Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
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quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Júlio Lancellotti: “Morrer de frio não é uma morte medieval, é uma morte do século 21″

Quinta, 3 de setembro de 2020

Para padre coordenador da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, a solução para quem mora na rua não pode ser camping quando “a cidade tem mais casa sem gente do que gente sem casa”


Da Ponte
Por






Um dos maiores aliados da população em situação de rua em São Paulo, o padre Júlio Lancellotti, 71 anos, falou à Agência Pública sobre as recentes mortes de pessoas em situação de rua durante a onda de frio na cidade no mês passado. A prefeitura confirma dois óbitos, Júlio cita cinco. 

Indagado sobre a crueldade que é morrer de frio, o que remeteria a uma ideia de morte medieval, ele discorda: “Não acho que é uma morte medieval, é uma morte de agora, do século 21, pois é agora que essas pessoas estão morrendo de frio”. 

Sem melindres, o padre que atua junto aos mais vulneráveis há 35 anos afirma que o poder público não é só negligente, mas incompetente quando se trata do povo de rua. “Achar que a solução para a cidade hoje é camping para morador de rua? Isso quando 80% da rede hoteleira está ociosa, quando São Paulo tem mais casa sem gente do que gente sem casa?”, questiona. 

Segundo ele, durante a pandemia mais de 8 mil pessoas passaram pela primeira vez pelo núcleo de atendimento em sua pequena paróquia São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, onde são distribuídos alimentos, roupas, entre outras ações de solidariedade. “De 4 mil em um mês, foi para 8 mil”, diz. “Ouço todos os dias ‘cheguei de tal lugar’, ‘cheguei de tal estado’”. 


Há mais de 35 anos, o padre Júlio Lancellotti, dedica-se a apoiar os mais vulneráveis

A seguir, os principais trechos da entrevista. 

Você acha que teve uma negligência maior do poder público em relação ao frio que levou às mortes da população de rua que tivemos no mês passado? 

Acredito que não é só uma questão de negligência, é uma questão de incompetência. Eles até querem fazer, é evidente que a cidade está cheia, todo mundo vê. Agora, o que me espanta mais é que a solução que vereadores como a Soninha [Francine] estão dando é fazer camping. Achar que a solução para a cidade hoje é camping? Isso quando 80% da rede hoteleira está ociosa, quando São Paulo tem mais casa sem gente do que gente sem casa?

Nós tivemos cerca de cinco pessoas que morreram de frio na última semana. Vocês tiveram alguma atualização?


Nós localizamos cinco, e a prefeitura fala em duas.

Por que tem essa divergência?

Pode ser o período que eles computaram. Eu não sei o porquê dessa divergência.

Houve um aumento da população de rua, que já vinha acontecendo nos últimos anos com a crise econômica. O senhor notou um aumento causado pela própria pandemia?

A gente está percebendo um aumento rotativo, com uma circulação muito grande de gente. Assim como tem gente chegando, tem gente saindo. Por exemplo, só do núcleo de atendimento na Mooca, que é de convivência, passaram pela primeira vez cerca de 8 mil pessoas em um mês. De 4 mil em um mês, foi para 8 mil. Então, imagine 8 mil pessoas que pela primeira vez estão passando ali…

Ouço todos os dias “cheguei de tal lugar”, “cheguei de tal estado”. 

A paróquia São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, atendeu cerca de 8 mil pessoas no mês passado

São pessoas que pela primeira vez estão chegando nessa situação de ter que morar na rua?

Não temos esse levantamento. Se está chegando da rua agora nós não sabemos, mas eles estão circulando pela cidade e aqui ficam em situação de rua ou vão procurar lugares do centro de acolhida.
Entre as pessoas que chegam há o discurso de desemprego recente?

