Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Desafios para o ensino presencial e a experiência em EaD

Segunda, 22 de junho de 2020
Por
Professora Fátima Sousa*

O isolamento social diante da pandemia por Covid-19 trouxe inúmeros desafios à população e aos diversos setores da nossa sociedade, dentre eles, a educação. Nossa universidade suspendeu o calendário acadêmico em março e, desde então, analisa como dar continuidade às diversas atividades de ensino, pesquisa e extensão, presencial ou virtualmente. Discutimos sobre esse tema na última semana, a convite do Laboratório de Educação, Informação e Comunicação em Saúde (Lab ECoS)[i], da Universidade de Brasília.
A educação à distância (EaD) aparece como alternativa para o retorno às aulas, mas muitas são as questões que influenciam, positivamente ou não, a sua adoção. Primeiro, porque a EaD, como forma secundária de educação na rede pública, tornou-se a “prima pobre”, com fortes características de proletarização e precarização do trabalho docente, institucionalizando a profissão de professor, transformando-os em tutores bolsistas.
Além disso, a formação de professores(as), desde as universidades – inicial ou permanente – afasta possibilidades de um letramento multimidiático e do uso das tecnologias; a designação de processos de ensino e da aprendizagem; novas metodologias fundamentadas por concepções teórico-pedagógicas baseadas em conceitos libertários e autônomos; a curadoria crítica de conteúdo, ainda mais considerando a imensidão de informações as quais estamos mergulhadas(os).
É necessário pensarmos os processos de aprendizagem considerando que a cultura digital e multimidiática estão imbricadas ao capitalismo cognitivo/semiótico (Ferardi “Bifo”, 2005[ii]; 2007[iii]; 2015[iv]; 2018; 2020[v]) para desenvolvê-las no cotidiano social e introduzi-las no espaço acadêmico como mediadoras educativas. O desafio de manter a distância entre o consumo de mídias nesse cotidiano e o uso das mesmas para a educação de cidadãos e cidadãs críticos(as), reflexivos(as) e capazes de pensar de forma plural, está posto, e deve ser o fundamento para a formação de nossos(as) estudantes.
É preciso também construir uma cultura de formação multidisciplinar, especialmente a estudantes de licenciatura, e ter a universidade como fonte de acesso a disciplinas e conteúdos de outras áreas como a neurociência, psicologia, sociologia, as ciências políticas, sociais e econômicas, estudos interculturais e pluriétnicos, processos criativos e de gestão, entre muitos outros. Só assim permitiremos que conheçam as mais novas descobertas da ciência e ampliaremos seu campo de conhecimento sobre as condições do bem viver saudável e civilizatório de uma sociedade.
Vale ainda destacar os desafios inerentes às tecnologias, seu acesso, uso pedagógico, domínio e consumo, que envolvem toda uma atualização tecnológica imposta, por vezes adoecedora, sem esquecer dos avanços e retrocessos da nossa relação com os livros e a adoção das tecnologias digitais, uma relação cada vez mais conflitante. Para entendermos esta relação, associada desde o alfabeto, a escrita, o livro e agora, com as tecnologias multimidiáticas, faz-se necessário reinventar e co-criar outras práticas didático-pedagógicas voltadas aos docentes, discentes e técnicos(as), de forma respeitosa às reais condições de inclusão ou exclusão da comunidade universitária, afinal, as desigualdades se revelam, cada vez mais abissais, nesse momento de pandemia e de crises multifacetadas.
É preciso compreender ainda que o digital provocou uma revolução na sociedade com base nas distintas formas de informação e comunicação, influenciadas pelo mercado que atendesse velozmente os apelos frenéticos do capital. Mais uma vez, devemos ficar em alerta, pois a missão das universidades públicas, é manter vivo o diálogo para o desenvolvimento humano integrado e sustentável. Precisamos que esse novo cotidiano adentre a universidade como conteúdo, metodologia e mediador de ações pedagógicas voltadas à ampliação da visão crítica dos(as) estudantes em relação ao mundo.
Como nos ensinou o mestre Darcy (1986)[vi], “a primeira obrigação da UnB, [...], é olhar para a frente para prefigurar, aqui e agora, utopicamente, o que dentro de dez, de vinte anos, a UnB há de ser. Fixar metas e lutar por elas, com clareza sobre os objetivos a serem alcançados; sobre a utopia a ser cumprida”. (p.9). Assim deve ser o nosso caminhar.
[i] Laboratório de Educação, Informação e Comunicação em Saúde. Os desafios para o ensino presencial e a experiência do EaD, em 18 jun/20. Disponível em
[ii] Ferardi “Bifo”, Franco. A Fábrica da Infelicidade: Trabalho Cognitivo e Crise da New Economy. São Paulo: DP&A Editora, 2005.
[iii] ______. Generación Post-Alfa: patologías e imaginarios en el semiocapitalismo. 1ª ed. Buenos Aires: Tinta Limón, 2007.
[iv] ______. Depois do Futuro. São Paulo: Ed. UBU, 2015.
[v] Franco Berardi: “A pandemia reativou o futuro. Há condições para reformatar a mente social”. [Entrevista concedida a Luisa Duarte e Victor Gorgulho. Jornal El Pais, São Paulo. 03 jun/2020. Disponível em . Acesso em jun/2020.
[vi] Ribeiro, Darcy. Universidade para quê? Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986. p.9.
===========
*Fátima SousaParaibana, 57 anos de vida, 40 anos dedicados a saúde e a gestão pública; 
Professora e pesquisadora da Universidade de Brasília;
Enfermeira Sanitarista, Doutora em Ciências da Saúde, Mestre em Ciências Sociais; 
Doutora Honoris Causa;
Implantou o ‘Saúde da Família’ no Brasil, depois do sucesso na Paraíba e em São Paulo capital; 
Implantou os Agentes Comunitários de Saúde;
Dirigiu a Faculdade de Saúde da UnB: 5 cursos avaliados com nota máxima;
Lutou pela criação do SUS na constituinte de 1988;
Premiada pela Organização Panamericana de Saúde, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.