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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 20 de maio de 2016

A proposta de “autonomia” do BC

Sexta, 20 de maio de 2016
*Rodrigo Avila – Economista
Nessa semana, durante o anúncio de sua equipe econômica, Henrique Meirelles afirmou que pretende promover, por meio de uma Emenda Constitucional, a “autonomia” do Banco Central, ou seja, nas palavras dele, garantir que não haja “questionamento no sentido de que tem autonomia técnica para decidir” sobre a taxa de juros, por exemplo. Segundo ele, tal “autonomia” já existe hoje, mas quer garantir isso na Constituição.
 
Tal proposta significa, na prática, permitir que o Banco Central possa decidir sobre a taxa de juros sem interferência da Presidência da República. Segundo economistas conservadores, tal “autonomia” seria importante para evitar interferências “políticas” em decisões que deveriam ser “técnicas”, ou seja, deveriam estar “acima da política”.
 
Porém, é preciso questionarmos tais ideias, pois tais decisões “técnicas” sobre a taxa de juros não são nada “técnicas”. Para entendermos isso, é importante lembrarmos de como funciona o Regime de Metas de Inflação, criado em 1999 por um decreto de FHC (nº 3.088/1999), e que foi mantido pelos governos do PT.
 
Diz este Decreto em seu artigo 1º: “Fica estabelecida, como diretriz para fixação do regime de política monetária, a sistemática de “metas para a inflação“. Em bom português: será estabelecida uma meta de taxa de inflação, e o instrumento a ser utilizado para perseguir esta meta será a política monetária, ou seja, a taxa de juros. Segundo a teoria econômica conservadora, um aumento na taxa de juros gera redução na tomada de financiamentos, e redução na atividade econômica, reduzindo-se a demanda por produtos e serviços, e assim, provocando uma queda nos preços.
 
Outro instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central (sob a justificativa de combater a inflação) é o recolhimento da sobra de dinheiro em poder dos bancos, dando-lhes em troca títulos da dívida, pagando-lhes juros altíssimos, nas chamadas “operações compromissadas”. O argumento seria o mesmo: retirando-se dinheiro de circulação, as pessoas não podem comprar, e assim os preços caem.
 
Porém, a inflação brasileira recente não é resultante de uma suposta demanda aquecida, mas sim, do aumento dos preços definidos pelo próprio governo, como energia, combustíveis, transportes, planos de saúde, etc. Outra causa da inflação no país é a alta dos preços de alimentos, provocada por problemas climáticos, no contexto de um modelo agrícola voltado para a exportação, onde a reforma agrária jamais foi feita de forma séria, e onde a agricultura familiar (principal produtora de alimentos para o mercado interno) ocupa a menor parte das terras.
 
Portanto, a melhor forma de combater a inflação no Brasil não é aumentando os juros, ou fazendo-se tais “operações compromissadas”, mas sim, reduzindo-se os preços administrados e fazendo a reforma agrária, alterando-se o modelo agrícola brasileiro, inclusive rompendo com os cartéis do varejo (grandes redes de supermercados).
 
Mas os defensores da “autonomia” do BC insistem em dizer que o combate à inflação via alta de juros e “operações compromissadas” seria o “correto”, ou seja, a decisão “técnica”, e não “política”. Quando na realidade, tal lógica é a mais politicamente favorável aos grandes bancos, cujos lucros são diretamente proporcionais à taxa de juros e ao estoque de títulos em suas mãos. Quando se aumenta a taxa de juros, aumenta-se os ganhos dos bancos com a dívida pública, e também com a concessão de empréstimos a pessoas e empresas.
 
Meirelles ainda disse que pretende viabilizar, no futuro, a “independência” do Banco Central, ou seja, a garantia de mandatos fixos para os presidentes do BC, não coincidentes com os mandatos da Presidência da República. A ideia caminharia na mesma direção da “autonomia”, ou seja, evitar que presidentes do BC sejam pressionados a alterar suas decisões sobre a taxa de juros, por exemplo.