Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Eu não gosto de você Papai Noel. Crônica do Natal Caipira

Sexta, 24 de dezembro de 2021

Rolando Boldrin

Crônica do Natal Caipira

Monólogo do Natal - Aldemar Paiva 


Eu não gosto de vancê, Papai Noé!

Tamém não gosto desse seu papé de vendê ilusão pra tar da burguesia.

Se os meninu pobre da cidade soubessem o desprezo qui ocê tem, pelos humirde, pela humirdade eu acho que eles jogava pedra em sua fantasia.

Você talvez vancê nem se alembra mais.

Eu cresci, me tornei rapaz, sem nunca me esquecê, daquilo que passô.

Eu lhe escrevi um biete, pedindo um presente a noite inteira eu esperei contente, chegou o sor, mais vancê num chegou.

Dias depois, meu pobre pai, cansado, me trouxe um trenzinho véio, enferrujado, e me ponhou ansim na minha mão e me oiando baixinho me falou: toma, é pra vancê, foi papai noé que mandou. E vi quandu ele adisfarçou umas lágrima cum a mão.

Eu alegre e inocente nesse caso, pensei que o meu biete embora cum atraso tinha chegadu em suas mão, no fim do mês.

Limpei ele bem limpado, dei corda, o trem partiu, deu muitas vorta, meu pai então se riu e me abraçô pela urtima vez.

O resto, eu só pude cumpreender quando cresci e comecei a ver as coisa com a realidade.

Um dia meu pai chegou ansim, cum quem tá cum medo e falou pra mim: me dá aqui aquele seu brinquedo daqui vou trocá por outro na cidade. 

Entônce eu entreguei pra ele o meu trenzinho quase a soluçá.

E, como quem não quer abandoná um mimo, um mimo que lhe deu, quem lhe qué bem, eu supriquei medroso: ô pai eu só tenhu ele! Eu num quero outro brinquedo, eu quero aquele. Por favor pai, num vá levá meu trem?

Meu pai calô e pelo seu rosto veio descendo uma lágrima que, inté hoje creio, tão pura e santa ansim só Deus chorou!

Ele saiu correnu bateu a porta, ansim como um doido varrido minha mãe gritou; pra ele: José! ele num deu orvido. Foi embora e nunca mais vortô.

Vancê, Papai Noé, vancê me transformou num homem que hoje a infância arruinô. Sem pai e sem brinquedo.

Afiná, dos seus presentes, num ai um que sobre da riqueza do menino pobre que sonha o ano inteiro com a noite de natá.

Meu pobre pai coitado, mar vestido, pra num me vê naquele dia desiludido, pagô bem caro a minha inlusão, num gesto nobre, humano e dicisivo, ele foi longe demais pra me trazer aquele lenitivo, tinha robado aquele trem do filho do patrão.

Quando ele sumiu, pensei que tinha viajadu, no entanto, minha mãe despois deu grande, me contou em pranto que ele foi preso coitado e tranformadu em réu.

Ninguém pra absolvê meu pai se atrevia. 

Ele foi definhando na cadeia, inté, qui um dia, Deus entrou na sua cela e o libertô pro céu.