Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Golpe na Saúde

Sexta, 1º de novembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Existe um tratamento médico usado livremente em alguns países, a exemplo do México e da Alemanha, que está sendo vergonhosamente surrupiado dos brasileiros por força de um lobby poderosíssimo. Trata-se da auto-hemoterapia.
         Há informação (a confirmar) que o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, fez no final do ano passado auto-hemoterapia para combater as dores de coluna.
         Ele teria precisado escolher uma forma de auto-hemoterapia dissimulada, chamada de PRP – Plasma Rico em Plaquetas. Tira-se um pouco de sangue do próprio paciente, passa-se por um processo em laboratório em que alguns componentes do sangue são eliminados e, por injeção intramuscalar, o produto PRP volta ao corpo do paciente.
         Uma razão óbvia desse processo de “transformação” do sangue em PRP é alguém ganhar dinheiro com isso. A começar do laboratório, que cobra um preço nada modesto para, desnecessariamente, produzir o PRP. A hemoterapia tradicional (tira o sangue e sem passar por processo nenhum, injeta-se no músculo, de preferência glúteo) custaria apenas uma seringa e respectiva agulha, um ou dois pequenos pedaços de algodão e a mão de obra de alguém que saiba tirar sangue de uma veia e injetá-lo no “doador” via intramuscular. Um médico, que receberia o preço da consulta – pago por particular, plano de saúde, SUS – prescreveria o tratamento, para o que deveria ter conhecimento da auto-hemoterapia e suas extraordinárias possibilidades.
         Sabe-se, por exemplo, que a auto-hemoterapia tradicional é muito usada na veterinária e que, no Brasil, na forma de PRP, é discretamente usada para acelerar a recuperação de atletas (jogadores de futebol e outros) que sofrem lesões musculares.
         Na forma tradicional, por seu custo quase nulo, a auto-hemoterapia seria uma mão na roda para o Sistema Único de Saúde, tendo em vista a sua eficiência em muitos e diferentes, bem como simples e graves problemas de saúde. Mas, se confirmada a informação de que o presidente do STF e relator do processo do Mensalão usou o PRP, esta forma de auto-hemoterapia teria sido para ele não uma escolha, mas a única forma à sua disposição, pois a auto-hemoterapia tradicional está proibida no Brasil, salvo se praticada exclusivamente pelo próprio paciente, sem ajuda de ninguém.
         É que em 2007, a Anvisa (essa cada vez menos confiável Agência Nacional de Vigilância Sanitária) emitiu a Nota Técnica nº 1, de 13 de abril de 2007, que não é uma lei e cuja constitucionalidade e juridicidade é extremamente controversa. Pretende inviabilizar a aplicação da auto-hemoterapia em pessoas, sob a alegação de que não existe comprovação científica de sua eficácia. E de lá até aqui o governo, responsável pela Anvisa, não deu um passo para iniciar (pelo tempo, já teria terminado) pesquisas que cientificamente comprovassem ou excluíssem a eficácia do tratamento, eficácia empiricamente já comprovado no Brasil exaustivamente.
         Não sei se o governador Eduardo Campos, candidato a presidente da República pelo PSB, chegou a dar palpite no assunto, mas o fato é que a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco implantou em Olinda o primeiro (e único) centro de tratamento pela auto-hemoterapia, sem a esperteza do PRP. A auto-hemoterapia tradicional. O tratamento mediante injeções semanais que multiplicam por quatro ou até mais um pouco o poderio do sistema imunitário, o que faz o trabalho de cura ou melhora do paciente ou um trabalho preventivo, se for a opção.
         O centro de auto-hemoterapia de Olinda ia a mil, com uma demanda entusiasmada e surpreendente de pacientes, quando teve de fechar repentinamente – os conselhos federais de medicina, farmácia e enfermagem proibiram (sob pena de processo e, claro, cassação do diploma e do direito ao exercício da profissão) seus associados de praticarem a auto-hemoterapia (salvo na forma PRP), baseando-se na nota fajuta da Anvisa.
         Triste pensar que esse lobby, envolvendo indústria farmacêutica, hospitais, indústrias de equipamentos médico-hospitalares, farmácias, médicos, toda essa engrenagem, inviabilizou a auto-hemoterapia, que reduziria fortemente a necessidade de uso de antibióticos e seria, aplicada preventivamente, uma poderosa aliada contra a infecção hospitalar que atinge hoje níveis assustadores.
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Ivan de Carvalho é jornalista baiano.