Quarta, 4 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Os Estados Unidos estão a um passo de
tomar uma decisão final sobre um ataque com mísseis e aviões a alvos militares
na Síria, sob o fundamento de que o governo do ditador Bashar al-Assad usou
armas químicas (no caso o gás sarin) contra bairros de Damasco, a capital do
país. O governo americano assegura ter provas, inclusive laboratoriais, mas
também de comunicações trocadas entre oficiais sírios – além das imagens
conhecidas pelo mundo inteiro – que dão “alto grau de certeza” do uso do gás
pelo governo sírio.
O conjunto das provas e principalmente
as provas ainda reservadas parecem ser consistentes. Dois fatos políticos
importantes levam a esta crença. O presidente Obama, que é democrata e tem
maioria no Senado, obteve do senador republicano John McCain, que foi seu
oponente nas eleições presidenciais, apoio para o ataque aéreo à Síria. Mais
importante ainda é que Obama, em encontro com o líder da oposição na Câmara de
Representantes (onde os democratas são minoritários), conseguiu convencer
(terá, para isso, aberto o conjunto de provas reservadas) o líder republicano,
que representa ali a oposição e deu apoio ao ataque.
Como o Congresso está em recesso até o
dia 9, o mais provável é que o presidente Obama aguarde que o Capitólio volte a
funcionar e decida se endossa ou não sua decisão (que disse já estar tomada,
mas querer dividir com o povo, por meio do Congresso) fazer o ataque.
Trata-se de uma questão difícil. Não
fazer nada, abster-se de agir (mesmo somente com bombardeios a partir de navios
e aviões, numa ação “restrita”, sem invasão por terra, o que na conjuntura
seria uma temeridade além de todos os limites), será, na prática, a anulação do
tratado internacional que proibiu de usar armas químicas em guerras. O uso
proliferaria, podendo-se supor que em seguida também as banidas armas
biológicas passariam a ser usadas e as crises político-militares e humanitárias
se tornariam tão fortes que poderiam dar margem, perdão, pretexto, para alguém
disparar a primeira bomba nuclear, em seguida à qual viriam – as outras.
No entanto, o conjunto de fatores em
jogo na região do chamado Oriente Médio é tão perigoso, tão explosivo, tão
pleno de complicações políticas, militares, econômicas, religiosas e
psicológicas que qualquer marola pode facilmente sofrer mutação para tsunami.
Então, fazer de conta, no que diz
respeito a uma resposta com ação e não apenas discurso, que ninguém viu a
catástrofe humanitária produzida pelo gás sarin do governo Bashar al-Assad,
será um desastre. Será também extremamente perigoso o “ataque limitado” dos
Estados Unidos e França à Síria. Ainda que isto ocorra com o forte estímulo
político, diplomático e verbal do Reino Unido, Turquia, Liga Árabe e menos
indiscretamente da Alemanha.
A
Otan – hoje, por causa do fim da Guerra Fria, que dá todos os sinais de que
está recomeçando – é muito mais uma entidade política que uma organização
militar e não quer assumir a responsabilidade formal, evitando assim desgastes
para alguns governos que a integram e sobretudo evitando desagradar a Rússia. No
Conselho de Segurança da ONU, o assunto nem foi posto, pois eram certos os
vetos da Rússia e China, aliadas do governo sírio.
Havendo
o ataque com mísseis e aviões em escala não tão “restrita” – restrita apenas
aos alvos militares e políticos do governo Bashar al-Assad, mas com intensidade
–, a Síria ficará inerte? Tentará ataques aéreos contra Israel? Diretamente, é
provável que não, embora Israel esteja de prontidão. Mas o que acontecerá no
Líbano, onde a Síria tem forte influência e mania de proprietária? O Hezbollah,
sustentado pela Síria e Irã, domina o sul do Líbano, limítrofe com Israel. O
fustigamento poderá começar aí e, com certeza, partiria também da Faixa de
Gaza, ao sul de Israel, não fosse o Exército egípcio, que hoje comanda o país
dos faraós, detestar o Hamas e querer manter o tratado de paz com Israel.
Mas
como se comportará a Rússia a partir de uma ação militar franco-americana,
mesmo passageira, na aliada Síria? Nem penso a curto, mas a médio e longo
prazos, como isso estimularia a Rússia no caminho que parece já haver
discretamente adotado de preparar-se para uma nova Guerra Fria, que pode acabar
não sendo, como a anterior, fria.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.