Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 18 de outubro de 2020

As Forças Armadas negam-se a prestigiar um Autogolpe

 Domingo, 18 de outubro de 2020

Por SALIN SIDDARTHA


Um dos argumentos utilizados pelos golpistas como insuflador dos militares para uma intervenção armada no Brasil é o de que há falta de confiança da população nas autoridades constituídas.

Todavia como é que as autoridades públicas ganham autoridade?

Autoridade não é algo artificialmente imposto, mas adquirido naturalmente pelo exemplo de vida que faz do cidadão um líder.

Com o decorrer das eras, o substantivo também passou a significar o mesmo que ocupante de posto e cargo público com responsabilidade na condução e tomada de decisões referentes ao destino político, administrativo, judicial, bélico e repressivo encarregado da gestão de um país, estado ou município. Genericamente, o servidor público de qualquer especificação se torna autoridade a partir de sua assunção ao cargo. Então, a ocupação de uma função dessa envergadura veio a decorrer do mérito pessoal reconhecido institucionalmente.

Entrementes, pelo mal exercício de suas atribuições, muitas das denominadas autoridades ficaram tão desqualificadas que se identificaram como “autoridades sem autoridade” junto à opinião pública, e os critérios de legalidade, moralidade, probidade, competência e eficiência retraíram-se abalados pela fácil contestação desses predicados em quem é tido como autoridade que, ao contrário do respeito, impõe-se pelo medo que inspira ante seus subordinados e ante a nação, quando não se mantém nos píncaros da hierarquia por uma questão de mero prazo a ser cumprido em face do que o ordenamento jurídico estabelece. E assim vão mantendo-se presidentes, ministros, diretores, governadores, secretários, prefeitos, vereadores, conselheiros, deputados, senadores, promotores, juízes e os diversos membros gestores da coisa pública.

Há um colossal desgaste das instituições nacionais pelo relevante nível de comprometimento com descasos e desmandos a que suas autoridades têm dado vazo, terminando por comprometer, no mais das vezes, instituições inteiras. São improbidades que se mostram à sociedade pela desonestidade, parcialidade, má fé, abuso, corrupção, incompetência, desrespeito à lei, falta de compostura, imoralidade, conluio. Decerto não existe instituição alguma na Pátria que escape a tal avaliação, devido ao número de comprovada e latente amostragem a olhos vista.

E por que as Forças Armadas teriam a confiança da população?

Manipulada pelos chamados intervencionistas, uma pequena parcela da população passa a crer que não existam políticos honestos. Um setor da burguesia servido por ultradireitistas tenta mobilizar pessoas pouco esclarecidas no sentimento de que vêm sendo constantemente roubadas pelos sucessivos governos civis, desde 1985 (Sarney, Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma), o que não deixa de ser verdade; entretanto omitem o quão corruptas são as Forças Armadas e o tanto de desmandos que foram por elas cometidos na Ditadura Militar, conforme já tivemos a oportunidade de demonstrar em outros artigos aqui já publicados.

É uma visão equivocada que busca arrastar os descrentes, quando, em verdade, inúmeros políticos têm demonstrado probidade, atuando de forma positivamente exemplar no exercício do mandato. Os intervencionistas valem-se da campanha, muitas vezes difamatória, contra homens públicos civis, para construir uma narrativa falsa que calque na opinião pública a demonização da política e a ideia de que, por não serem políticos, os militares fariam uma boa gestão com um governo apolítico. Acontece que, pelo simples fato de passarem a comandar o País, o farão politicamente, ou seja, praticarão uma política militarista do jeito que o fizeram na época da Ditadura – uma política antidemocrática, desvirtuando o Estado de Direito.

Os intervencionistas têm índole terrorista e neofascista e agem incoerentemente. Ao criticar a corrupção que existia nos governos civis, não citam que José Sarney prosperou graças aos favores que recebeu do regime militar, tornando-se prestigiado pela caserna; ele assumiu o mandato de Presidente da República em razão da retaguarda de apoio dada por todos os generais daquela época. Também não revelam que Fernando Collor de Mello, antes de ser eleito Presidente, foi nomeado (esse é o termo correto para uma fase de nossa história em que a eleição direta era proibida) Prefeito de Maceió-AL por escolha do general Ernesto Geisel e, posteriormente, Governador de Alagoas por opção do general João Baptista de Oliveira Figueiredo, tendo exercido mandato de Deputado Federal pelo partido da base dos governos militares.

Os intervencionistas servem-se da alienação de parte do povo que desconhece nossa história contemporânea. Assim, vendem a imagem de que só as Forças Armadas têm autoridade ante os brasileiros. No afã de convencer os militares a dar um golpe de Estado, realizam concentrações esparsas de pessoas, enchem a Internet de fake news, com o intuito de cativar alguns generais saudosistas das mordomias que recebiam durante o período de arbítrio e para assanhar-lhes a sede de poder.

No Governo Bolsonaro, procuram introjetar o pensamento de que é necessário um autogolpe do Presidente a fim de militarizar a política brasileira, no entanto não atingem o âmago dos comandantes militares a ponto de sensibilizá-los a uma intervenção ou a um respaldo golpista, em que pese os desejos externados pelo atual governante da Nação. Aos argumentos intervencionistas, grande número de militares preferiu engajar-se na campanha eleitoral de extrema-direita da dupla capitão Bolsonaro/general Mourão, na expectativa de que, eleita, ela concretizasse o ideário da Escola Superior de Guerra e do Clube Militar.

Hoje, a cúpula das FFAA nega-se a prestigiar um autogolpe por não ver motivações suficientes para tanto, além de estar arredia a um conluio com um Presidente desgastado pelo comprometimento com a milícia paramilitar do Rio de Janeiro e com a corrupção.

Cruzeiro-DF, 17 de outubro de 2020

SALIN SIDDARTHA

------------

Este artigo foi publicado originariamente neste domingo (18/10) no site PorBrasília.