É claro, eles estão procurando trabalho, estão à procura da sobrevivência.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Policial militar é preso com drogas e afirma que iria ‘usar em ocorrências’

Terça, 1º de setembro de 2020
Da Ponte

31/08/20 por Paulo Eduardo Dias

Suposto “kit flagrante” do soldado Yuri Faria Teles, preso em SP, continha cocaína, maconha e lança-perfume; PM atuava nas ruas há menos de dois meses

Policial Militar foi preso na Rua Arquiteto Francisco Beck, na região da Ponte Rasa | Foto: Reprodução/Google Maps

Um soldado da Polícia Militar de São Paulo foi preso com uma grande quantidade de drogas em seu carro e afirmou, em depoimento, que elas seriam para “usar nas ocorrências”, indicando que a utilização seria uma espécie de kit-flagrante, como são conhecidos entorpecentes transportados por PMs para forjar “flagrantes” de pessoas inocentes no crime de tráfico.

sábado, 18 de julho de 2020

Grupos evangélicos e olavistas ajudaram a espalhar fake news de Bolsonaro sobre esquerda e pedofilia

Sábado, 18 de julho de 2020


Notícia falsa é antiga mas foi impulsionada por site gospel em maio e voltou a circular entre grupos religiosos e discípulos de Olavo de Carvalho em julho

Da

Ethel Rudnitzki, Mariama Correia



Maior portal de notícias evangélicas do país, o Gospel Prime publicou, ainda em maio, texto onde afirmava haver um crescimento de “grupos pela legalização da pedofilia nas redes sociais”. Embora amparado em argumentos falsos e vagos como “muitos usuários das redes sociais relataram a criação de grupos para esse fim”, a publicação do site – listado pela CPMI das Fake News – circulou em grupos de WhatsApp cristãos e foi amplamente compartilhada por evangélicos nas redes sociais no começo de julho.

Reprodução/Facebook
Fake news que associa pedofilia à esquerda circulou em grupos evangélicos

O mesmo argumento do Gospel Prime apareceu no Twitter do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), na terça-feira (14). Bolsonaro aproveitou a apresentação de um Projeto de Lei que aumenta a pena para pedófilos para afirmar, sem provas, que “a esquerda busca meios de descriminalizar a pedofilia, transformando-a em uma mera doença ou opção sexual”. O presidente mentiu, como mostraram várias checagens, incluindo esta do UOL e do Projeto Comprova, mas conseguiu atiçar ainda mais grupos religiosos radicais e discípulos do autodeclarado filósofo Olavo de Carvalho, que representam grande parte da sua base aliada.

Personalidades cristãs conservadoras também fizeram coro com Bolsonaro, como a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que é católica. Ela afirmou ser “muito comum esquerdistas relativizarem o sexo com menores de 14 anos”. O post de Janaína tinha quase seis mil curtidas e 900 compartilhamentos até a quinta-feira (16). O lutador de MMA evangélico Vitor Belfort, também postou no Twitter uma mensagem parabenizando Bolsonaro e Damares Alves pelo projeto e repetiu a fala de que a esquerda “busca meios de descriminalizar a pedofilia”.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Pandemia já tirou quase 600 policiais das ruas de SP

Sexta, 24 de abril de 2020
por Arthur Stabile

Há risco de ‘apagão policial’, segundo Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; servidores apontam falta de itens de proteção contra o coronavírus

Policial militar usa máscara durante patrulhamento | Foto: Divulgação/PMESP

Quase 600 policiais, entre civis e militares, estão afastados das ruas do estado de São Paulo em decorrência da Covid-19, mesmo sem ter a confirmação da doença, já que os servidores não têm conseguido fazer teste para saber se estão infectados. O total de afastados era superior a 800 há cinco dias.

E não são apenas os policiais. Na cidade de São Paulo, a pandemia levou ao afastamento de 57 guardas civis metropolitanos. Os profissionais contam que vêm usando por 12 horas máscaras que deveriam ser trocadas a cada 2.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

‘Proposta de Moro de isolar doentes em contêineres é ilegal’

Quarta, 22 de abril de 2020
Da Ponte

22/04/20 por Paloma Vasconcelos

CNJ e STF são contra medida do Ministério da Justiça e Segurança Pública para conter pandemia no sistema prisional; organizações sociais lançam nota de repúdio

Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O coronavírus chegou aos presídios brasileiros e já vitimou dois presos. Para solucionar a situação, o Ministério da Justiça e Segurança Pública quer isolar os presos infectados em contêineres metálicos. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já consideraram a proposta ilegal.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Artigo: A segurança pública da ordem é a própria desordem das vidas negras

Segunda, 2 de março de 2020
Da 
Ponte
02/03/20 por Flavio Campos e Tamires Gomes Sampaio, especial para Ponte

Uma política de segurança deve ser baseada na garantia de direitos de toda população e não na criminalização e segurança de apenas uma parte da sociedade
Imagem: Junião— ponte.org

O carnaval acabou, dias de folia, ocupação das ruas com cultura desde os sambas enredo das escolas de samba às fantasias dos bloquinhos de rua. O carnaval é um momento de alegria, mas teve também como marca a repressão, foram muitos os casos de violência em bloquinho e mais de 1.500 pessoas foram detidas em São Paulo.

