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(Millôr Fernandes)
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segunda-feira, 15 de junho de 2015

Crescimento do subdesenvolvimento

Segunda, 15 de junho de 2015
Por Adriano Benayon | Brasília, 15/06/2015


A economia brasileira está seriamente doente. A crise põe-se à mostra: negócios fechando, desemprego crescente, violência e insegurança recrudescendo.
Adriano Benayon2. A atual é uma das muitas provenientes da enfermidade estrutural e crônica que assola o País, há mais de 60 anos. Sem ordem constitucional não há como sair do atoleiro, pois os beneficiários da corrupção sistêmica a institucionalizaram e criaram mecanismos, em todas as esferas do poder, para aprofundá-la.
3. Os desequilíbrios agravam-se, porque o poder, sob todos os regimes e governos que se têm sucedido, é controlado pelos que acumulam poder através do dinheiro e faturam com os desequilíbrios.
4. Aristóteles ensinou que o hábito forma uma segunda natureza. Então, há muito tempo, através da psicologia aplicada – e utilizando formadores de opinião e o crédito de instituições supostamente científicas – o sistema de poder acostuma as pessoas a ignorar as causas da doença política e social.
5. A economia brasileira perde qualidade através da concentração, da desnacionalização, da desindustrialização e do consequente empobrecimento tecnológico.
6. Afora a indústria, prejudicada desde meados dos anos 50, as infraestruturas foram deterioradas e privatizadas, principalmente a partir dos anos 90. A regulação dos serviços favorece a manipulação dos preços de suas tarifas e a falta de qualidade, sob o beneplácito das agências, ao bel prazer dos carteis que os controlam.
7. Nessas fabulosas negociatas – que a grande mídia nunca denunciou – foram entregues a carteis estrangeiros as infraestruturas construídas e pagas pelo Estado. Além disso, privatizaram-se e desnacionalizaram-se bancos, cada vez mais favorecidos pela legislação e pelo BACEN.
8. A entrega dos monopólios das infraestrutura e as normas pró-carteis da precificação de suas tarifas tornaram-se causa maior da alta da inflação.
9. Daí também, e em combinação com a produção industrial dominada por carteis transnacionais, advém a perda de competitividade da economia e os déficits nas transações correntes, formadores da dívida externa.
10. Na lógica perversa do sistema, em vez de se construir uma infraestrutura eficiente e independente, finge-se combater a inflação através da elevação das taxas de juros.
11. Ora, aumentar os juros significa:
1) fazer crescer as insuportáveis despesas financeiras do Tesouro, incapacitando-o de realizar os prementes investimentos de infraestrutura, baixar o “custo Brasil” e melhorar o grau de competitividade;
2) elevar a taxa de inflação, uma vez que os juros são um dos custos de produção, além de dissuadir investimentos produtivos e assim reduzir a oferta de bens e serviços, determinante da alta dos preços;
3) tornar ainda mais concentrada a renda e o poder nas mãos dos oligarcas financeiros: daí ser essa política promovida pelas “autoridades monetárias” e endossada pelos beneficiários das doações de grandes empresas e bancos às campanhas eleitorais.
12. Mais efeitos estruturais negativos são gerados a pretexto de conter os preços através das importações, deixando de desvalorizar a taxa de câmbio em correspondência com a alta dos preços internos: agrava-se a falta de competitividade da indústria local e aumenta a desindustrialização.
13. As empresas estatais foram entregues a preços muito abaixo de seu valor patrimonial, envolvendo a subavaliação dos lances iniciais, o pagamento em “moedas podres” (títulos de dívida desvalorizados) e a participação de fundos de pensão de estatais. Ainda por cima, a União despendeu centenas de bilhões de reais para sanear passivos trabalhistas e financeiros das empresas privatizadas.
14. Assim, o Brasil tornou-se a casa da sogra dos carteis. Nas telecomunicações, até as tarifas promocionais são múltiplos enormes das normais do exterior. O serviço é de baixa qualidade, e áreas imensas ficam sem sinal.
