Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
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domingo, 30 de março de 2025

Star Trek, seriado comunista?

Domingo, 30 de março de 2025

Produzido quando EUA arrasavam o Vietnã, programa sugere o oposto, no século XXIV. Tripulação é anti-imperialista; zomba dos burgueses e do individualismo. Em seu planeta, a Terra, reinam a abundância e uma sociedade sem classes

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Por Yanis Varoufakis | Tradução: Antonio Martins

Em 9 de fevereiro de 1967, horas depois de a Força Aérea dos EUA arrasar o Porto de Haiphong e várias bases aéreas vietnamitas, a NBC exibiu um episódio de Star Trek com um conceito que colidia brutalmente com o que acabara de acontecer no Vietnã: a Diretriz Primeira – uma proibição geral a seus capitães de nave estelar de usar tecnologia superior (militar ou não) para interferir em qualquer comunidade, povo ou espécie senciente, mesmo que a não-interferência custasse suas próprias vidas.

Ao transformar uma ideologia tão radicalmente anti-imperialista na regra cardinal da fictícia Federação Unida de Planetas – que o público norte-americano via como uma extensão lógica dos EUA –, não seria surpresa se o presidente Lyndon B. Johnson ou o Pentágono tivessem exigido o cancelamento imediato de Star Trek. Felizmente, não o fizeram. E assim, ao longo dos 939 episódios (em 12 séries diferentes) que se seguiram, a Diretriz Primeira permitiu que roteiristas e diretores explorassem suas repercussões políticas e filosóficas, incluindo conflitos éticos que levaram a suas frequentes violações, mas nunca a sua revogação.

Também permitiu outra inferência: essa Federação futurista jamais teria amadurecido o suficiente para adotar a Diretriz Primeira anti-imperialista antes que uma versão humanista do comunismo fosse estabelecida na Terra!

O comunismo libertário de Star Trekcontra o coletivismo autoritário

É cristalino que Star Trek retrata uma sociedade comunista, sem jamais nomeá-la como tal. Num episódio de 1988, a USS Enterprise encontra uma nave terrestre enferrujada, com câmaras criogênicas contendo plutocratas humanos que pagaram fortunas para serem congelados e lançados ao espaço, na esperança de que alienígenas os curassem de suas doenças, mortais no século XX.

Após a tripulação da Enterprise descongelá-los e curá-los, um deles, Ralph Offenhouse, um empresário, exige contatar seus banqueiros e escritório de advocacia na Terra. O capitão Jean-Luc Picard não tem escolha a não ser revelar que, nos trezentos anos que se passaram, muita coisa mudou.

 Picard: As pessoas não são mais obcecadas por acumular coisas. Eliminamos a fome, a carência e a necessidade de posses. Saímos da nossa infância.

 Offenhouse: Você não entendeu. Nunca foi sobre posses. É sobre poder.

 Picard: Poder para quê?

 Offenhouse: Para controlar sua vida, seu destino.

 Picard: Esse tipo de controle é uma ilusão.

 Offenhouse: Sério? Então por que estou aqui?

A alusão de Offenhouse ao pendor pela acumulação que sustenta a vontade de poder aponta o motivo pelo qual a Diretriz Primeira é incompatível com o espírito do capitalismo: enquanto a acumulação, alimentando a expansão dos mercados, for a força motriz e ideologia de nossa sociedade, o imperialismo será inevitável.

Para escapar disso, a humanidade deve primeiro eliminar a escassez de bens materiais – eliminação que, na Federação Unida de Planetas, foi alcançada graças à invenção e disseminação dos replicadores: máquinas que convertem energia verde abundante em qualquer forma de matéria desejada, de comida a gadgets a naves espaciais.

Esta não é exatamente uma ideia nova. Em 350 a.C., Aristóteles já previra que “…se cada instrumento pudesse realizar seu trabalho por si, obedecendo ou antecipando a vontade alheia, como as estátuas de Dédalo ou os trípodes de Hefesto que, diz o poeta, ‘por vontade própria entraram na assembleia dos Deuses’; se, da mesma forma, a lançadeira tecesse e o plectro tocasse a lira sem mãos que os guiassem, os mestres não precisariam de servos, nem os senhores de escravos.”

