Sábado, 28 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho

A Utopia, claro, como ele mesmo define e
pela qual julga haver lutado é, no plano das ideias puras, uma situação “de
plena justiça social com plena liberdade”. No plano da realidade que o mundo
experimentou e não conseguiu ainda exorcizar totalmente, aquela utopia se
apresentou como “o socialismo real”, uma das coisas mais monstruosas que a
civilização, desde a antiguidade até nossos dias, conseguiu criar.
Mas é hora de ir ao assunto. Na
quinta-feira, no blog Náufrago da Utopia, Lungaretti encerra queixando-se,
um tanto ironicamente, de que “ainda há leitor que me pede para escrever uma
ode... a coisa nenhuma”. O que o levou a esse final? Não tenho espaço aqui para
transcrever todo o artigo sem renunciar eu mesmo a escrever, de modo que vou me
limitar ao parágrafo que, na minha visão, representa o núcleo político do que
ele escreveu. Não sem antes assinalar que Lungaretti deixa explícita sua
avaliação de que palavras só muito raramente transformam situações e que muito
mais valem as ações. Essa opinião é dele.
E então escreve, referindo-se ao discurso
da presidente Dilma Rousseff na Assembléia Geral da ONU e, suponho, palavrórios
adjacentes dela sobre o caso da espionagem eletrônica do governo americano na
Petrobrás e no Palácio do Planalto, atingindo diretamente a própria chefe de
estado: “Se o Brasil
tivesse reconsiderado a indignidade que cometeu ao negar o asilo solicitado por
Edward Snowden, aí sim aplicaria um tapa bem dado nas fuças de Barack Obama, à
altura do insulto recebido. Mas, preferiu restringir-se às palavras que o vento
leva, preocupado apenas em dar uma satisfação para o público interno. E foi
apenas o que logrou.”
Não
tenho e não estou interessado em ter a menor idéia a respeito da habilidade de
Lungaretti no gatilho, na guerrilha ou nas sessões de treinamento de tiro ao
alvo. Mas é inescapável a conclusão de que, no trecho citado acima de seu
artigo “Ode a coisa nenhuma”, ele acertou na mosca. Especialmente quando puxou
Edward Snowden para o cenário ou, se alguém tiver uma visão crítica pouquinha
coisa, ao circo armado pelo governo e pela presidente em torno do grave
episódio da espionagem sobre “alvos” – como elas, as agências de espionagem,
chamam – brasileiros.
Claro,
o governo brasileiro negou vergonhosamente o asilo político solicitado por
Edward Snowden, o herói moderno que colocou em grave risco à própria vida e
tudo mais para denunciar a espionagem eletrônica globalizada que a NSA, na
coordenação de outras agências e organismos americanos de inteligência e
policiais (FBI), pratica contra Estados e cidadãos.
Ora, o
governo brasileiro soube da espionagem direcionada à presidente do Brasil e
assessores seus, bem como à Petrobrás, somente porque Snowden denunciou a
espionagem eletrônica global norte-americana e, especificamente, as ações no
Brasil que tanto pareceram irritar (e devem ter irritado mesmo) a presidente.
Seria o caso, portanto, como sugere Lungaretti no trecho citado de seu artigo,
de uma reconsideração da “indignidade” da negativa de asilo e, ao menos como
reação objetiva à espionagem, a concessão deste asilo. Mas o governo brasileiro
preferiu dizer alguns desaforos na Assembléia Geral da Onu e em algumas outras
oportunidades, limitando-se assim às palavras (que soariam ridículas se não
houvesse sido adiada a “visita de estado” de Dilma a Washington).
E que,
não parecendo ridículas, deram “uma satisfação ao público interno”, segundo
Lungaretti, o objetivo da presidente, que “falou bonito”, mas só isso mesmo.
Discordo, ou acrescento, quanto ao foco do governo: o barulho, além de “uma
satisfação ao público interno”, teve como principal objetivo recuperar
simpatizantes que a presidente e seu governo perdera. E, não chega a ser uma
surpresa, principalmente no Brasil, o circo cumpriu sua função, a serem fiéis
os resultados da pesquisa CNI/Ibope.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna
da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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