No noticiário nas últimas semanas nos deparamos com denúncias de policiais invadindo uma escola pública na zona oeste e agredindo e apontando arma para alunos; mais um jovem assassinado em baile funk na zona leste; uma mulher grávida foi espancada por um PM na rua e um policial atirou para todos os lados em um bloquinho de carnaval em São Paulo e diante de todo esse cenário de violência nos perguntamos há quem serve essa política de segurança pública? Quem está realmente seguro nesta cidade?

Segurança pública, ao contrário do que Bolsonaro e Doria insistem em dizer, não se resolve com PM na rua atirando para matar e muito menos armando a população. Devemos construir uma política de segurança baseada na garantia de direitos de toda população e não na criminalização  e segurança de apenas uma parte da sociedade.

Segundo bem expressa Humberto Barrionuevo Fabretti, o paradigma tradicional da segurança pública, mantido através dos séculos desde os tempos absolutistas, é o da ordem pública. Segurança sempre foi sinônimo de ordem. No Brasil, desde o período colonial, passando pelo Império e pela República, e de forma ainda mais clara durante o Estado Novo e a Ditadura Militar, buscou-se proporcionar segurança a partir da manutenção da ordem.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

‘Lugar de PM nunca pode ser a escola’, diz especialista em educação

Sexta, 21 de janeiro de 2020
Da
21/02/20 por Maria Teresa Cruz

Catarina de Almeida Santos afirma que militarização é a exacerbação do “escola sem partido” e desrespeita identidade dos estudantes, além de proibir o diálogo

Não é exatamente uma novidade a discussão de militarização das escolas no país. Mas é inegável que o assunto passou a chamar mais atenção depois que Jair Bolsonaro chegou à Presidência e adotou o tema como política nacional na área da educação, criando até mesmo a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares do Ministério da Educação.

Para Catarina de Almeida Santos, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasilia, e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), o processo de militarização já presente em muitas escolas do país é a concretização do projeto “escola sem partido“, porque despreza o debate, a individualidade e subjetividade dos jovens.

“A militarização da escola é o ato último e mais efetivo de apagamento da escola, de imposição do processo do patriarcado, do machismo, da naturalização do racismo. É a exacerbação do ‘escola sem partido’, que é a negação da escola, que, por definição, deveria ser um espaço de diálogo”, avalia Catarina, que pesquisa o tema de militarização da educação e afirma que é preciso questionar a constitucionalidade desse modelo.

Catarina afirma que educação e segurança são direitos sociais, mas que não podem ser confundidos. “Lugar de PM não é na escola. Nem ensinando, a menos que seja um policial com licenciatura, nem agindo de forma violenta na resolução de conflitos”, pondera. A pesquisadora se refere ao vídeo que mostra PMs intervindo dentro de uma escola pública em São Paulo, usando spray de pimenta e tirando dois estudantes a socos e pontapés de dentro da instituição.

Leia mais:




O caso aconteceu na última terça-feira (18/2), na Escola Estadual Professor Emydgio de Barros, no Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, quando um aluno que não estava com o nome da lista de matriculados do período noturno se negou a sair da escola. A PM foi acionada pela diretora da escola, que foi afastada do cargo.

“Isso não é motivo para acionar a polícia. A não ser que o estudante puxasse uma arma, coisa que não aconteceu, ou que ele passasse a agredir alguém e a escola não conseguisse contê-lo. A arma mais poderosa que a escola tem será sempre o diálogo”, pontua Catarina.

A ideia de que a Polícia Militar é solução para a educação tem apoio popular e do governo federal, que pega carona nessa política populista justamente pela falta de compreensão do que realmente está em jogo.

“A polícia dentro da escola vai apagar o sujeito, apagar identidades, porque as escolas militarizadas impõem a regra do quartel, apaga a identidade da juventude, sobretudo da juventude negra, apaga a questão das mulheres trans, das lésbicas, dos gays. Não há espaço para isso”, explica.

Confira a entrevista:

Ponte – Lugar de PM é na escola?