15. Mudanças na Lei Geral das Telecomunicações (nº 9.472/97) permitiram a operação de telefonia e celular por um único conglomerado, e incentivos à concentração favoreceram as mega-empresas, apoiadas por ANATEL e CADE.
16. No sistema elétrico, danos semelhantes ao País: a infraestrutura deteriorou-se, e, desde a privatização, as tarifas elevaram-se em cerca de 150%, acima da alta média dos preços.
17. A Petrobrás, foi privada, desde sua fundação, do monopólio da distribuição, o segmento privilegiado da indústria do petróleo, feudo para obter grandes lucros e que nada produz. A estatal já tivera desgastes, mesmo antes dos pesados golpes decorrentes da Lei 9.497 de 1997, entre os quais sua desnacionalização parcial e a perda dos monopólios da prospecção e exploração.
18. Desde 1955, a preponderância dos combustíveis fósseis, não-renováveis, esteve associada à deletéria expansão subsidiada da indústria automotiva, nas mãos dos carteis transnacionais, com a míngua de investimentos nas ferrovias e demais meios eficientes e econômicos, como a navegação fluvial e a marítima.
19. A mesma linha pró-subdesenvolvimento – característica da política inaugurada em agosto de 1954 – faz que, nas hidrelétricas, a geração de energia seja grandemente diminuída, e os custos elevados.
20. As mesmas normas e intervenções falsamente ambientais e pró-indígenas, impedem ou reduzem as eclusas, para grande dano do aproveitamento de rios e canais que tornariam baratíssimo o transporte interior no Brasil.
21. A política pró-subdesenvolvimento fez, nos anos 90, entrar em cena os negócios corruptos do gás da Bolívia, em favor das angloamericanas Shell, BP e Enron, tendo o Brasil pagado pelos gasodutos e investido em termelétricas antieconômicas, sem falar nas alimentadas por óleo combustível.
22. Ao mesmo tempo, impede-se que a energia de biomassa assuma o lugar principal que deve ter:
1) desvirtuando o Programa do Álcool, criado sob a liderança de Severo Gomes e Bautista Vidal, a partir de 1975; o etanol chegou a suprir integralmente a demanda de veículos novos produzidos no País, antes do final dos anos 80, mas concentrou-se em usinas e plantations gigantescas, que implicam transportar a cana a grandes distâncias e depois o álcool, de volta: a produção descentralizada, e combinada com alimentos, trazia vantagens econômicas, sociais e ecológicas; mas, nos últimos decênios o setor sucroalcooleiro passou a integrar o agronegócio e tem sido desnacionalizado;
2) marginalizando a produção de óleos vegetais, com a escolha de matérias primas e tecnologias erradas, como o biodiesel, além de adotar a lógica concentradora, antieconômica e antissocial, dificultando o acesso ao mercado de cooperativas e pequenos produtores;
3) coerentemente com a opção pela dependência tecnológica, não dando espaço à alcoolquímica e nem à oleoquímica;
4) entre as fontes renováveis de energia, preferindo e subsidiando as de tecnologia proprietária de empresas estrangeiras, como a eólica e a solar.
23. Juntamente com a desorganização econômica, política e social, fortalece-se a ordem colonial sobre o País, enquanto este perde a identidade nacional.
24. O caminho para isso tem sido as respostas subalternas dos governos às crises recorrentes derivadas do modelo dependente. Ao contrário do que alegam, as autoridades monetárias não têm como sanear as finanças, levando à estratosfera a dívida do Tesouro.
25. Com a composição e capitalização da elevadíssima taxa SELIC, o crescimento dessa dívida compromete, em definitivo, a independência do País.
26. No círculo vicioso, a produção e o emprego caem, e os recursos que os viabilizariam, são carreados para o pagamento de impostos, a fim de sustentar rendas exclusivamente financeiras, enquanto definham as suscetíveis de gerar produção.
27. A presente crise é pretexto para cortes profundos, também na área militar, vital para que se recupere algum grau de autonomia. Ela perdera substância, quando da crise da dívida externa do início dos anos 80.
28. Dita crise resultara da estrutura industrial desnacionalizada e concentrada que fizera acumular déficits externos incompatíveis com a capacidade de pagamento do País.
29. Hoje revivemos a daquela época, quando foram desativadas importantes indústrias de defesa, devido à falta de encomendas das Forças Armadas. A partir dos anos 80, não cessaram de ocorrer perdas e desnacionalizações de empresas brasileiras.
30. Nos anos mais recentes, após um esforço de ressurgimento, promove-se, de novo, desmonte nas pastas militares, tendo o governo cortado R$ 500 milhões no projeto (KC-390) da EMBRAER, com mais de 1.000 engenheiros e 10.000 técnicos envolvidos. Podam-se também os projetos da HELIBRAS e os dos submarinos.
31. Em suma, o País fica sem indústria e sem tecnologia, e à mercê das potências imperiais. O Reino Unido, à frente delas, obteve a demarcação de áreas imensas em Roraima e em outras regiões amazônicas, a pretexto de criar reservas indígenas e ecológicas. Pouco falta para essas áreas serem alijadas do território nacional.
32. Todos deveriam saber que o Reino Unido ocupa as Ilhas Malvinas da Argentina há mais de duzentos anos e recusa-se a reconhecer a soberania platina sobre essa área rica em petróleo.
34. A realidade do Brasil é a de um país dominado pelas corporações estrangeiras e desestruturado, que sofre assalto antigo, agora em fase aguda, desferido também sobre Petrobrás e à engenharia nacional, cujos conglomerados têm importante atuação nos segmentos tecnológicos da defesa.
35. Por que o inimigo ataca, confiante? Por que nem a Petrobrás é mais unanimidade. Porque a coesão nacional foi dilacerada. Porque o País está sem liderança política alguma, digna de crédito, e sem que qualquer dos poderes do Estado o defenda.
*- Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

As mentiras teóricas do Banco Mundial

Quarta, 3 de dezembro de 2014
do site Esquerda.Net
As ações do Banco não se resumem a uma sucessão de erros ou de maus atos. Pelo contrário, fazem parte de uma visão coerente, teórica e conceptual, que se ensina doutamente na maioria das universidades, sustentada por centenas de livros de economia do desenvolvimento. Por Eric Toussaint.
O Banco Mundial considera que os países em desenvolvimento (PED)1 devem recorrer ao endividamento externo e atrair investimento estrangeiro para progredirem. Esse endividamento serve principalmente para comprar equipamento e bens de consumo aos países mais industrializados. Os factos demonstram, dia após dia, há décadas, que isso não funciona. Os modelos que influenciaram o Banco Mundial implicam logicamente uma forte dependência dos PED das entradas de capital externo, principalmente sob a forma de empréstimos, na ilusão de atingirem um nível de desenvolvimento autossustentado. Os empréstimos são considerados pelos fornecedores de fundos públicos (governos dos países mais industrializados e BM em particular) como um poderoso meio de influenciar os países endividados. Portanto, as ações do Banco não se resumem a uma sucessão de erros ou de maus atos. Pelo contrário, fazem parte de uma visão coerente, teórica e conceptual, que se ensina doutamente na maioria das universidades, sustentada por centenas de livros de economia do desenvolvimento. O Banco produz uma verdadeira ideologia do desenvolvimento. Quando os factos desmentem a teoria, o Banco não questiona a teoria. Pelo contrário, tenta deformar a realidade para continuar a proteger o dogma.
Ao longo dos dez primeiros anos de existência, o BM produziu muito pouca reflexão sobre o tipo de política económica a apoiar nos países em desenvolvimento. Diversas razões explicam isso: 1) o assunto não faz parte das prioridades do BM. Em 1957, a maioria dos empréstimos do BM (52,7%) ainda é concedida aos países industrializados;2 2) a matriz teórica dos economistas e dirigentes do BM é de inspiração neoclássica. Ora, a teoria neoclássica não concede um lugar específico aos PED;3 3) o BM só desenvolveu um instrumento específico para conceder empréstimos com baixas taxas de juro aos países em desenvolvimento em 1960 (criação da Associação Internacional de Desenvolvimento (AID) – ver cap. 3).
