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(Millôr Fernandes)

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Multipolaridade, cada vez mais próxima, altera as relações internacionais

Sábado, 24 de fevereiro de 2024

Artigo publicado originalmente no Pátria Latina

Pedro Augusto Pinho*

Em menos de 40 anos a globalização está em acentuado declínio e seu fim já se vislumbra quer na guerra da OTAN contra Rússia, quer no oeste da África, até recentemente francofônico, quer no Oriente Médio e no novo mundo euroasiático.

Recordemos a avassaladora destruição do socialismo e dos Estados Nacionais iniciada na década de 1980. Parecia que as finanças, após lutarem desde o início do século para retomar seu poder, vigente desde o empoderamento britânico no mundo capitalista, o recuperavam.

Porém havia muito de ignorância, de desinformação, pelo controle das mídias e das novas formas de alcançar as populações, com a comunicação digital. Começa nas duas últimas décadas do século XX a invasão dos aparelhos celulares, cada vez mais possantes e acessíveis. O fim da União Soviética, que já nem era mais dos “sovietes”, deveu-se mais à própria governança burocratizada do que a montanha de dinheiro despejada em dirigentes comunistas.

Porém o mundo governado, nas principais praças financeiras, por representantes da banca fazia crer que era novo momento, global, irrefreável e de retrocesso impossível, e trazia a liberdade da ideologia neoliberal e a democracia do poder do mercado. Quantas falácias!!

Os três primeiros lustros foram das denominadas crises, ou seja, das transferências de recursos públicos, dos tesouros nacionais, para o sistema financeiro, para a banca, que multiplica seus “paraísos fiscais” para mais facilmente e sem regras administrá-los.

Recordando

(a) Crise de 19 de outubro de 1987, quando a Bolsa de New York despenca e os ativos são depreciados em 22,6%. Também provoca e incentiva as privatizações, onde o esforço de décadas das nações é transferido por valores sempre ínfimos para capitais financeiros privados.

(b) Crise de 1990, da denominada Bolha imobiliária japonesa.

(c) Crise de 1992, do Sistema Monetário Europeu.

(d) Crise de 1994, apelidado de “El Horror de Diciembre”, no México.

(e) Crise de 1997, dos Gigantes Asiáticos, devastando as economias do florescente sudeste da Ásia.

(f) Crise de 1998, nas Finanças da Rússia. Um empurrão no caminho do neoliberalismo de uma economia, não totalmente, mas bastante estatizada.

(g) Crise de 1999, a contribuição brasileira devida à reeleição de Fernando Henrique Cardoso.

(h) Crise de 2000, do Ponto com ou da Bolha da Internet. Mais uma contribuição estadunidense, para o indispensável controle das empresas de informática pelo capital financeiro.

(i) Crise de 2001-2002, “A crise argentina”, resultado do nefasto decenato, 1989 a 1999, de Carlos Saúl Menem, que dolarizou e privatizou a Argentina. O que parece se repetir com o recém-eleito Javier Gerardo Milei.

Após estes 15 anos de saque, as finanças estariam em condições de governança, se tivessem objetivos produtivos, o que não era nem é o caso.

Mas pouco restava para sugar das economias que mantinham a industrialização e o desenvolvimento tecnológico como meta. Também os capitais marginais, das drogas, da prostituição, dos contrabandos de bens e pessoas, de crimes e corrupções, haviam testado, ainda na década de 1990, este sistema financeiro e nele colocado seus ganhos, para render ainda mais.

Havia uma diferença entre os capitais tradicionais e os marginais. Os primeiros estavam fortemente aplicados em bens fundiários, suas origens, e não tinham muita liquidez. Já os marginais só transacionavam à vista, eram muito líquidos, monetariamente. E deste confronto nas políticas dos então denominados “gestores de ativos”, surge a crise de 2008-2010, que, além de sugar os cofres públicos, principalmente dos países do Atlântico Norte, também coloca em confronto os “tradicionais” com os “marginais” recursos financeiros. Esta disputa ainda não se resolveu.

