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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Porque não se revoga a Lei Áurea

Quinta, 27 de abril de 2017

Da Tribuna da Imprensa Sindical
Por Aderson Bussinger
A lei áurea, editada em 13 de maio de 1889, veio à luz  após uma série de outras legislações como a lei do ventre-livre e outras, limitando a possibilidade de escravização de africanos em terras brasileiras, para os que doravante nascessem aqui, como limitando punitivamente o tráfico negreiro, sob a fiscalização do governo inglês que, inclusive, bombardeava navios negreiros.
Mas o fato foi que, apesar de escasso quando de sua formalização, a escravidão foi realmente abolida juridicamente por este diploma legal. Ocorre que, hoje, na atualidade, ante a  verdadeira  fúria "modernizadora" das relações laborais, no afã de baratear ainda mais a combalida mão de obra brasileira,  convém até perguntar aos "doutores do liberalismo", dentre seus prepostos no governo e congresso nacional, se não seria o caso, então, de revogar não somente a CLT mas a própria lei áurea, retornando o Brasil ao regime de escravidão, que, no mesmo diploma revogatório, poderia, também,quem sabe..., acrescentar que esta escravidão seria estendida aos brancos também, de modo que teríamos então, um aperfeiçoamento do sepulto regime escravocrata reinante no império brasileiro para um moderno, amplo e sobretudo barato sistema de escravidão  atualizado, que, juntamente com as práticas de trabalho escravo já denunciadas pelo MPT, e OIT, bem como o trabalho infantil, poderiam compor o novo regime laboral nacional, calcado na escravidão modernizadora,  ampla e irrestrita, que certamente poderia atrair novos investidores, sobretudo chineses, onde é sabido que vigora um regime de exploração de mão de obra barata e, inclusive, de crianças, em mega-empresas terceirizadas.

Pois bem, faço esta pequena ironia, - mas com um fundo de verdade - para dizer que, a  considerar o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, ontem pela madrugada (sempre de madrugada...), o que irá predominar no Brasil será um regime  totalmente permissivo aos ditames  não do velho escravagista, porque este não mais existe, mas sim favorável e a disposição do empresariado abraçado pelo governo corrupto de Temer, que conseguiu, através da aprovação desta contra-reforma, alterar a principal peça e coluna de sustentação do direito do trabalho, qual seja: o objeto negociado. Com efeito, quando esta lei estiver em vigor, o acordado sobre o legislado passará a ter força de lei  sobre nada mais nada menos que 15 itens da relação de trabalho, dentre os quais, os mais importantes: jornada de trabalho e remuneração. A jornada de trabalho poderá ser ajustada diretamente com o sindicato, apenas respeitando  o limite de 12 horas diárias, mas também diretamente com o empregado, sem a intervenção sindical, o que facilitará em muito a imposição de jornadas extravagantes e destruidoras de organismos humanos, o que - mesmo com a atual legislação protetiva- já vem sendo implementado; Imaginem como ficará a partir de agora? Poderão ser negociados intervalos menores que uma hora para o almoço, uma velha reivindicação patronal, bem como estará autorizada a adoção da jornada intermitente, que significa a prestação de serviços de forma descontínua, em apenas alguns dias ou mesmo horas por semana, com exceção dos aeronautas; Isto significa, na prática, a legalização do "bico", permitindo a maior exploração da mão de obra, com menor custo, a qualquer momento, por breves períodos, conforme o gosto do empregador. A terceirização aprovada também aprofundará a precarização e desproteção, a exemplo do que hoje já ocorre mesmo sem a aprovação deste projeto, pois, mesmo que não possa recontratar o empregado demitido por 18 meses, através de "pessoa jurídica", conforme aprovado, isto não impede que contrate outros trabalhadores, com semelhantes qualificações, para exercerem as mesmas funções dos ex-empregados, com salário menor. É isto, por exemplo, que a empresa EMBRAER S.A, vem fazendo em relação a parte de sua mão de obra, principalmente a mais especializada. Imaginem como agirá agora, com tamanha permissividade concedida pelo projeto ora aprovado ?

A flexibilização para que gestantes e lactantes possam trabalhar em locais insalubres, chega a ser uma provocação, um crime odioso contra o feto que traz na barriga. O parcelamento de férias também facilitará a imposição do que interessar ao empregador, em termos de programação de descansos anuais. Também a possibilidade de dispensas "por comum acordo", somente facilitará e estimulará a chantagem do empregador quando ameaçar demitir "em nada pagar" e, em troca, oferecer a "opção" do distrato acordado, "de comum acordo", o que significa dotar o empregador de uma verdadeira "corda" para enforcar ainda mais o trabalhador em vias de dispensa, pois é sabido o tempo que terá que aguardar para solução de um processo judicial, o que fará, na maioria das vezes, com que aceite a nova "dispensa negociada". Bom para quem demite!!

Enfim, temos um  terrível quadro nas relações trabalhistas, o qual teremos que reverter nos próximo período, através de  muita luta, bem como também recursos jurídicos, enfim, tudo que estiver ao alcance, ainda que cada vez a cúpula do STF, especialmente, demonstre estar totalmente favorável a este descalabro trabalhista, incluindo também o atual presidente do TST.  E para finalizar, quanto à pergunta inicial, sobre o porque não se  revoga a lei áurea, então, passo a  refletir que realmente não é do interesse patronal e do governo golpista editar tal revogação, passado mais de um século, pois, se assim o fizer, terá que minimamente alimentar os novos escravos, conceder  o direito a minimamente novas senzalas, roupa, além de ter que investir em toda uma estrutura policial para prática massiva de açoites aos escravos revoltados com este sistema, que certamente serão milhões, o que não será econômico para os empregadores.  O atual sistema de exploração capitalista, adotado pelo Brasil, com pouca proteção ao trabalhador, é mais barato, convenhamos.

* Aderson Bussinger. Advogado Sindical, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais/UFF, colaborador do site TRIBUNA DA IMPRENSA Sindical. Conselheiro da OAB-RJ (2016/2018), Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, membro Efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros-IAB.