Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 18 de junho de 2019

Relatora da ONU critica Reino Unido por políticas discriminatórias e xenofóbicas

Terça, 18 de junho de 2019
Da
ONU no Brasil

As políticas do governo do Reino Unido exacerbam a discriminação, fomentam o sentimento xenofóbico e aprofundam ainda mais a desigualdade racial no país, afirmou neste mês a relatora especial da ONU em direitos humanos e racismo, Tendayi Achiume.
Especialista alertou também que, após o referendo do Brexit, em 2016, houve aumento nos crimes de ódio, na retórica antimigrantes e na discriminação racial, étnica e religiosa.
Manifestante levanta cartaz onde se lê "vidas negras importam" em Londres em 2016. Foto: Flickr/Alisdare Hickson (CC)
Manifestante levanta cartaz onde se lê “vidas negras importam” em Londres em 2016. Foto: Flickr/Alisdare Hickson (CC)
Em relatório divulgado na semana passada (14), Tendayi Achiume chamou atenção para as disparidades raciais persistentes em áreas como educação, trabalho, moradia, saúde, vigilância, interações com a polícia, processos judiciais e privação de liberdade. “A exclusão socioeconômica estrutural de comunidades de minorias raciais e étnicas no Reino Unidos é impressionante”, afirma a especialista no documento, elaborado com base numa visita feita em abril e maio de 2018.

“Apesar da existência de um enquadramento legal dedicado a combater a discriminação racial, a dura realidade é de que a raça, a etnia, a religião, o gênero, o status quanto a deficiências e categorias relacionadas continuam, todas, determinando as chances de vida e o bem-estar das pessoas na Grã-Bretanha, de formas que são inaceitáveis e, em muitos casos, ilegais”, prossegue a relatora.
Tendayi aponta que as suas conclusões não devem ser uma surpresa para o governo, uma vez que dados e relatórios — incluindo a Auditoria de Disparidade Racial, a Revisão Lammy e o trabalho da Comissão de Igualdade do Reino Unido — comprovam a exclusão e a marginalização persistentes de minorias raciais e étnicas.
“Relatórios confiáveis mostraram que medidas de austeridade foram desproporcionalmente prejudiciais para os membros de comunidades de minorias raciais e étnicas, que também são as mais duramente atingidas pelo desemprego”, disse a relatora.
“Ao mesmo tempo, minorias raciais e étnicas estão sobre-representadas na aplicação da justiça criminal e sub-representadas dentro das instituições que julgam o crime e a punição.”
“Também há evidências claras de que a aplicação da medida falha de prevenção contraextremismo visa, desproporcionalmente, grupos com base em seu pertencimento religioso e étnico, numa violação dos seus direitos humanos. Ela também transformou as instituições públicas, como hospitais, escolas, universidades e até a polícia — instituições por meio das quais o trabalho de integração nacional deveria ser, ao contrário, alcançado — em locais de exclusão, discriminação e inquietação nacional”, frisou Tendayi.
A especialista ressaltou ainda que a estratégia de controle da imigração do Reino Unido depende de cidadãos e servidores públicos para as atividades de fiscalização na linha de frente. Na avaliação da relatora, isso “transforma eficazmente lugares como hospitais, bancos e residências privadas em postos de verificação das fronteiras”.
“Num contexto mais amplo de inquietação nacional anti-imigrantes, o resultado previsível do controle e da política de imigração do governo do Reino Unido é a discriminação racial e a exclusão racializada. O Caso Windrush é um exemplo flagrante”, disse Tendayi, lembrando o episódio recente em que migrantes que chegaram há mais de quatro décadas ao Reino Unido — e viviam como residentes permanentes do país — tiveram seu status migratório revisado de forma equivocada, com consequências como a negação de direitos e até mesmo deportação.
O relatório aponta também que os próprios dados do governo confirmam que a sequência do referendo do Brexit coincidiu com uma alta nos crimes de ódio, na retórica anti-imigrantes e na discriminação racial, étnica e religiosa.
“Para ser clara, o Brexit não introduziu um racismo e uma xenofobia novos no Reino Unido — ambos têm um longo legado (no país), que data dos projetos históricos europeus de escravidão e colonialismo. Dito isto, debates nacionais e certas práticas e políticas antes, durante e depois do referendo do Brexit, em 2016, amplificaram a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância relacionada no Reino Unido”, explicou a especialista.
“Atores públicos e privados desempenharam papéis perigosos em alimentar a intolerância. Entre eles, políticos e empresas de mídia merecem atenção especial dada a significativa influência que exercem na sociedade.”
Tendayi elogiou as iniciativas do governo que levaram, ao longo da década passada, a uma melhor coleta de dados e a análises mais abrangentes sobre a desigualdade racial.
“Sem dúvida, as tentativas do Reino Unido de coletar dados desagregados, revisar resultados discriminatórios e traçar planos de ação são vitais para a realização do direito humano à igualdade racial. Contudo, o governo não deve confundir a coleta de dados e análises fragmentárias com a ação que é ele obrigado a tomar, conforme o direito internacional de direitos humanos. O governo tem o dever de realizar análises abrangentes e implementar, sem demora, passos concretos destinados a acabar com a discriminação racial e a garantir a igualdade racial”, completou a relatora.