Catarina de Almeida Santos – Nunca foi e não é por diferentes motivos. Primeiro, a gente precisa olhar a nossa polícia que é militar e militarizada, que tem vários problemas no desempenho da sua função. Educação e segurança são dois direitos sociais garantidos na nossa Constituição de 1988. E nós temos as bases legais que definem quem garante segurança e quem garante educação, dois direitos que a gente nunca garantiu de fato. Se formos olhar os problemas de segurança, eles aparecem muito mais no Brasil. A lógica da nossa PM, a forma com que atua, para quem ela é formada, é uma polícia que não dá conta de resolver aquilo para o que ela foi formada, e que não tem nada a ver com a escola. Nossa polícia sempre está agindo na reatividade. Ela é formada para tratar o cidadão, sobretudo determinados grupos de cidadãos, como inimigos. Quando você imagina que eu estou mandando para dentro da escola profissionais que são forjados para tratar esses cidadãos como inimigos, eu posso dizer que nossos inimigos são nossas crianças, jovens, adolescentes e que, por isso, a polícia precisa estar dentro da escola. A nossa polícia não tem formação e nem condições de trabalho, e essa é uma questão que não pode ser deixada de lado, porque a tropa é mal remunerada, mal equipada, há policiais que acabam adoecendo, basta ver os índices de suicídio entre policiais. Ou seja, não estão preparados para atuar dentro da escola.

Ponte – E como você avalia o vídeo gravada na escola em SP?

Catarina – Obviamente a forma com que a PM age não condiz com o papel que deveria exercer. Por exemplo, se um adolescente estivesse fazendo algo que colocasse em risco a vida dos demais, a polícia deveria estar preparado para imobilizar, impedir que esse adolescente colocasse os outros em perigo. O que ela faz? Coloca ele e os demais em perigo, inclusive apontando arma. Dentro de uma escola um policial jamais poderia usar uma arma. Fico pensando se aparecesse alguém armado e entrasse em confronto, começasse a atirar… O papel da polícia é o inverso. É impedir que isso aconteça. A polícia se mostrou despreparada para atender, se é que foi, uma chamada da escola. Se ela nem foi chamada dentro da escola, pior ainda. Mas ainda que seja chamada, ela precisa estar preparada porque está lidando com adolescentes, crianças, em um espaço fechado.


Ponte – No caso, a diretora chamou a PM porque um dos estudantes, que aparece no vídeo, não tinha encontrado o nome dele na lista. Ela queria que o aluno se retirasse da escola e ele se negou. Cabe lembrar que é uma escola que atende majoritariamente alunos negros e pobres…

Catarina – Por isso que eu falei, ela [Polícia Militar] é formada para tratar determinados grupos populacionais como inimigos. Esse policial chega dentro da escola acreditando que aqueles estudantes todos são bandidos, e não pensam isso porque eles fizeram alguma coisa, mas porque são negros, pobres, porque estudam na escola pública. Você identifica quem é mocinho e quem é bandido pela cor da pele, pela aparência, pela escola que estuda. Do jeito que nossa polícia é, ela cria provas para cobrir ilegalidades e abusos que possa ter cometido. Ela é formada para isso e essa é a questão. Eu não olho simplesmente aqueles trabalhadores policiais que aparecem no vídeo como os responsáveis. Eles recebem comando, eles são demandados para fazer aquilo. A formação deles é para criminalizar pela cor da pele, classe social. Não é uma ação individual do policial, tanto que você tem um agindo e os outros colaborando. Todos vão pra cima do adolescente. Você tem a análise de uma cena em que as únicas pessoas que não estão cometendo nada de errado são justamente aqueles que estão sendo imobilizados, ou seja, os estudantes.

Ponte – Nesse caso, acionar a polícia seria a última medida a ser feita?

domingo, 22 de dezembro de 2019

O adeus a Alaru, panafricanista, linha de frente contra o racismo

Domingo, 22 de dezembro de 2019
Da Ponte
21/12/19 por Kaique Dalapola

Se quiser beber direto na fonte, clique aqui 

Professor de história e fundador da União dos Coletivos Pan-Africanistas faleceu nesta sexta-feira (20/12), em decorrência de problemas cardíacos

Professor Alaru morreu em decorrência de problemas cardíacos | Foto: Reprodução/Facebook

O professor de história e ativista negro Alaru morreu, nesta sexta-feira (20/12), aos 43 anos. Fundador da UCPA (União dos Coletivos Pan-Africanistas), ele esteve na linha de frente em importantes manifestações contra o racismos.

