grosso das ações, reagiram positivamente” (Era do Capital Improdutivo. Ladislau Dowbor. Editora Autonomia Literária Editora. Págs. 72/73).

Cabe um importante registro conclusivo. Com efeito, observamos uma recente explosão social de afeição pelo mercado e repulsa pela atuação do Estado, notadamente no Brasil e em setores da classe média tradicional. Trata-se de um profundo equívoco de análise. O Estado não é o veículo promotor das várias iniquidades sociais, como é fácil de constatar a partir dos casos mencionados e outros tantos não aludidos. Em verdade, o Estado é uma instituição (a mais importante delas) capturada por interesses socioeconômicos dominantes. Atualmente, as poderosíssimas forças do mercado, em especial seus gigantescos conglomerados com atuação nacional e internacional, utilizam, de diversas formas, os mecanismos estatais (legislação, regulação, fiscalização, etc) para realização de seus intentos de acumulação de riquezas com os todos efeitos nefastos em relação à saúde e ao meio ambiente (sem falar em outras áreas).
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*Aldemario Araujo Castro

Professor, Advogado, Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional.