Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 28 de fevereiro de 2021

A OUTRA DIVISÃO DO BRASILEIRO DE 2021 — CONVERSA COM TELENTINO

Sábado, 27 de fevereiro de 2021

Conversa com Tolentino*

A OUTRA DIVISÃO DO BRASILEIRO DE 2021

Você imagina um atleta da Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro levantando, representando todo o elenco, a Taça Jules Rimet?

Pois foi Bellini, então atleta do Vasco da Gama, quem ergueu, em 1958, a taça da primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil.

Bellini estava muito bem acompanhado. Integraram também a seleção campeã o quarto zagueiro Orlando e ninguém menos que Vavá, o goleador do escrete campeão, ambos jogadores vinculados ao Vasco.

No mesmo time estava um grupo de inesquecíveis atletas do Botafogo. Como o gênio Didi, o inventor da "folha seca". Nilton Santos, o melhor lateral da Copa. E um dos maiores craques da história do futebol brasileiro, Garrincha, o "anjo das pernas tortas". Além de Zagallo, o incansável ponta esquerda, tão genial que, de atleta, viria a se tornar o técnico da seleção tricampeã de 1970. 

Na Copa de 1962, com a lesão de Pelé antes da segunda partida, o fator decisivo foi o botafoguense Garrincha. Ao seu lado, o mundo se admirou com o substituto de Pelé, Amarildo, o "Possesso", também atleta do mesmo Botafogo, ora na Segunda Divisão. 

Imagine desfilando também nos gramados da Série B os vascaínos Brito e Fontana, uma defesa capaz de impor respeito a qualquer adversário na campanha vitoriosa do México, em 1970. Por sinal, a primeira a ter transmissão direta pela televisão. 

O suficiente para os brasileiros se embevecerem com a técnica admirável de Piazza ou os chutes mortais do lateral Nelinho, capazes de fazer tremer os arqueiros quando cobrava uma falta. E ainda Tostão, que desequilibrava qualquer partida, apoiando o ataque. Três memoráveis craques do Cruzeiro, que agora permanece na Segunda Divisão. 

Brilharia também nesse escrete o talento de Gerson, com uma visão de campo e uma perfeição de lançamentos que podiam decidir uma partida. Assim como a técnica apurada de Paulo César, o rebelde ponta esquerda que surpreendia como armador, confundindo os adversários nas trocas de posição com Rivelino. E o grupo da Estrela Solitária, agora na Série B, era completado pelo rompedor Jairzinho, o artilheiro da seleção tricampeã.

Não seria diferente no selecionado que conquistou o tetra mundial em 1994, em que brilharam o zagueiro central Ricardo Rocha, do Vasco, e o jovem Ronaldo, o centro avante cruzeirense que viria a se tornar o maior goleador brasileiro em copas do mundo.

Pois imagine uma Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro com os times desses craques. O Vitória, o mesmo que revelou Vampeta, Dida, David Luiz, o lateral esquerdo Júnior, Hulk e Bebeto, entre tantos outros. O Guarani, duas vezes campeão nacional e de onde saíram Careca, Mauro Silva e Elano.

Mais o Coritiba (também ex-campeão brasileiro), Goiás, Náutico, Guarani, Ponte Preta, Avaí e CSA, que superou vários desses na edição deste ano.

Não vai ser fácil uma rede de TV deixar de cobrir os jogos desses times só porque a competição é apelidada de Segunda Divisão. No máximo, vai poder chamá-la de "a outra", pois nem pode se referir como divisão inferior, de baixo ou qualquer outra manifestação de menosprezo.

Fernando Tolentino

(Na foto, Bellini ergue a taça de campeão, em 1958, após recebê-la das mãos do rei Gustavo)

*Fernando Tolentino é Administrador e Jornalista. Este texto foi publicado originariamente no Facebook do autor.