Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 13 de setembro de 2020

A REFORMA ADMINISTRATIVA: QUEM PERDE COM O ENFRAQUECIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?

Domingo, 13 de setembro de 2020
  
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 12 de setembro de 2020

Uma campanha online está causando polêmica nas redes sociais ao pedir o fim dos ‘privilégios’ para deficientes físicos em todo o País./Dentre as reivindicações do grupo, estão a redução em 50% das filas, vagas e assentos exclusivos para os portadores de necessidades especiais, bem como o fim das cotas e da isenção de impostos na compra de carro zero./’As marcas de automóvel e o governo não vão pagar por esse desconto. Sabe quem vai? Eu, você e todo mundo que não tem culpa nenhuma de não ter deficiência’, defende a campanha em uma publicação no Facebook./Intitulado ‘Movimento pela Reforma de Direitos’, o grupo ainda não apresentou nenhum representante responsável pela campanha. Especulações dão conta que a ação é, na verdade, um viral para chamar a atenção para o tema, mas ainda não há nenhuma indicação que confirme a teoria.” (Site estadao.com.br. A campanha, realizada em 2015, foi uma ação publicitária para destacar a situação dos deficientes físicos) 
No dia 3 de setembro de 2020, o senhor Jair Bolsonaro, atual ocupante do Palácio do Planalto, encaminhou ao Congresso Nacional o texto de sua Reforma Administrativa. A proposta de emenda constitucional em questão tomou o número 32/2020. O governo, setores majoritários da grande imprensa e boa parte do empresariado destacam a redução de despesas com a PEC n. 32/2020 (algo como R$ 300 bilhões em 10 anos) e a supressão (seletiva, na verdade) de “privilégios” dos servidores públicos.
Defendo uma Reforma Administrativa profunda do Estado brasileiro. Essa reforma, entre as várias possíveis, deve: a) construir mecanismos para livrar a Administração Pública da captura por grandes interesses econômicos e práticas criminosas, notadamente institucionalizadas; b) eliminar os verdadeiros privilégios existentes no serviço público e c) criar as condições para a gestão eficiente da máquina pública com o objetivo de prestar os melhores serviços para o cidadão. A Reforma Administrativa do Governo Bolsonaro é uma das reformas cogitáveis. Uma daquelas voltadas para reduzir por reduzir gastos públicos e atacar várias prerrogativas de agentes públicos, indevidamente qualificadas de privilégios.
As prerrogativas dos agentes públicos, ou de certa parcela deles, são direitos relacionados com o exercício da função pública com o objetivo de melhor realizar o interesse público. Em regra, as prerrogativas buscam dificultar ao máximo que a atuação do agente público possa sofrer pressões indevidas. Já os privilégios são direitos desprovidos de vinculação com o interesse público. Em regra, os privilégios possuem uma dimensão de benefício estritamente pessoal de forma desarrazoada, notadamente quando colocados em perspectiva de comparação com a situação dos demais agentes públicos. Tratam-se de vantagens que não realizam nenhum valor coletivo ou geral. 
São exemplos de privilégios que deveriam ser “atacados”: a) férias de 60 (sessenta) dias; b) punição na forma de aposentadoria compulsória; c) mordomias (quase todos os veículos oficiais, certas moradias funcionais, etc); d) acesso a uma estrutura distorcida e exagerada de cargos comissionados e e) falta de racionalidade na fixação das remunerações, considerando as atribuições e relações entre as carreiras. A estabilidade e a independência técnica com contornos adequados são bons exemplos de prerrogativas.
As premissas da PEC n. 32/2020 são preocupantes. Infelizmente, a demonização dos servidores públicos e o enfraquecimento da Administração Pública, inclusive com a precarização dos vínculos entre o Poder Público e seus agentes, numa sociedade profundamente desigual, onde prevalecem mesquinhos e avassaladores interesses econômicos e políticos e carente de uma ampla e profunda rede de proteção social, abrem espaço para o aumento considerável de tristes mazelas socioeconômicas. 
E “ninguém” lembra ou fala das reformas que afetam o “andar de cima”. São palavrões literalmente impublicáveis, entre outros: a) reforma monetária; b) reforma cambial; c) controle sobre a formação de reservas internacionais; d) auditoria da dívida pública; e) administração adequada do serviço da dívida pública; f) tratamento das remessas de recursos bilionários para paraísos fiscais; g) controle (inteligente) sobre as altíssimas taxas de juros efetivamente praticadas contra o cidadão e a atividade produtiva; h) criação do imposto sobre grandes fortunas; i) combate à sonegação fiscal; j) condições para a recuperação da dívida ativa em outro patamar de eficiência; k) eliminação de subsídios indevidos e l) revisão de benefícios fiscais inaceitáveis.

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Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito

Procurador da Fazenda Nacional