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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

"Major Curió": MPF oferece a décima denúncia por crimes de militares na repressão à guerrilha do Araguaia

Segunda, 16 de agosto de 2021 
Arte: Ascom MPF

Major Curió é acusado pelo homicídio qualificado e ocultação do cadáver de Pedro Carretel

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, pelo homicídio qualificado e ocultação do cadáver do camponês Pedro Pereira de Souza, conhecido como Pedro Carretel, integrante da guerrilha do Araguaia, movimento de resistência armada à ditadura militar brasileira.

O assassinato ocorreu no início de 1974, no sudeste do Pará. Na época, Pedro Carretel já tinha se entregado aos militares, estava preso e era obrigado a trabalhar como guia do Exército nas matas da região. Um grupo chefiado por Curió levou a vítima de uma base militar conhecida como Casa Azul, em Marabá, até uma fazenda em Brejo Grande do Araguaia, e executou o preso a tiros enquanto ele estava sentado e de mãos amarradas.

Segundo a denúncia, os demais membros das Forças Armadas que auxiliaram Curió a matar o guerrilheiro ainda não foram identificados ou já estão falecidos. O cadáver da vítima foi ocultado e os restos mortais não foram encontrados até o momento, registra a ação, assinada por sete procuradores da República integrantes da Força Tarefa (FT) Araguaia, do MPF.

Ajuizada no último dia 9, é a décima denúncia do MPF contra militares por crimes na repressão à guerrilha. No total, já são sete denúncias pelos assassinatos de dez opositores à ditadura, duas denúncias pelo sequestro e cárcere privado de seis vítimas, e uma denúncia por falsidade ideológica. Sebastião Curió, que comandou o combate aos guerrilheiros, é acusado em sete das dez ações criminais.

Extermínio como política estatal — Dados oficiais, relatórios produzidos sobre o assunto e investigações realizadas pelo MPF atestam que a repressão política à guerrilha do Araguaia foi responsável por quase um terço do número total de desaparecidos políticos no Brasil, destaca a denúncia.

Para o MPF, o extermínio dos guerrilheiros decorria de diretrizes padronizadas e planejadas pelo Exército, e não de excessos pontuais ou casos isolados. As práticas criminosas traduziam a política estatal que determinou o comportamento dos agentes militares no Araguaia, frisam os procuradores da República na denúncia.

Essas práticas foram especialmente violentas durante a terceira e mais sangrenta fase de combate à guerrilha, batizada de operação Marajoara, da qual Pedro Carretel foi uma das vítimas. Essa campanha militar ficou caracterizada pela eliminação definitiva dos guerrilheiros, mesmo quando rendidos ou presos com vida, e pela forte repressão aos moradores locais como forma de obter informações e impedir a perpetuação da guerrilha.

Na operação Marajoara houve o “deliberado e definitivo abandono do sistema normativo vigente, decidindo-se pela adoção sistemática de medidas ilegais que visavam, notadamente, o desaparecimento forçado dos opositores”, assinalam os procuradores da República Adriano Augusto Lanna de Oliveira, Igor Lima Goettenauer de Oliveira, Ivan Cláudio Garcia Marx, Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes, Sadi Flores Machado, Tiago Modesto Rabelo e Wilson Rocha Fernandes Assis.

Identificação correta — Durante as investigações o MPF chegou à identificação correta da vítima, um avanço na garantia da memória que também cumpre com os objetivos da Justiça de Transição, conjunto de medidas adotadas para enfrentar um passado de ditadura. Até o ajuizamento da denúncia, em vários documentos – inclusive oficiais – Pedro Carretel ou era citado apenas pelo apelido, ou era apresentado como Pedro Matias de Oliveira, ou sequer era mencionado. O MPF cruzou dados de documentos fornecidos à Comissão de Anistia e de documento do Exército com informações apresentadas por uma familiar da vítima ouvida pelo MPF, e conseguiu esclarecer o nome correto de Pedro Carretel, que é Pedro Pereira de Souza.

Saiba mais – O MPF trava um embate jurídico desde 2012 pela responsabilização por atos criminosos cometidos no regime ditatorial, por considerar que representam atos de lesa-humanidade. Por isso, com base no direito internacional e em decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Gomes Lund vs Brasil), trata-se de crimes não alcançados pela prescrição ou anistia. As informações sobre a atuação do MPF em Justiça de Transição foram reunidas no site www.justicadetransicao.mpf.mp.br .

Processo nº 1003680-10.2021.4.01.3901 – Justiça Federal em Marabá (PA)