O ativista morreu em decorrência de problemas cardíacos. Ele ficou internado no Hospital Geral de São Matheus, na zona leste da cidade de São Paulo, e morreu na tarde de sexta-feira. O velório aconteceu na manhã deste sábado (21/12), e o enterro à tarde, no cemitério da Vila Formosa, também na zona leste.

Formado em História desde 2007, dizia que sua faculdade era a luta, as ruas e as praças. Lecionou na zona leste paulistana em escolas municipais e estaduais, além de dar aulas em cursinhos comunitários pré-vestibular.

Em agosto de 2000, quando editava o jornal autônomo Filhos da África, juntou com membros de outros cinco movimentos para formar a UCPA com o objetivo de difundir o pan-africanismo e o fortalecimento do povo preto de forma autônoma, sem vínculo com ONGs, partidos políticos, sindicatos e empresas. 

“Na época, queríamos provar a possibilidade de fazer luta em prol da comunidade preta sem estar atrelado a outras instituições. Queríamos ter o controle de nossas narrativas e agendas”, conta o professor Abisogun Olatunji, de 37 anos, que esteve com Alaru desde o começo da UCPA. 

Companheiros de movimento destacam que Alaru foi responsável por ensinar uma geração de jovens pretos a ter autonomia na luta contra o racismo e atuar intransigentemente contra a supremacia branca.


“Alaru era um grito, um professor para cada preto e preta que luta diariamente pela dignidade de nosso povo. Foi uma perda irreparável”, diz o assistente jurídico Wesley Nascimento, 27 anos, que militou no mesmo movimento que ele por cerca de um ano.

O militante negro Jomo Akanni, de 46 anos, destaca que Alaru “sempre pautou a luta coletiva como o mais importante”. Parceiros de luta durante 17 anos, Akanni lembra que o professor “criou o termo pan-africanista por essência, que seria um reconhecimento a irmãos e irmãs que, apesar de não se denominarem seguidores do pan-africanismo, tinham o amor ao povo preto como pilar de vida”.

O ativista negro Kairu Kijani, de 22 anos, diz que Alaru “foi muito dedicado e com muita disposição na luta, acolhedor e carinhoso na forma de tratar os irmãos”. Afirma ainda que o professor “ensinou a amar o povo preto e lutar por todos os meios necessários”. 

Para Wesley, “era incrível observar os jovens por volta dos 18 anos que ficavam em silêncio para ouví-lo, pois todos tinham consciência do aprendizado que teriam com ele”. Eles se conheceram durante protestos pela liberdade do ajudante Igor Barcelos Ortega. 

Em uma manifestação pela liberdade de Igor, que também apontavam racismo nas prisões da modelo Babiy Quirino e do educador Marcelo Dias, em setembro do ano passado, Alaru foi o responsável por puxar um jogral no fim do protesto. 

“Nós não podemos acreditar em promessas de partidos políticos, a justiça não é cega, a justiça é branca e racista. Nós temos que nos organizar, entre nós, em nome de uma única bandeira, a bandeira do povo preto. Lutar por liberdade e poder para o povo preto”, disse na ocasião. 

Em outro ato que a Ponte cobriu e Alaru estava na linha de frente, militantes negros escracharam uma manifestação de brancos em frente ao Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, zona sul da capital paulista. Os moradores da região foram às ruas para apoiar os policiais militares que mataram o menino Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, de 10 anos. 

Enquanto os brancos entoavam palavras de ordem apoiando a morte do menino, na manhã de 11 de junho de 2016, Alaru usava uma caixa de som, acompanhado de outros militantes negros, para dizer que estavam lá “mais uma vez denunciando e prontos para o enfrentamento contra o povo que apoia o genocídio do povo negro”.

Em 2017, novamente o professor estava na linha de frente das manifestações denunciando racismo no caso do menino João Victor Souza de Carvalho, de 13 anos, que morreu em frente ao Habib’s da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte paulistana, em fevereiro. 

Depois de um dos protestos que terminou com o fechamento momentâneo de duas unidades da esfiharia, no dia 1º de abril, Alaru disse sobre a importância em “manter o enfrentamento contra esse gigante chamado Habib’s, que é uma forma de não cair no esquecimento o caso do João Victor e o genocídio que acontece com nossas crianças”.

