Quinta, 31
de dezembro de 2015
Jorge
Béja
Os personagens mais credenciados a requererem que os erros
do Supremo no julgamento do rito do impeachment sejam corrigidos são aqueles
contra os quais a ação do PCdoB foi dirigida, a saber, o presidente da República,
a Câmara dos Deputados, a Advocacia-Geral da União, a Procuradoria-Geral da
República, etc. etc… Isto é, as partes que integram o lado oposto da ação do
PCdoB. Para algumas delas (ou quase todas), a decisão está ótima. E por
isso ninguém vai mover uma palha. Até o Planalto festejou o resultado. Para
Dilma & Cia. foi um vitória, ouviu-se Adams abrir o peito e comemorar.
Parece, contudo, que a única parte envolvida que vai tocar
o caso adiante é a Câmara dos Deputados. Cunha já anunciou que pretende, mesmo
antes da publicação do acórdão, ingressar com Embargos de Declaração. Se fizer
isso, vai dar um tiro no pé. Pedir para que seja declarado o quê, se o acórdão
nem foi publicado ainda?
Se os Embargos forem opostos antes da publicação do
Acórdão, não poderão ser renovados, consertados, aditados nem apresentados,
outro ou outros, depois da publicação do Acórdão. Isto por causa do princípio
consumativo dos recursos. Uma vez interposto um recurso, a parte que o interpôs
perde a oportunidade de interpor outro, ou outros, depois.
MANDADO DE SEGURANÇA
O que pode ser impetrado agora — mesmo antes da publicação
do Acórdão — é um Mandado de Segurança, para desconstituir aquela última oração
que consta da Ata de Julgamento: “Ao
final, o Tribunal, por unanimidade, converteu o julgamento da medida cautelar
em julgamento do mérito”. E com isso, o processo da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, impetrado pelo PCdoB, acabou quando não
poderia ser encerrado ali e deveria prosseguir, como foi exposto no artigo de
ontem, elaborado em forma de 10 perguntas e 10 resposta (vejam no “link”) que parece
esgotar o assunto.
Havia um rito a ser seguido até a apreciação dos pedidos
de liminares. E este rito foi obedecido. Mas a lei 9882/99 (que disciplina a ADPF)
estabelece um segundo rito, a partir da decisão do plenário sobre as liminares.
E este rito não foi seguido. Foi amputado. Foi excluído da lei. E com isso não
foi observado o devido processo legal, com inegável prejuízo para as partes
acionadas, que teriam maior prazo (10 dias, segundo a lei amputada) para
apresentar suas defesas, desta vez com mais tempo e tranquilidade do que os 5
dias que a mesma lei prevê para que todos se manifestam sobre os pedidos de
liminares.
Em suma: para contestar os pedidos de liminares, 5 dias,
prazo comum, correndo contra todas as partes acionadas. E depois que o plenário
apreciou e decidiu sobre as liminares, novo prazo, desta vez maior, de 10 dias,
para as contestações.
MUTILAÇÃO DE BARROSO…
Com a supressão desta segunda fase processual, aquela
mutilação que o ministro Barroso fez quando leu a respeito do Regimento Interno
da Câmara no tocante à votação aberta ou secreta, e que com toda certeza seria
alvo de veemente reprovação, infelizmente não pode e nem poderá mais ser
contestada. Registre-se que Embargos de Declaração são recursos que não servem
para pedir esclarecimento sobre voto, e sim sobre a sentença ou acórdão.
Uma hipótese. Creio que seria oportuno que todo eleitor
apresentasse Mandado de Segurança no SFT com pedido para excluir da Ata aquela
conversão ilegal, que transformou em julgamento definitivo de mérito uma mera
decisão que o plenário adotou a respeito das liminares pedidas na Medida
Cautelar. Que então seja uma pletora de Mandados de Segurança: 100, 500, 1000,
10 mil, 1 milhão…
Seria ótimo que milhares de Mandados de Segurança,
impetrados por partidos políticos e por eleitores, fossem bater no STF contra
essa última decisão da Corte. Sim, eleitores. Isso é republicano. É
democrático. A República Federativa do Brasil nada mais é do que um
condomínio gigante, cujos condôminos somos nós, eleitores. E quando uma disputa
judicial na Suprema Corte envolve as regras que definem o processo de
permanência ou demissão de um presidente da República regularmente eleito
pelo voto do eleitor, é justamente o eleitor-condômino a parte legítima nº 1
para participar daquele processo, nele intervindo e requerendo tudo o que
entenda de Direito. Eis um dos fundamentos do Mandado de Segurança que cada
eleitor pode impetrar junto ao STF.
A SOCIEDADE EXISTE
A Corte precisa sentir e saber que a sociedade não aprovou
aquela decisão e que colocou fim ao processo. Cartas para o STF não servem.
Cartas não abrem processo algum. Nem chegam à leitura do presidente. Petição
por e-mails também não servem. Por melhor que sejam confeccionadas e
fundamentadas, não serão recepcionadas como petição. Não se chega ao ponto de
dizer que serão ignoradas e deletadas. Nada disso. Mas não servem. O caminho é
a petição eletrônica, necessariamente assinada por advogado, mediante pagamento
de custas de R$ 163,80 (a conferir, a confirmar).
Por que todo e qualquer eleitor, mesmo que não tenha sido
parte integrante daquela ADPF, pode impetrar mandado de segurança? Porque a
questão submetida ao STF é de ordem pública, e diretamente atinge o eleitor. É
tema puramente de cunho eleitoral. Colocar alguém na presidência do Brasil e
retirá-lo depois não é prerrogativa do povo? Não é democrático? Não é
republicano?
CAUSA COLETIVA E PÚBLICA
Logo, não se trata de um causa entre particulares, e sim
de natureza coletiva e pública, que ao povo interessa. Os direitos dos
eleitores são múltiplos. São coletivos e difusos. E quando está em causa a
decisão da Suprema Corte a respeito do rito para afastar um presidente da
República do exercício do seu cargo, para o qual foi eleito e colocado pelo
voto do povo-eleitor, é deste mesmo povo-eleitor o direito de intervir, de
participar da lide, de recorrer, de se habilitar como terceiro mais do que
legitimamente interessado.
Aliás, o mais interessado de todos e sobre todos. Mormente
quando o STF, substituindo o Congresso que o povo elegeu, passa a legislar, tal
como aconteceu, como se Congresso fosse, sem ser e sem poder. Vamos aos
Mandados de Segurança? Há direito líquido e certo a defender. O direito da
soberania popular e o direito à observância do devido processo legal. E há
lesão cometida: a mutilação da Lei nº 9882/99 que a Suprema Corte cometeu, ao
desconsiderar e não seguir o regramento a partir do artigo 6º, sendo certo que
a lei é curta e tem apenas 14 artigos.