Sexta, 22 de julho de 2022
Roberto Amaral*
Estarrecida, mas sem qualquer surpresa, a opinião pública tomou conhecimento do espetáculo grotesco, de picadeiro de circo de aldeia em que foi transformado o Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência da república, no último dia 18/07. Dirigindo-se a cerca de 50 embaixadores, reunidos pela coorte militar e com a conivência do Itamaraty, que enxovalha sua história, o ainda presidente da república denunciou ao mundo que a democracia brasileira, que preside, se sustenta na mentira eleitoral, portanto, no crime e na falsidade ideológica. O processo eleitoral foi por ele reduzido a uma farsa, e a urna eletrônica, de que tanto se orgulha a justiça brasileira, caricaturada como uma engenhoca a serviço da fraude eleitoral, com a qual seria conivente o Tribunal Superior Eleitoral, que se recusa a submeter-se à fiscalização das forças armadas, e essa recusa pode levar a caserna, de quem o capitão se diz chefe supremo, a não reconhecer o resultado das eleições. Bastaria, insinua, um aceno seu, para ser obedecido por uma tropa que reagiria como o cãozinho de Pavlov.
Todas as alegadas denúncias de fragilidade do processo eletrônico levantadas pelo presidente celerado, e repetidas pelo seu ministro da defesa foram, todavia, uma vez mais, e como sempre, sistematicamente desmentidas pela auditoria do Tribunal de Contas, pela polícia federal e, até, pelos arapongas da Abin, órgão subordinado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, chefiado pelo inefável general Augusto Heleno, ex-ajudante de ordens do gal. Silvio Frota (aquele que tentou dar um golpe no presidente Geisel, acusando-o de comunista) e recém egresso de bem remunerada mordomia no Comitê Olímpico Brasileiro. As reiteradas mentiras do presidente foram mesmo desautorizadas pela embaixada americana, o que indica que o Tio Sam, desta feita e ao menos até aqui, não está interessado em nova quebra da normalidade institucional, ao contrário do que ocorreu em 1964, quando desempenhou papel decisivo na preparação do golpe militar, e na implantação e sustentação da ditadura. Assim, temos um presidente de república que ataca e desonra o país, que comete crimes em série e goza de impunidade que alimenta sua deformação de caráter, porque, quanto mais se sente inatingível pelas leis do país, mais se anima a desrespeitá-las. Já fez de tudo, até matou, pois foi dolosamente criminosa sua conduta dificultando a defesa da população diante da pandemia da Covid-19. Contam-se em dezenas de milhares de pessoas que conheceram a morte pela desídia do presidente. Age como um criminoso em série, consciente de que está acima das instituições e das leis.
No espetáculo do Palácio da Alvorada, Bolsonaro agiu com abuso no exercício de função pública, quando difundiu informações falsas e injuriosas a instituições da república e autoridades públicas. Cometeu crime eleitoral fazendo campanha fora do período permitido, em imóvel público e durante o expediente, o que é vedado a funcionários públicos. Abusou do poder de autoridade. Utilizou meios de comunicação estatais em benefício de sua candidatura. Cometeu crime de responsabilidade ao utilizar o poder federal, que chefia, para impedir a livre execução de lei federal. Foram inúmeros os ilícitos eleitorais, cada um por si justificador de processo de responsabilidade, de decretação de inelegibilidade ou, amanhã, de impedimento do registro de candidatura. Até o momento, porém, não se conhecem providências objetivas das autoridades dos diversos poderes visando a deter o facínora, que não será contido pela força de declarações, de notas de repúdio, de protestos que se perdem no ar. Continua perigosamente à solta. A seus ataques, a suas mentiras, a resposta da justiça eleitoral se limita aos discursos de abade do ministro Edson Fachin.