Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Arrocho para o povo, privilégio para rentistas e parlamentares

Quinta, 16 de dezembro de 2010
Texto publicado em "Auditoria Cidadã da Dívida"
 
Os jornais de hoje [16/12] trazem em manchete de capa o aumento de 62% nos salários dos parlamentares, concedido por eles mesmos, em profunda contradição com a política de arrocho para os servidores públicos em geral e os cortes generalizados já anunciados para os gastos sociais em 2011. Também foram aprovados aumentos para a Presidência da República e Ministros.

Ou seja: para o povo, o arrocho. Para os que estão no Poder, formulando a política econômica que privilegia os rentistas, aumentos bastante acima da inflação.

Cabe relembrar também que os privilégios dos rentistas são muito maiores que os dos parlamentares. A CPI da Dívida, concluída recentemente na Câmara dos Deputados, constatou que, no “Programa de Recompra da Dívida Externa”, o governo tem pago antecipadamente e com grande ágio diversos tipos de bônus do endividamento externo. Apenas em um tipo de bônus, o “BR30”, o governo recomprou US$ 222 milhões pagando nada menos que US$ 153 milhões de ágio, ou seja, um adicional de 69% do valor que constava efetivamente como débito do país. Este adicional é ainda maior que o aumento de 62% no salário dos parlamentares.

Convertendo-se tais US$ 153 milhões de ágio para reais, à taxa de câmbio de 1,7, verifica-se que, em apenas uma pequena parcela dos títulos da dívida externa pagos antecipadamente, o país gastou R$ 261 milhões com ágio, valor este equivalente ao dobro da despesa anual com o aumento dos parlamentares.

Ou seja: além dos privilégios dos parlamentares, existem privilégios bem maiores, mas que não aparecem na manchete de capa dos jornais. 

Os jornais de hoje também mostram que o governo lançou um pacote de estímulo ao financiamento de longo prazo, dando isenções de imposto de renda aos que quiserem investir no setor produtivo. Sobre este tema, cabe ressaltar que, atualmente, o setor financeiro privado não se interessa em financiar o setor produtivo a longo prazo pois pode ganhar os maiores juros do mundo em prazos curtíssimos investindo em títulos da dívida interna. Ao mesmo tempo, os investidores estrangeiros têm isenção de imposto de renda sobre os seus ganhos com a dívida interna, aprofundando uma estrutura tributária injusta, onde as rendas dos mais ricos são isentas de imposto, enquanto os mais pobres pagam pesados tributos embutidos nos preços dos produtos.

Agora, assustado com o enorme fluxo de recursos nacionais e estrangeiros para os títulos da dívida pública, o governo tenta redirecionar estes recursos para o setor produtivo. Porém, ao invés de fazer isso auditando a dívida, reduzindo fortemente as taxas de juros e acabando com a isenção do Imposto de Renda para os rentistas, o governo prefere estender esta isenção para os investidores do setor produtivo.

Ou seja: para não acabar com a farra do setor financeiro com a dívida pública, o governo prefere aprofundar ainda mais as injustiças tributárias no país, isentando cada vez mais as grandes rendas e penalizando os mais pobres.

O Jornal Valor Econômico mostra que os países do Bric (Brasil, Rússia, China e Índia) aumentaram a sua fatia na gerência do FMI e passarão a ter direito de veto nas decisões do Fundo. Isto poderia dar a entender que agora este organismo deixaria de impor políticas alinhadas aos governos do Norte, como as reformas neoliberais que retiram direitos dos trabalhadores. Porém, países como o Brasil já incorporaram as políticas do Fundo, elogiando-as e aplicando-as.

Uma destas políticas impostas pelo FMI – e eternizadas pelo atual governo - é a privatização de serviços como a energia elétrica, executada pelo governo FHC sob a justificativa de que iria aumentar a competitividade do setor e reduzir a conta de luz. Para “regular” tais setores privatizados, FHC criou as chamadas “Agências Reguladoras”.

Porém, o que se observou na prática foi a criação de um grande monopólio privado no setor elétrico, e um aumento absurdo das tarifas, a ponto de até desrespeitar a lei. Outra notícia do Valor Econômico mostra que as empresas de distribuição de energia cobraram indevidamente R$ 7 bilhões a mais dos consumidores, entre 2002 e 2009. E a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), mesmo tendo reconhecido este erro, ontem se recusou a determinar que as empresas ressarcissem estes R$ 7 bilhões aos consumidores. Prova de que as políticas neoliberais do FMI continuam sendo executadas pelo governo brasileiro. 

Além de aplicar as políticas do FMI, o Brasil ainda tem estimulado este organismo a impor a diversos países as políticas de ajuste fiscal e retirada de direitos dos trabalhadores e aposentados. Recentemente o Brasil emprestou recursos ao Fundo, que desta forma passou a dispor de mais dinheiro para emprestar a países e, em troca, exigir a aplicação do receituário neoliberal. Notícia do Estado de São Paulo mostra a declaração da porta-voz do FMI, de que “Os recursos do Fundo Monetário Internacional são adequados para atender qualquer demanda, mesmo em meio às preocupações cada vez mais disseminadas com os bancos e as dívidas soberanas da Europa”.

Outro organismo que participa juntamente com o FMI deste esforço é a União Européia, que está disposta a mudar seu tratado para permitir que países “ajudem” financeiramente uns aos outros, em troca, claro, de que os países “ajudados” implementem cortes de gastos sociais para pagar uma questionável dívida, feita principalmente para salvar bancos.
- - - - - - - - -