Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 9 de junho de 2019

Entre os caprichos de um motorista e a vida de uma criança, Bolsonaro se alinha com o motorista

Domingo, 9 de junho de 2019
Do Blogue Náufrago da Utopia
Por
Antonio Prata


NÓS CAPOTA MAS NÃO BRECA

A cadeirinha?! Bolsonaro agora é contra a cadeirinha?! 

Sim, ele é e nesta terça foi pessoalmente à Câmara entregar um projeto de avacalhação das leis de trânsito que, entre outros despautérios, libera da multa quem transporta criança sem este item essencial de segurança.

Qual a lógica? Nem se observada por um telescópio Hubble de paranoia ultradireitista a cadeirinha pode ser enxergada como algo de esquerda —selo este que, aos olhos do tosconarismo messiânico, justifica qualquer atrocidade, de matar mulher na porrada a pôr abaixo a Amazônia. 


“Ah, vai colocar o bebê na cadeirinha?! Vai fechar o cintinho nele?! Vai reduzir em 71% as chances do seu filho morrer num acidente?! Vai pra Cuba!”. Não, não faz sentido. 

Quando eleito, Bolsonaro disse que iria acabar com todos os ativismos. Seria isso? Seria a cadeirinha a vitória de uma minoria irritante, um avanço do insuportável politicamente correto? 

Tento me lembrar, mas não encontro na memória as manifestações pró-cadeirinha no vão-livre do Masp, as faixas de papel pardo penduradas na Faculdade de Filosofia da USP com frases escritas em guache, exigindo “Fora FHC! Fora FMI! Cadeirinha obrigatória para crianças até sete anos no banco de trás dos carros!”. 

A cadeirinha simplesmente surgiu como uma melhoria gigantesca na segurança das crianças e, por força de uma resolução do Conselho nacional de trânsito, impondo multa a quem não levasse as crianças pequenas ali, salvou milhares de vidas nos últimos anos. 

Tirar a multa para quem não leva criança na cadeirinha, dobrar o número de pontos para se cassar a CNH, acabar com radares nas rodovias e outras propostas que Bolsonaro tem feito não são fruto de uma mentalidade de direita ou liberal, mas de uma visão de mundo anticivilizatória.  


Bolsonaro não é especificamente contra a lei que impõe multa contra quem não usa a cadeirinha, ele é contra lei. Ou melhor, contra qualquer lei que incida sobre as liberdades de pessoas como ele.

E tendo em vista que motorista é uma categoria fundamental na identidade de pessoas como ele, quer manter o Estado longe de seus para-choques. 

É #meucarrominhasregras e dane-se quem estiver pela frente. Trata-se de uma visão tão doente que, entre a liberdade do motorista e a vida de uma criança, fecha com o motorista. 

Hobbes, Locke e Rousseau criaram algumas das bases sobre as quais foi construído o Estado de direito. A ideia fundamental é que se cada um não topar abrir mão de um pouco da sua liberdade, submetendo-se às leis, vivemos numa guerra de todos contra todos, na qual os mais fracos são massacrados pelos mais fortes. 

Não é uma ideia de esquerda, pelo contrário, é uma ideia essencial para o desenvolvimento da burguesia e do capitalismo. Locke, aliás, era especialmente preocupado com o respeito à propriedade privada.


No Leviatã, Hobbes tornou célebre a frase do latino Plauto, “O homem é o lobo do homem”, e todo o livro é uma construção para evitar que assim o seja. Pois a missão do governo Bolsonaro é inversa: garantir o direito dos lobos serem lobos. Abaixo os direitos humanos! Viva os direitos lupinos!

​Vamos armar todo mundo, vamos sentar o dedo em vagabundo, vamos aprovar qualquer agrotóxico, vamos criar a lei Neymar da Penha, vamos fazer uma Cancún em Angra, vamos acabar com as leis de trânsito, vamos fazer o que a gente quiser, a caneta é minha, a arma é minha, o carro é meu, o filho e a mulher também, chega de mimimi, Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. (por Antonio Prata)