Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Das coisas estranhas

Quarta, 27 de julho de 2011
Por Ivan de Carvalho

Há coisas aparentemente inexplicáveis ou estranhas. Talvez cavando fundo, pesquisando, estudando, elas acabem se tornando explicáveis ou perdendo a configuração estranha. Mas isso leva tempo. Quem estiver pensando que vou escrever sobre o quase certamente fajuto disco voador de Embu das Artes, errou.

    Estranha, muito estranha, é por exemplo a quase invisível reação, o ensurdecedor silêncio do imenso segmento cristão da população brasileira – incluindo as instituições cristãs – à diatribe do ex-presidente Lula, alvejando as várias coisas que Jesus Cristo disse sobre os pobres. Parecem quase todos dispostos a deixar Jesus responder sozinho.
 
Como se recorda, Lula afirmou a um auditório de cerca de mil pequenos agricultores e com ampla cobertura midiática, que “inventaram” essas coisas que os Evangelhos atribuem, na Bíblia, a Jesus, sobre os pobres. Bem, mudemos de assunto, creio que já fiz a minha parte, é a segunda vez que abordo o tema. Se houver necessidade, faço mais.
 
Uma das coisas em curso no Brasil, mais inexplicáveis a curtíssimo prazo, é a declarada disposição do governo federal de fazer uma completa faxina no Ministério dos Transportes, inclusive do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, DNIT, que conforme Jorge Hagge, o correto ministro da Controladoria Geral da República (órgão do Executivo), “tem o DNA da corrupção”.
 
    Ora, faxina rigorosa no Ministério dos Transportes, determinada pela presidente Dilma Rousseff e executada não com muita, mas com aceitável rapidez. Mas já houve recentemente duas faxinas seletivas (porque realmente cabia que fossem seletivas) na Casa Civil da Presidência da República. Uma delas, ainda no final do governo Lula, pôs para fora da Casa a então ministra-chefe e ex-secretária executiva (para ambos os cargos escolhida por Dilma Rousseff) Erenice Guerra.
 
    Agora, parece que a faxina terá que ser ampliada para a ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Existe a presunção, principalmente depois da reportagem da revista Época sob o título Agência Nacional da Propina, que a presidente vai determinar uma investida dos faxineiros na ANP.
 
    Se dependesse do tucano José Serra, que foi o principal adversário de Dilma nas eleições presidenciais, a presidente mandaria outra e bem disposta turma da faxina à Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, responsável pela licença para uso dos medicamentos no Brasil e também pela vigilância do setor de alimentos, entre outras importantes funções. Daí se pode inferir o imenso poder dessa agência federal.
 
Pois Serra afirmou que quando era ministro da Saúde (a Anvisa é uma agência autônoma, mas tem vinculação com o Ministério da Saúde) os processos de liberação dos medicamentos genéricos demoravam seis meses, do começo ao fim. Esse período passou a “doze e até dezoito meses”, disse Serra na campanha eleitoral, concluindo: “Criam dificuldades para vender facilidades”. Um ataque severo, feito de público, gravado e exibido, com áudio e imagem, por emissoras de televisão e registrado nos jornais. Isso obrigaria o governo a interpelar José Serra, política e judicialmente, para que se explique e, podendo, ofereça prova do que disse.
 
Mas o governo federal fez ouvidos de mercador. Estará com medo de Serra ou talvez convencido que só “o DNIT tem o DNA da corrupção”, que a Anvisa está imune ao contágio, bem como todos os ministérios que não estão sob controle do PR.
 
Fico me perguntando: nessa lambança toda, o PR é a ovelha negra ou o bode expiatório, um bode culpado, mas, ainda assim, apenas um bode expiatório? Ou talvez não seja bode, mas boi de piranha.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.