O BM faz pouco, mas isso não o impede de criticar os outros. Foi assim que, em 1949, o Banco criticou um relatório da Comissão das Nações Unidas para o emprego e a economia, que defendia o investimento público na indústria pesada dos PED. O BM declarou que os poderes públicos dos PED têm muito a fazer no que diz respeito à construção de boas infraestruturas e que devem deixar a responsabilidade da indústria pesada para a iniciativa privada local e estrangeira.4
Segundo os historiadores do BM, Mason e Asher, a orientação do Banco parte do princípio que os setores público e privado devem exercer funções diferentes. O setor público deve assegurar o desenvolvimento planificado de infraestruturas adequadas: ferrovias, estradas, centrais elétricas, instalações portuárias e meios de comunicação em geral. Ao setor privado compete a agricultura, a indústria, o comércio e os serviços pessoais e financeiros, porque em todos esses domínios pressupõe-se que a iniciativa privada tem melhor desempenho do que o setor público.5 Na verdade, deve ser concedido ao setor privado tudo o que é suscetível de produzir lucro. Em contrapartida, as infraestruturas ficam a cargo do setor público, porque se trata de socializar os custos com o objetivo de ajudar a iniciativa privada. Em suma, o Banco Mundial recomenda a privatização dos benefícios e também a socialização dos custos daquilo que não é diretamente rentável.
Uma visão do mundo conservadora e etnocêntrica
A visão do BM está marcada por diferentes preconceitos conservadores. Nos relatórios e discursos dos quinze primeiros anos de existência, o BM faz referência regularmente às regiões atrasadas e subdesenvolvidas, configurando todo um programa. Sobre as causas do subdesenvolvimento, o banco adota uma visão etnocêntrica. Pode-se ler no oitavo relatório anual do BM que: “Existem muitas e complexas razões para certas regiões do mundo não serem mais desenvolvidas. Diversas culturas, por exemplo, têm dado pouco valor ao desenvolvimento material e, de facto, algumas consideram-no incompatível com os objetivos mais desejáveis para a sociedade e para o indivíduo”. 6 A ausência de desejo ou de vontade de progresso material e de modernização da sociedade é apresentada como uma das causas do atraso. O profundo respeito dos hindus pela vacas torna-se uma chave para compreender o atraso da Índia. Sobre a África, Eugene Black, presidente do BM, declara em 1961: “Apenas hoje a maior parte dos 200 milhões de africanos começa a participar na sociedade mundial”.7 A maneira de ver reacionária do Banco Mundial não desapareceu totalmente ao longo tempo. O Banco escreve o seguinte no Relatório sobre o desenvolvimento mundial, em 1987: “Nos ‘Princípios de Economia Política’ (1848), John Stuart Mill evoca as vantagens resultantes do ‘comércio exterior’. Embora, após mais de um século, essas observações permaneçam tão válidas como em 1848”. Ao falar das vantagens indiretas do comércio, Mill declara: “… um povo pode estar num estado letárgico, indolente, inculto, tendo todas as aspirações satisfeitas, mesmo em sonhos, e pode não aplicar todas as suas forças produtivas por lhe faltar um objeto de desejo. A aventura do comércio externo, fazendo-o conhecer novos objetos ou suscitando a tentação de adquirir objetos que antes pensava não poder possuir..., encoraja aqueles, que se satisfaziam com pouco conforto e trabalho, a trabalharem mais duramente para satisfazerem os seus novos desejos e até mesmo a economizarem e a acumularem capital…”.8 O regresso vigoroso dos neoconservadores, com a chegada da administração de G. W. Bush (2001-2008), aprofundou esse caráter profundamente materialista e reacionário. A nomeação de Paul Wolfowitz, um dos principais neocons, para a presidência do Banco, em 2005, cimentou essa orientação.