Ele próprio um ávido aristotélico, Karl Marx baseou sua visão de uma sociedade comunista libertadora – onde tanto o Estado quanto o mercado definham – em máquinas como os replicadores de Star Trek, que nos libertam do trabalho não-criativo, esmagador da alma.

Em um de seus escritos iniciais, ele imagina o que se seguiria à invenção de tais máquinas:
“Na sociedade comunista, onde ninguém está confinado a uma única esfera de atividade, mas pode se dedicar ao campo que desejar, a sociedade regula a produção total, e assim posso caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite e analisar teatro após o jantar – sem precisar ser caçador, pescador, pastor ou crítico.” [A Ideologia Alemã, 1845]

quinta-feira, 6 de março de 2014

Žižek: O que é um autêntico evento político?

Quinta, 6 de março de 2014
17.02.14_SZizek_O que é um autêntico evento político 

   Em dezembro de 2013 visitei Julian Assange na embaixada equatoriana localizada logo atrás da loja Harrods em Londres. Foi uma experiência um tanto deprimente, apesar da gentileza do pessoal da embaixada. A embaixada é um apartamento de seis cômodos sem jardim anexo, de forma que Assange não pode nem dar uma andada diária ao ar livre. Ele também não pode pisar para fora do apartamento, ao corredor principal da casa – policiais esperam por ele lá. Algo como uma dúzia deles estão o tempo todo em torno da casa e em alguns dos prédios circundantes, um deles inclusive debaixo de uma pequena janela de banheiro que dá para o jardim dos fundos, caso Assange tente escapar por aquele buraco na parede. O apartamento é grampeado de cima a baixo, sua ligação de internet é suspeitosamente lenta… então como assim o Estado britânico decidiu empregar em torno de 50 pessoas em tempo integral para vigiar Assange e controlá-lo sob o pretexto legal de que ele se recusa a ir à Suécia para ser questionado sobre uma má conduta sexual leve (não há acusações legais contra ele!)? É tentador se tornar um thatcherita e perguntar: onde está a política de austeridade aqui? Se um ninguém como eu fosse procurado pela polícia sueca para uma interrogação semelhante o Reino Unido também empregaria 50 pessoas para me vigiar? A pergunta séria está aqui: de onde brota tal desejo ridiculamente excessivo de vingança? O que Assange, seus colegas e fontes denunciantes fizeram para merecer isso?

14.02.14_Zizek_O que é um autêntico evento político_embaixada_assange
Jacques Lacan propôs como axioma da ética da psicanálise: “Não cedas de teu desejo”. Não seria esse axioma uma designação precisa dos atos dos denunciantes? A despeito de todos os riscos envolvidos na sua atividade, eles não estão dispostos a ceder – de que? Isso nos traz à noção de evento: Assange e seus colaboradores realizaram um verdadeiro e autêntico evento político – com isso, pode-se facilmente compreender a reação violenta das autoridades. Assange e seus colegas são frequentemente acusados de traidores, mas são algo muito pior (aos olhos das autoridades) – para citar Alenka Zupančič:
“Mesmo se Snowden vendesse suas informações discretamente a outro serviço de inteligência, esse ato ainda contaria como parte dos ‘jogos patrióticos, e se necessário ele seria liquidado como um ‘traidor’. No entanto, no caso de Snowden, estamos lidando com algo inteiramente diferente. Estamos lidando com um gesto que questiona a própria lógica, o próprio status quo, que por um bom tempo vem servindo de único fundamento para toda a (não)política ‘ocidental’. Com um gesto que, digamos, põe tudo a perder, sem nenhuma consideração por lucro e sem seus próprios interesses em jogo: assume-se o risco porque baseia-se na conclusão de que o que está acontecendo é simplesmente errado. Snowden não propôs nenhuma alternativa. Snowden, ou melhor, a lógica de seu gesto, assim como, digamos, o gesto de Bradley Manning – é a alternativa.”