Sempre preocupado com as crianças, sonhava em construir uma escola pan-africanista na periferia da zona leste paulistana, onde vivia. Ele deixa a companheira com quem tem dois filhos ainda criança e outro filho de 20 anos de um relacionamento anterior.

No Facebook, a advogada Dina Alves, que integra o IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), disse que “a luta pela educação e por uma sociedade antirracista perdeu um professor”, e destacou que “a luta segue e seus ensinamentos serão lembrados”.

Nos registros, Alaru deixa a frase que costumava puxar nas manifestações: “Racistas, otários, nos deixem em paz”. 

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Após denúncia da Ponte, Justiça liberta réu inocentado por vítima



Segunda, 18 de novembro de 2019
Da PONTE
Homem que teve carro roubado reconhecia que Heverton Enrique Siqueira não participou do crime, mesmo assim a Justiça o manteve preso por 39 dias


Heverton tinha carta da vítima como prova para inocentá-lo da acusação | Foto: Arquivo pessoal

A Justiça de São Paulo decidiu revogar a prisão preventiva de Heverton Enrique Siqueira, 20 anos, suspeito de roubar um carro e três celulares em 10 de outubro, na região de Sapopemba, zona leste da cidade de São Paulo. Ele permaneceu preso por 39 dias, mesmo com a própria vítima do crime o inocentando, assegurando que ele não era o real criminoso. Sua saída do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Mauá, em São Paulo, acontecerá nesta terça-feira (19/11).

domingo, 17 de novembro de 2019

Bolsonaristas mantêm entidade com falsa ligação com a ONU

Domingo, 17 de novembro de 2019
Da Ponte

17/11/19 por Arthur Stabile, Jeniffer Mendonça e Paloma Vasconcelos


‘Parlamento Mundial de Segurança e Paz’ deixou de integrar instituições da ONU em janeiro, mas ainda entrega honrarias em nome da entidade internacional

Uma instituição brasileira chamada Parlamento Mundial de Segurança e Paz, na sigla em inglês WPO (World Parlament of Security And Peace), vem premiando pessoas em nome da ONU (Organização das Nações Unidas) sem ter ligação com a entidade internacional. Uma das medalhas entregues pela entidade traz erros a palavra em inglês word (palavra) escrita no lugar de world (mundo).

Desde janeiro de 2019, o grupo não faz mais parte da lista de instituições vinculadas à organização mundial, mas usa o falso vínculo na entrega de honrarias. Uma de suas integrantes, Veruska Rodrigues, concorreu nas eleições de 2018 pelo PSL (Partido Social Liberal), partido do presidente Jair Bolsonaro.

Veruska, autointitulada “Embaixadora Humanitária da Paz pela ONU”, continua homenageando pessoas com o título “Benfeitor da Humanidade” em nome da Organização das Nações Unidas. É possível confirmar a retirada da WPO do site da ONU, conforme a própria Organização informou à Ponte. A WPO entrou na lista do Pacto Global em 2015 e foi desligada no começo de 2019 por não comunicar seus progressos, segundo a entidade internacional.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Homem que culpou ajudante negro por roubo é PM, mas polícia escondeu isso

Segunda, 11 de novembro de 2019
Da

11/11/19 por Arthur Stabile e Paloma Vasconcelos

PM e mulher disseram que jovem havia roubado celular, contrariando testemunha, vídeo e nota fiscal; casal diz estar sendo ameaçado

Rafael Ribeiro Santana, 27 anos, está preso desde 17 de julho, acusado de roubar o celular de uma criança no Parque da Independência, Ipiranga, zona sul da cidade de São Paulo. Mas testemunhas, vídeos e documento fiscal indicam que, na hora do crime, ele estava em um supermercado comprando salsicha para o seu patrão, dono de um carrinho de cachorro-quente. Uma das vítimas do roubo que acusou Rafael, cujo relato foi determinante para a sua prisão, é um policial militar. No entanto, a presença do PM no caso foi omitida dos registros policiais.

