Sábado, 30 de dezembro de 2023
AMÉRICA LATINA SEM SOBERANIA - CRÔNICAS DE ARROGÂNCIA, RAPINA E MALDADE.
INTRODUÇÃO
O gênio Darcy Ribeiro nos proporcionou compreender que, no Novo Mundo que os europeus iam descobrindo, abriam-se imensas possibilidades no plano do conhecimento e da ação civilizatória, porém, ocorriam igualmente construções das projeções da Europa em terras estranhas, que ainda exigiam mais deformações nas relações humanas para que ficassem iguais a Londres, Paris, Madrid ou Lisboa (“O Processo Civilizatório”, 1968).
Há 531 anos, armada para encontrar rota alternativa que possibilitasse chegar às Índias, a Europa se fez presente por Cristóvão Colombo, navegador genovês a serviço dos reis católicos de Castela, Leão e Aragão, em San Salvador (Guanahani, para os nativos), ilha no arquipélago das Bahamas, no Oceano Atlântico, próximas a Cuba.
E tem início a exploração e extermínio das populações locais, transportando os lucaianos, que lá habitavam, como escravos, para a ilha Espanhola, e quase dizimando a população nativa. Entre 1513 e 1648, as Bahamas ficaram praticamente despovoadas.
Assim tem início a dominação europeia da América Latina.
Não é pacífica, entre os historiadores, a época de transição dos estágios sócio-político-econômicos nos países. No século XV, quando se dá a descoberta das Américas, em qual estágio estaria a Europa? Na Idade Média, na fase Pré-Capitalista ou já viveria o Capitalismo? E qual Capitalismo, provavelmente o Comercial, porém a Inglaterra, desde o século XIV, já vivia o que se denomina hoje, Capitalismo Financeiro.
O homem (homo sapiens) chegou à América, vindo da Ásia pelo Estreito de Bering, nos anos finais da Glaciação Würn, por volta de 14.000 a 13.000 anos. Diversos estudos antropológicos certificam o que, mais recentemente, o grupo liderado por Bastian Llamas, da Universidade de Adelaide (Austrália) constatou na árvore genealógica dos primeiros habitantes: restou muito pouca descendência desta migração original.
A colonização europeia dizimou até 90% da população nativa originária, principalmente por guerras de extermínio, mas, igualmente, pela escravidão, pelos maus tratos, verdadeira desumanidade, e pela miséria, com fome e doenças, que concluíram essa matança.
“Assim, escreverei sobre o futuro porque não quero lembrar o passado. Pensamos no que vai acontecer quando dizemos a nós mesmos: como é que eu não tenha sido capaz de ver naquele tempo o que agora parece tão evidente? E como vou fazer ver no presente os signos que anunciam o rumo do futuro?” (Ricardo Piglia, “Respiração Artificial”, tradução de Heloisa Jahn, Folha de S.Paulo, 2012).
1ª Crônica: OS PRIMITIVOS HABITANTES
Como era a América quando Colombo desembarcou por aqui em 1492? Muito diferente do que nos contam os livros escolares.
Porém, desde o início do massacre, Frei Bartolomé de Las Casas na “Brevíssima Relación de la Destruición de las Índias Ocidentales” (1552) nos advertia:
“Com que direito haveis desencadeado uma guerra atroz contra essas gentes que viviam pacificamente em seu próprio país? Por que os deixais em semelhante estado de extenuação? Os matais a exigir que vos tragam diariamente seu ouro. Acaso não são eles homens? Acaso não possuem razão e alma? Não é vossa obrigação amá-los como a vós próprios?” (tradução de Heraldo Barbuy para L&PM Editores, Porto Alegre, 1984).
Utilizaremos para estas Crônicas as revelações e análises de Eulalia Maria Lahmeyer Lobo em “América Latina Contemporânea” (1970), de Pierre Jalée em “Le Pillage du Tiers Monde” (1973), de Florival Cáceres em “História da América” (1980), de Maria Ligia Prado em “A formação das nações latino-americanas” (1987), de Lilyan Benítez e Alicia Garcés em “Culturas Ecuatorianas Ayer y Hoy” (1989), de Michael Coe, Richard Dielt, David Freidel, Peter Frust, Kent Reilli, Linda Schele, Carolyn Tate, Karl Taube em “The Olmec World: Ritual and Rulership” (1995), do surpreendente Charles C. Mann em “1491 — novas revelações das Américas antes de Colombo” (2005), de Brian R. Hamnett em “História Concisa do México” (2016), de Georges Baudot e Tzvetan Todorov (organizadores) em “Relatos Astecas da Conquista” (2019), e de José Gregorio Linares em “Bolivarianismo versus Monroísmo” (2020), além de artigos disponíveis ao público, em meios digitais.
Na maioria dos livros, lamentavelmente os escolares, nosso continente é descrito como vasto território, pouquíssimo povoado por homens primitivos, cujas culturas, inevitavelmente, se curvaram diante do poderio europeu.
No entanto, o que Charles Mann — um historiador com alma de jornalista investigativo, que colabora com as revistas "Science" e "Atlantic Monthly" — descobriu foi o que, nas décadas mais recentes, alguns pesquisadores já encontram respostas.
Os textos de Mann revelam realidade muito diferente do que pensa a maioria dos americanos e europeus, e é pouquíssimo conhecida fora dos círculos acadêmicos especializados. Mas todos têm característica comum: sugerem que muito do que acreditamos está errado.
Mann conta que, em 1491, havia provavelmente mais pessoas vivendo nas Américas do que na Europa. Cidades como Tenochititlán, a capital asteca, reuniam populações muito maiores do que qualquer cidade européia contemporânea e, à diferença de muitas capitais no velho mundo, tinham água corrente e ruas limpas e ajardinadas. E, detalhe: as primeiras cidades no continente já prosperavam antes mesmo de os egípcios terem construído as suas grandes pirâmides.