Essa descoberta fundamental do WikiLeaks está lindamente sintetizada na auto-designação irônica de Assange como um “espião para o povo”: “espiar para o povo” não é uma negação direta da espionagem (o que seria antes agir como um agente duplo, vendendo nossos segredos para o inimigo) mas sua auto-negação, isto é, ele mina o próprio princípio universal da espionagem, o principio do sigilo, já que seu objetivo é tornar segredos públicos. Funciona portanto de forma semelhante à forma pela qual a “ditadura do proletariado” marxiana deveria ter funcionado (mas raramente o fez, é claro): como uma auto-negação iminente do próprio princípio de ditadura. Àqueles que continuam pintando o espantalho do comunismo devemos responder: o que o WikiLeaks está fazendo é a prática do comunismo. O WikiLeaks simplesmente realiza o bem comum na informação.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

"Brasil, um país de todos"

Segunda, 25 de novembro de 2013
Por Gilvan Rocha
           Em uma das propagandas do então governo Lula estava dito: “Brasil, país de todos”. Trata-se de um discurso secular. A burguesia planta em nossas cabeças que o país é de todos e que devemos nos empenhar em defendê-lo. Como pode o Brasil ser um país de todos, quando as terras, as fábricas, as minas, os bancos, o comércio pertencem a um punhado de pessoas? Quanto ao povão, só resta a força de trabalho para vendê-la a baixos preços, em troca de salários, isso quando consegue ter emprego.
            O discurso burguês não passa de uma deslavada mentira e dele tiram proveito os verdadeiros donos do Brasil. Tal discurso deveria ser denunciado pela esquerda. Falta-nos, porém, uma esquerda de verdade. O que temos, é uma esquerda desfigurada pelos anos de dominação do stalinismo. É essa esquerda direitosa, que dá sustentação ao sistema capitalista.
            No Brasil, como no mundo, a burguesia voa, politicamente, em céus de brigadeiro. Aqui, certa esquerda, gerencia, com excelentes resultados, o capitalismo. Com o Bolsa Família administra a miséria, atenuando seus aspectos mais agudos. Através do sindicalismo chapa branca controla os trabalhadores insatisfeitos.  Enquanto isso, a grande burguesia, especialmente os banqueiros, retiram lucros nunca dantes imaginados. Essa é a nossa realidade e ela reserva para os ricos a parte do leão. Enquanto isso o mundo, incluindo o “Brasil de todos”, caminha para a tragédia total dado o caráter destruidor de um capitalismo esgotado, cuja permanência deve-se à indiscutível competência dos seus políticos e ao papel que jogam, ontem e hoje, os nacionais-reformistas, como linha auxiliar do próprio sistema.
            Só existe, portanto, uma saída, a construção de uma outra esquerda, de uma esquerda claramente anticapitalista e desfeita dos equívocos e vícios de inspiração stalinista. Uma outra esquerda que denuncie as falcatruas burguesas que nos impingem essa lorota de “Brasil, um país de todos”, quando sabemos que aos ricos cabem os favores e aos pobres os sacrifícios mais desumanos. Pobres, quando roubam, vão para a cadeia e os ricos lhes são dados até os “embargos infringentes”.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Comunismo: um gigantesco processo de emancipação ainda longe de concluído

Quarta, 20 de fevereiro de 2013

por Domenico Losurdo [*]

Continuo a julgar correcta a visão da ideologia alemã, segundo a qual o comunismo é sobretudo "o movimento real que abole o actual estado de coisas". Observemos as mutações que se verificaram no mundo a partir da primeira revolução que se reclamou de Marx e Engels. Antes de Outubro de 1917 não havia democracia, mesmo no Ocidente: era o reino das três grandes discriminações para com as mulheres, as classes subalternas, os povos coloniais e de origem colonial. 

Com Fevereiro e Outubro de 1917, a Rússia revolucionária reconheceu às mulheres direitos políticos e activos e passivos. A República de Weimar (nascida da revolução que explodiu na Alemanha um ano após a revolução de Outubro) tomou o mesmo caminho, seguido pelos Estados Unidos. É certo que na Itália, Alemanha, Áustria e Inglaterra o sufrágio universal (masculino) estava mais ou menos afirmado, mas ficava neutralizado por uma Câmara alta que permanecia o apanágio da nobreza e da grande burguesia. 
 
A discriminação racial apresentava-se sob uma forma dupla: considerados como indignos de se constituírem como Estado nacional independente, os povos coloniais eram submetidos à dominação absoluta das grandes potências. Num país como os EUA, os afro-americanos eram excluídos dos direitos políticos (e por vezes mesmo dos direitos cívicos). A ultrapassagem da discriminação racial sob estes dois aspectos não pode ser pensada sem o capítulo da história aberto por Outubro de 1917. O papel desempenhado pelos Partidos Comunistas nas revoluções anti-coloniais é notável. E no que se refere aos Estados Unidos? Em Dezembro de 1952, o ministro da Justiça enviava o Tribunal Supremo, ocupada a discutir a questão da integração nas escolas públicas, uma carta eloquente: "A discriminação racial leva a água ao moinho da propaganda comunista". O desafio comunista desempenhou um papel essencial igualmente na ultrapassagem do regime da supremacia branca.

Os direitos sociais e económicos fazem parte da democracia tal como a esquerda a entende. E foi este patriarca do neoliberalismo, Hayek, que denunciou o facto de que a teorização e a presença no Ocidente destes direitos remetiam à influência, por ele considerada nefasta, da "revolução marxista russa".

Compreende-se portanto que, à atenuação do desafio comunista, corresponda no Ocidente uma restauração. Não se trata só do desmantelamento do Estado social. O peso da riqueza é tão forte que, mesmo nas colunas do New York Times, podem-se ler denúncias considerando que o regime em vigor nos Estados Unidos assemelha-se mais a uma "plutocracia" do que à democracia. A contra-revolução é evidente igualmente nos caso do colonialismo, reavaliada pelo teórico da "sociedade aberta", Karl Popper: "Nós libertámos estes Estados (as antigas colónias) muito apressadamente e de modo demasiado simplista".

Vejamos, em sentido contrário, o que se passa num país continente que ficou sob a direcção do Partido Comunista. Pondo fim à catástrofe provocada pelas guerras do ópio e a agressão colonialista, a China devolveu a centenas de milhões de pessoas o primeiro dos direitos do homem, a saber, o direito à vida. O Estado social começa aqui a dar os seus primeiros passos, ao passo que doravante ele é renegado no Ocidente, inclusive no plano teórico.

Mas isto não é tudo: ao reduzir rapidamente seu atraso tecnológico em relação aos países capitalistas mais avançados, a China põe fim à "era de Colombo", que havia começado com a descoberta-conquista da América e que viu o Ocidente sujeitar o planeta inteiro. Vêem-se criar as condições para frustrar as tentações colonialistas e democratizar as relações internacionais. O declínio da doutrina Monroe, à qual a revolução cubana infligiu pela primeira vez um golpe severo, está lá para confirmar.

Como acontecer muitas vezes com revoluções, aquela principiada há aproximadamente um século seguiu um percurso completamente imprevisto. Estamos em todo caso na presença de um gigantesco processo de emancipação que está bem longe de ter chegado à sua conclusão.
[*] Filósofo, professor da Universidade de Urbino, Itália.


O original encontra-se em www.humanite.fr/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, 23 de maio de 2012

PCdoB: a falsificação da história dos comunistas brasileiros

Quarta, 23 de maio de 2012
Da Tribuna da Internet
 
Por Anita Leocadia Prestes
O movimento revolucionário mundial socialista e comunista conviveu, desde o século XIX, com correntes reformistas de diferentes tipos. Os pais fundadores do marxismo – Marx, Engels, Lenin –, assim como teóricos do comunismo e dirigentes revolucionários da estatura de A. Gramsci e R. Luxemburgo, tiveram que levar adiante uma luta sem tréguas contra os reformistas do seu tempo.

Os reformistas precisaram justificar sempre a adoção de políticas de conciliação de classes, ou seja, de políticas baseadas em concessões às classes dominantes e no abandono dos objetivos revolucionários do proletariado e dos seus aliados; políticas de caráter evolucionista, marcadas pela negação do momento revolucionário, indispensável, segundo os marxistas, para a conquista do poder político pelos trabalhadores, única maneira efetiva de realizar as transformações revolucionárias necessárias para a construção de uma nova sociedade, livre da exploração do homem pelo homem.

Nesse esforço de justificação, os reformistas precisaram e ainda precisam recorrer à falsificação da História, inclusive da História do movimento operário e revolucionário, em busca de argumentos que contribuam para a aceitação de suas posições por amplos setores sociais, argumentos de prestígio, que sirvam de aval para sua atuação política.