Um vídeo divulgado pela Ponte mostra o momento em que uma mulher, mãe da criança que teve o celular roubado, e um homem culpam Rafael pelo crime e o fazem esperar pela chegada da PM. Na cena, o homem que aponta o jovem ajudante como o autor do crime é Paulo Eduardo Lombardi, um cabo da PM paulista. Ele trabalha 17º BPM/I (Batalhão de Polícia Militar do Interior), localizado na cidade de São José do Rio Preto, interior do estado.

O registro, feito por um amigo de Rafael que percebeu as acusações, mostra o PM Paulo xingando de “lixo” e “vagabundo” as pessoas que estavam próximas. Eles davam sua explicação sobre o que havia ocorrido, buscando inocentar o ajudante. Quando os policiais militares, chamados pelo casal, se aproximam, é o cabo Lombardi quem vai falar com eles e apontar Rafael como o autor do crime.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Vítima inocenta suspeito, mas Justiça ignora e mantém jovem negro preso sem provas

Sexta, 8 de novembro de 2019
Da Ponte
08/11/19 por Arthur Stabile

Heverton Enrique Siqueira foi preso acusado de roubo de carro, mas principal testemunha voltou atrás no dia seguinte e admitiu que reconheceu a pessoa errada

[Clique sobre a foto para melhor visualizá-la]
Carta escrita pela vítima (à dir.) aponta que Heverton (à esq.) é inocente| Foto: Montagem/arquivo pessoal

O engano que levou à prisão do vendedor Heverton Enrique Siqueira, 20 anos, durou apenas um dia, mas a Justiça continua a mantê-lo preso, agora sem provas, há quase um mês.

O jovem negro foi detido pela Polícia Militar em 10 de outubro, pelo roubo de um carro em Sapopemba, zona leste da cidade de São Paulo, baseado em um reconhecimento pela vítima do crime feito no 69º DP (Teotônio Vilela). A própria vítima, um motorista de aplicativo, conta que no dia seguinte viu os ladrões que o haviam assaltado na rua e percebeu que havia identificado a pessoa errada. Tentou duas vezes mudar seu depoimento na delegacia, mas os policiais civis se recusaram a ouvi-lo. O motorista, então, escreveu em uma carta reconhecendo a inocência de Heverton, que foi anexada ao processo e ignorada tanto pelo Ministério Público quanto pela Justiça.

domingo, 3 de novembro de 2019

Sobrevivente da emboscada, indígena Guajajara relata o que viu

Domingo, 3 de novembro de 2019
Da Pública Agência de Jornalismo Investigativo

REPORTAGEM

Atingido por dois tiros, Laércio Guajajara contou a Fabiana Guajajara e ao cineasta Taciano Brito como foi o ataque, dentro da TI, que matou Paulo Paulino no Maranhão

3 de novembro de 2019
14:20
Thiago Domenici, Vasconcelo Quadros
“A luta continua, não vamos parar. Mesmo que ele [Paulo Paulino] tenha morrido, mesmo que outros morram, enquanto tiver indígenas, enquanto tiver guerreiros, a luta vai continuar”, disse Laércio Guajajara ao cineasta Taciano Brito e à liderança indígena, Fabiana Guajajara. Ambos estiveram com ele entre sexta e sábado, após o indígena receber alta do hospital na cidade de Imperatriz do Maranhão. 

À Pública eles contaram que Laércio, ferido, correu 10 quilômetros para escapar da emboscada que, na última sexta-feira à tarde, matou o indígena Paulo Paulino Guajajara, 26 anos, conhecido como “Lobo mau”. Os dois indígenas foram emboscados por cinco madeireiros dentro do território indígena Araribóia, no Maranhão. 

Eles haviam partido da aldeia Lagoa Comprida, norte da TI, na região de Bom Jesus das Selvas, a 100 km do município de Amarante, para caçar. Naquele dia, eles não estavam fazendo o trabalho de guardiões da floresta, um grupo formado por mais de uma centena de indígenas que monitora o território Araribóia, onde vivem também os povos Awa-Guajá, para combater a retirada ilegal de madeira e focos de incêndio.

