Segunda, 28 de dezembro de 2015
Do MPF
Além
da motivação política, assassinato teve como objetivo obter 60 mil dólares que
a vítima havia recebido do partido; dinheiro foi rateado entre agentes da
repressão
O Ministério Público Federal denunciou o ex-chefe do
DOI-CODI, do II Exército, em São Paulo, Audir Santos Maciel, pelo homicídio duplamente
qualificado e ocultação do cadáver do militante político José Montenegro de
Lima durante a ditadura militar brasileira. A vítima, conhecida como Magrão,
foi assassinada em 29 de setembro de 1975 com uma injeção destinada ao
sacrifício de cavalos. O corpo do militante foi atirado nas águas do Rio Novo,
em Avaré, e nunca foi encontrado.
José Montenegro de Lima era membro do Comitê Central do
Partido Comunista do Brasil (PCB), atuando principalmente na disseminação de
ideais políticos entre a juventude. À época do crime, ele havia recebido do
partido 60 mil dólares para montar uma estrutura de produção alternativa do
jornal “Voz Operária”, veículo oficial do PCB, visto que as gráficas do
periódico no Rio de Janeiro e em São Paulo haviam sido desmanteladas pelos
órgãos de repressão. Os depoimentos colhidos pelo MPF revelam que, para além da
motivação política, a morte do militante teve incentivo financeiro. Segundo o
ex-agente do regime militar Marival Chaves Dias do Canto, o DOI soube da
quantia entregue a José Montenegro. Por isso, uma equipe o prendeu e o matou
para posteriormente ir à sua casa pegar o dinheiro. Os 60 mil dólares foram
rateados entre a cúpula do Destacamento.
O militante foi preso na rua, em uma emboscada no bairro
da Bela Vista, na capital paulista, planejada e executada por agentes
policiais, a mando do então tenente-coronel do Exército Audir Santos Maciel. Em
seguida, foi levado para um centro clandestino de torturas localizado na
rodovia Castello Branco, no município de Araçariguama, onde o próprio chefe do
DOI-CODI/II Exército aplicou a injeção que levou José Montenegro à morte, de
acordo com depoimento de Marival Chaves. Além disso, o cargo de chefia ocupado
pelo militar lhe garantia ciência e pleno domínio dos fatos, bem como autoridade
direta sobre os agentes que participaram da morte do militante.
Audir Santos Maciel foi denunciado pelo crime de homicídio
duplamente qualificado, por motivo torpe e mediante recurso que tornou
impossível a defesa da vítima, conforme disposto no art. 121, § 2º, incisos I e
IV do Código Penal. A pena prevista varia entre 12 e 30 anos de reclusão.
OCULTAÇÃO DE CADÁVER. O corpo de José Montenegro foi
atirado nas águas do Rio Novo, em Avaré, mesmo destino de pelo menos oito
integrantes do PCB. À época, no entanto, os órgãos de segurança da ditadura
militar negaram que o militante tivesse sido preso e morto, afirmando em
diversas ocasiões que ele se encontrava na clandestinidade, desaparecido ou
foragido. Além disso, até hoje, a morte do militante não foi comunicada
oficialmente à sua família.
Para o MPF, o desaparecimento do cadáver de José
Montenegro se deu sob o comando e ciência de Audir Santos Maciel. “Diante
das circunstâncias do óbito, o então chefe do DOI-CODI/II Exército era o
maior interessado em ocultar o corpo da vítima, com vistas a evitar qualquer
sorte de punição caso as causas da morte viessem à tona”, ressaltaram os
procuradores da República Ana Letícia Absy e Anderson Vagner Gois dos Santos,
autores da denúncia. Assim, a posição de chefia do militar também o coloca no
papel de mandante do crime de ocultação de cadáver, previsto no art. 211 do
Código Penal, cuja pena varia de um a três anos de reclusão, além de multa.
O MPF requer ainda que o denunciado perca o cargo público
e tenha a aposentadoria cancelada, bem como, em caso de condenação, seja
despido das medalhas e condecorações obtidas. Por terem sido cometidos em
contexto de ataque sistemático e generalizado à população, em razão da ditadura
militar brasileira, os delitos denunciados são qualificados como crimes contra
a humanidade, sendo portanto, imprescritíveis e impassíveis de anistia. Leia a
íntegra da denúncia. O número do processo é 0015754-19.2015.4.03.6181. Para
consultar a tramitação, acesse http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/