A postura atual do PCdoB constitui exemplo edificante de semelhante tentativa de avalizar sua política atual recorrendo à falsificação da História dos comunistas brasileiros. Na medida em que o PCdoB passou a trilhar o caminho reformista da chegada ao poder sem revolução, tornou-se natural sua adesão às escolhas feitas por Lula e a direção do PT, na virada do século XX para o XXI, e agora mantidas por Dilma.

Foram escolhas reveladoras da capitulação de Lula e da direção do PT diante dos interesses do grande capital internacionalizado, em especial, do capital financeiro, ou seja, dos banqueiros internacionais. Tal capitulação ocorreu após três tentativas frustradas de alcançar o poder, nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998. Para conquistar a presidência, em 2002, foi escolhido o caminho mais seguro:

O governo do PT, sem coragem de afrontar os interesses constituídos, sem nenhuma disposição para arriscar uma mudança na postura do Estado que o tornasse capaz de enfrentar os problemas experimentados pelo país, escolheu a reafirmação da lógica perversa que já estava em curso e a entrega total do Brasil às exigências da acumulação privada. [1]

Da mesma maneira que nos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, nos Governos Lula e Dilma o capital financeiro permanece hegemônico, embora esteja em curso uma reforma do neoliberalismo, voltada para a construção de uma “nova versão do modelo capitalista neoliberal”[2].

A adesão por parte do PCdoB a semelhante política de reforma do capitalismo o conduziu à tentativa de buscar no passado heróico dos comunistas brasileiros – embora eivado de erros provocados pela presença de falsas concepções – o aval para seu comportamento político atual. Tirando proveito do jubileu de 90 anos da fundação do Partido Comunista no Brasil, os atuais dirigentes do PCdoB divulgam uma versão falsificada da História desse partido. Distorcendo a realidade, apresentam a História do PC como uma sucessão retilínea de êxitos, cujo apogeu seria a política atual do PCdoB. Ao mesmo tempo, silenciam sobre as teses oriundas de uma falsa concepção nacional-libertadora da revolução brasileira, responsável pelas ilusões nas possibilidades de um “capitalismo autônomo”, cujo corolário foi o abandono, na prática, da luta pela revolução socialista no Brasil, concepção que esteve presente tanto na história do antigo PCB quanto na de quase todos os seus “filhotes”, inclusive o PCdoB.

São distorcidos os fatos relacionados com a cisão de 1962, quando um grupo de dirigentes do antigo PCB, discordando das posições políticas aprovadas no seu V Congresso (1960), usou o pretexto da mudança do nome do partido com vistas ao seu registro eleitoral, para criar outro partido – o PCdoB. Partido este que, durante várias décadas, combateu com violência o PCB e o seu ex-secretário-geral Luiz Carlos Prestes. Partido este que, durante toda a década de 1980, foi insistentemente criticado por Prestes pela postura oportunista de entendimentos espúrios com os governantes para alcançar o registro eleitoral e de apoio à candidatura de Tancredo Neves nas eleições indiretas de 1985 e, em seguida, de apoio ao governo de José Sarney. Segundo Prestes, tratava-se do abandono de todo compromisso com os interesses dos trabalhadores e com os ideais de verdadeiras transformações socialistas em nosso país.

É este partido, o PCdoB, que trata hoje de apropriar-se indevidamente do legado de Prestes para, tirando proveito do prestígio do Cavaleiro da Esperança, justificar-se perante amplos setores populares. Tal falsificação deve ser denunciada, pois a permanência de uma versão distorcida da trajetória dos comunistas brasileiros, difundida por um partido que se apresenta como comunista e fala em nome do socialismo, serve aos desígnios dos inimigos da emancipação social dos trabalhadores brasileiros, contribui para a manutenção da exploração capitalista em nossa terra, dificultando o caminho efetivo da construção de uma sociedade socialista no Brasil.

[1] PAULANI, Leda Maria. Quando o medo vence a esperança (um balanço da política econômica do primeiro ano do governo Lula). Crítica Marxista, n. 19, outubro de 2004, p. 23.

[2] BOITO, Armando. O Governo Lula e a reforma do neoliberalismo. Revista da Adusp, maio de 2005. (www.cecac.org.br)