Desde o início do século XXI, a expansão do capitalismo financeiro necessitou de guerras. E se as guerras geram lucros bastantes concentrados, geram também prejuízos e misérias bem mais ampliados, generalizados.

O SÉCULO XXI NA ÓTICA FINANCEIRA

As finanças, hospedadas em paraísos fiscais, que se elevavam, em 2012, a 84, partindo das nove, em 1979, só tinham a captação como recurso além das crises que provocavam. E faltavam lastros reais, verdadeiros, para suportar seus lançamentos de fundos e para venda de títulos financeiros.

Desse modo, resgates volumosos eram sempre riscos que os gestores de ativos corriam. Os que acompanham os grandes movimentos de capital observaram que alguns negócios bilionários deixaram de se concretizar. Não por falta de recursos da parte compradora, mas pelo aconselhamento dos gestores da crise que poderia fazê-los naufragar.

Paralelamente ao desmedido enriquecimento, que faz empresa privada ter planos de ficção científica de dominar o espaço cósmico, a miséria campeia pelo fechamento de indústrias e aumento do desemprego na Europa e nos EUA.

A situação se agrava com a guerra contra a Rússia, travada na Ucrânia, onde a derrota militar nem é o principal resultado. A Europa vê que os governos neoliberais levaram o continente, que se considerava rico e culto, a vasculhar o lixo, fazer greves, incendiar veículos e apedrejar prédios públicos.

Enquanto surge um multiforme “sul global”, de raças e religiões diferentes, de governos totalitários e democráticos tendo o sistema financeiro apátrida como inimigo comum a uni-los.

A situação piora ainda mais, quando um governo genocida, no enclave articulado pela Grã-Bretanha para provocar os países árabes, apoiado pelos EUA, resolve massacrar o povo palestino. É verdadeira guerra étnica cujo conhecimento une as nações contra Israel.

O mundo de países empobrecidos, onde se morre de fome, ao lado de uma dúzia de trilionários de gastos suntuosos, é um mundo de revoltas. E o que melhor as retrata são as mudanças nas antigas colônias francesas, ao sul do Sahel, na parte ocidental africana. Não é apenas a mudança de governantes, é o aprofundamento das independências declarando ser língua oficial os idiomas africanos, como o fizera na Tanzânia, em 1964, o Prêmio Lenine da Paz, Julius Kambarage Nyerere.

Também, no Mali, no Níger, em Burkina Faso, se desenvolve novo modelo de governança que, influenciado pelas condições locais, pode resultar em novas experiências políticas. Que irão se somar às nações que vem lutando pela multipolaridade.

As finanças foram novamente derrotadas. Precisam se convencer desta realidade ou levarão o mundo a destruição.

O modelo apresentado pela China já tem adesão de 150 países. Atualiza o sistema que levou a Europa ao capitalismo há 600 anos: a rota da seda. Agora denominada Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) que não obriga aos Estados Nacionais abrirem mão de parcela de suas soberanias, pois se volta para relações comerciais de dois ou poucos países. Mesmo os BRICS e muito mais organismos como as Nações Unidas, necessitam que todos participantes tenham um conjunto de políticas comuns. Na ICR apenas o interesse na troca aproxima os signatários. O país “x” tem sobra do que o país “y” deseja. Acertam-se os valores e estão satisfeitas ambas necessidades.

No caso de obra de infraestrutura, que atenda dois ou três países, estes serão consultados sobre o projeto, o financiamento e a administração do recurso e firmarão o contrato entre eles.

Não é um sonho, a Ásia e parte oriental da Europa já aproveitam esta nova maneira de relações internacionais.

A unipolaridade neoliberal financeira tem seus dias contados. É necessário que aceite esta derrota pois a guerra destruirá todos.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.