Sexta, 31 de janeiro de 202
Roberto Amaral*
A crise política — anunciante do que virá – exige da esquerda brasileira o engenho e a arte que lhe têm faltado: compreender as circunstâncias e o caráter do governo Lula e, nele e em face dele, identificar seu papel e arrecadar os elementos de que carece para agir. Procuramos compreender a realidade para modificá-la, o que exige reflexão, um olhar histórico e um simultâneo comprometimento com o futuro em construção.
Carecemos de uma esquerda preparada para rever objetivos e corrigir paradigmas, despida de partis pris, ousada o suficiente para reavaliar certezas e axiomas, sempre em benefício do processo revolucionário real. Processo que, exatamente por não abdicar das utopias fundadoras, mantém-se atento ao mundo objetivo e suas circunstâncias — não como ditadura da história, mas como fenômeno; não como esfinge, mas como solução.
Só assim a esquerda poderá superar o torpor e a estéril expectativa histórica (lamentável quadro atual), e partir para a ação; águas paradas não movem moinho. A ordem, com sus margens plácidas, é o refúgio do atraso, o velho que se disfarça no aparentemente novo e vivo, o velho fascismo que ressurge abraçado às fantasias do neoliberalismo e do individualismo — base da democracia autocrática, oximoro léxico e político, modelo da ordem trumpista recém-instalada, prenúncio de uma nova fase do imperialismo em busca do controle planetário.
O realismo político, a leitura do real, não implica conversão ao “império das circunstâncias”, mas, por reconhecê-lo, compromete-se a conhecer e construir as condições objetivas para sua superação. Assim, ao sustentar o governo cuja eleição ajudou a viabilizar, a esquerda torna-se agente do processo social. E a esquerda é movimento.