Segundo Laércio, a caça era para que eles próprios pudessem se alimentar e levar para a família. “Paulino tem um filho pequeno”, diz o cineasta, que está finalizando o documentário Iwazayzar – Guardiões da Natureza, sobre a batalha dos Guajajara para proteger seu povo, a terra sagrada, e seus parentes, os Awá Guajá.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Diante dos alunos, ex-PM pagou de matador. Agora será investigado

Sexta, 1º de novembro de 2019
Do site da Ponte

31/10/19 por Arthur Stabile

Após denúncia da Ponte, Corregedoria da PM investigará Norberto Florindo Júnior, que revela ter cometido chacinas, matado mulheres grávidas, bebês e 100 suspeitos em socorro médico


A Justiça de São Paulo determinou que a Corregedoria da Polícia Militar investigue possíveis crimes cometidos pelo ex-PM Norberto Florindo Júnior enquanto integrante da tropa. Conforme denunciado pela Ponte, o agora professor da Alfa Concursos, escola para concurseiros, admite e se vangloria de termatado mulheres, bebês e suspeitos feridos enquanto os socorria ao hospital.

O MP (Ministério Público) de São Paulo confirma que a Justiça solicitou a abertura de investigações após as reportagens divulgadas pela Ponte. O promotor de Justiça Militar Edson Correa Batista concordou com o pedido e, assim, a Justiça encaminhou a investigação para a Corregedoria da PM. A série de reportagens também mostrou que a AlfaCon possui como acionista aSomos Educação, controlada pela Kroton, maior grupo privado de educação do Brasil e como o fundador da empresa, Evandro Guedes, exalta tortura cometidas quando agente penitenciário federal.
Corregedor da PM paulista, o coronel Marcelino Fernandes ainda não havia recebido a determinação quando questionado pela Ponte. No entanto, explica que existe, sim, a possibilidade de Norberto responder por atos cometidos enquanto policial militar. “Se não estiver prescrito, os crimes são apurados”, explica Marcelino.
Nas gravações, o professor de Direito ensina aos aspirantes a policiais militares técnicas de tortura e execução. Entre as práticas, mostra como se deve matar um suspeito baleado. “Bandido ferido é inadmissível chegar vivo ao pronto-socorro. Só se você for um policial de merda. Você vai socorrer o bandido, como?! Com esta mão, você vai tampar o nariz e, com esta, a boca”, diz Norberto, revelando ter prestado “100 socorros, eu nunca perdi um paciente [risos]. Todos que socorri chegaram mortos, todos”.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

‘O mundo desaba em você quando chega em casa’, diz policial civil que pensou em se matar

Sexta, 27 de setembro de 2019
Da PONTE
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27/09/19 por Mariana Ferrari

Estudo mostra que suicídio é a principal causa de morte de policiais civis; dois investigadores que sofrem de depressão criticam assédio moral, machismo e lógica violenta

Fachada do Edifício Palácio da Polícia Civil, no centro histórico de SP | Foto: divulgação/PCSP

Há pouco mais de 15 dias Ana Paula* diz que consegue, ao menos, voltar a viver. Durante os últimos três meses e meio, a investigadora de polícia de 40 anos chegou no limite do que pode ser considerado emocionalmente suportável. Quando entrou na Polícia Civil, há cinco anos, Ana Paula não imaginou que seria afastada dos trabalhos por depressão e pensamento suicida. O trabalho tornou-se pesadelo por uma série de fatores exaustivos dentro do distrito de polícia. Ana Paula não entrou para as estatísticas de suicídios, porque procurou ajuda e está afastada do cargo de investigadora.

De acordo com a pesquisa “Uma análise crítica sobre suicídio policial”, feita pela Ouvidoria de São Paulo em parceria com os Conselho Federal e Regional de Psicologia, só entre 2017 e 2018, 78 policiais cometeram suicídio em São Paulo. Desse total, 17 eram da polícia civil.  A Organização Mundial da Saúde adverte que a situação é considerada epidêmica a partir de 10 suicídios para cada 100 mil pessoas. Na polícia civil, a taxa chega a 30, ou seja, um número três vezes acima do recomendado, já que a corporação conta com 28 mil policiais. 


Ana começou a adoecer quando chegou no ápice do seu sonho. Depois de passar pelo setor administrativo do IML (Instituto Médico Legal) e pelo cargo de escrivã, ela conquistou o ofício de investigadora de polícia. Dentro dos distritos, ela ficou assolada ao saber que durante os plantões faltava água e papel higiênico. Da escassez material veio o assédio dentro do ambiente de trabalho. Ana Paula chegou ao ponto de ser transferida de delegacia depois de recusar um pedido que colocava a sua própria segurança em risco. Esse caso específico Ana chama de “a gota d’água”.