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(Millôr Fernandes)

domingo, 26 de março de 2017

Impunidade impera na Câmara Legislativa. Propina para a liberação de emendas

Domingo, 26 de março de 2017

Mesa Diretora sob suspeita
Fontes:
Por ANA VIRIATO-CORREIO BRAZILIENSE/Antonio Cunha/CB/D.A Press
Blog do Sombra
Comandos do Legislativo local costumam decretar o arquivamento das representações contra deputados antes mesmo da análise aprofundada dos casos. Prática contraria o regimento da Casa, que determina o trâmite instantâneo das representações.
A complacência dos distritais com os colegas que se tornam réus ou alvos de inquéritos durante o exercício do mandato na Câmara Legislativa é carta marcada na política brasiliense. Apesar dos recorrentes processos políticos, cíveis e criminais enfrentados pelos parlamentares candangos, só três tiveram o mandato cassado em toda a história da Casa. Nos últimos 20 anos, 59 processos por quebra de decoro parlamentar — uma média de três por ano — chegaram à Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, colegiado responsável pela investigação de denúncias. O índice deve-se ao fato de, em várias oportunidades, os diferentes comandos do Legislativo local decretarem o arquivamento das representações antes mesmo de uma análise aprofundada das acusações.
Basta observar o cenário atual da Casa para comprovar a premissa. Em 2016, o Conselho de Ética analisou — e arquivou — apenas o processo contrário à distrital Liliane Roriz (PTB), acusada de facilitar empréstimos do Banco de Brasília (BRB) para empresários do ramo de construção civil em troca de 12 apartamentos em Águas Claras. Enquanto isso, outras 14 representações foram encaminhadas diretamente às gavetas da Mesa Diretora, apesar de cumprirem os critérios de admissibilidade, segundo a Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa. Os processos em questão desfavoreceriam o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) e os réus na Operação Drácon: Celina Leão (PPS), Bispo Renato Andrade (PR), Cristiano Araújo (PSD), Julio Cesar (PRB) e Raimundo Ribeiro (PPS).
A parcimônia dos distritais fere o regimento interno da Câmara Legislativa, cujo conteúdo determina o trâmite instantâneo das representações: “recebida a denúncia, será determinada a leitura imediata em plenário pelo deputado que estiver presidindo a sessão e, após autuada, será feita a distribuição, em até dois dias, ao Corregedor, com cópia autenticada e na íntegra para a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar”, descreve o texto.
Cientistas políticos classificam a conjuntura como “um quadro de corporativismo exacerbado”. “É um cobrindo o rabo do outro”, afirma o especialista David Fleischer. O estudioso argumenta que os titulares da Mesa Diretora têm receio de dar prosseguimento às representações contrárias aos colegas e criar precedentes que, mais à frente, possam custar as próprias cabeças.
Os investigados: Celina Leão, Bispo Renato Andrade, Cristiano Araújo, Julio Cesar e Raimundo Ribeiro. Mesa Diretora em exercício "não vê fatos novos", mesmo após todos se tornarem réus na Operação Drácon
Mesa sob suspeita
Quatro dos cinco integrantes da Mesa Diretora são alvos de processos judiciais ou denúncias no âmbito da Câmara Legislativa. O vice-presidente da Casa, Wellington Luiz (PMDB), responde a uma ação civil pública movida em agosto de 2016 pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) contra si e mais 21 pessoas, além de sete empresas do ramo de construção. O MP questiona a destinação de recursos feita pelo ex-administrador do Varjão Hélio Chagas, indicação política do distrital.
Já a titular da 2ª secretaria-executiva, Sandra Faraj (SD), está no olho do furacão há cerca de um mês. Contra ela, pesam sequenciais denúncias, que vão do suposto desvio de subsídios da verba indenizatória da Casa à falsificação de carimbos e assinaturas constantes em notas fiscais para o recebimento de ressarcimentos.
O 2º secretário da cúpula da Casa, Robério Negreiros (PSDB), responde a uma ação de improbidade administrativa que tramita na 14ª Vara Federal desde 2007. O processo é um desdobramento da Operação Sentinela, da Polícia Federal, que em 2004 investigou denúncias de irregularidades em licitações no Tribunal de Contas da União (TCU). A empresa da família de Robério foi uma das investigadas.
A 3ª secretaria executiva, em outra vertente, está nas mãos de Raimundo Ribeiro, réu por corrupção passiva pela suposta participação em um esquema de destinação de subsídios de emenda parlamentar às empresas do setor da saúde em troca de propina.
Na Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, o cenário é similar: todos os integrantes do colegiado respondem a processos judiciais ou inquéritos. O presidente, Ricardo Vale (PT), é investigado por prevaricação nas diligências da CPI dos Transportes. Agaciel Maia (PR) é alvo de ações na Justiça Federal e no Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT). Já Telma Rufino (PROS) foi condenada, neste mês, por improbidade administrativa. Compõem o Conselho, ainda, Wellington e Raimundo Ribeiro. Todos os distritais negam envolvimento com ilicitudes.
Critérios políticos
O trâmite das representações por quebra de decoro na Câmara Legislativa segue critérios estritamente políticos. O jogo de xadrez é histórico. Há registros de parlamentares que tiveram os mandatos cassados antes de se tornarem réus na Justiça. É o caso de Raad Massouh (DEM), acusado de desviar recursos públicos de uma emenda liberada por ele mesmo em 2010. Além de Massouh, perderam os cargos Eurides Brito e Carlos Xavier.
Por outro lado, o ex-distrital Benedito Domingos, denunciado por desvio de recursos de emendas parlamentares, manteve o cargo, mesmo após condenações em primeira e segunda instâncias. Condenado por improbidade administrativa em razão da participação no esquema conhecido como Mensalão do DEM, o ex-deputado Aylton Gomes também permaneceu no posto.
O costume, aliás, renova-se com o tempo. Na última semana, a Mesa Diretora remeteu à Corregedoria da Casa o processo por quebra de decoro parlamentar contrário a Sandra Faraj (SD), acusada de embolsar R$ 150 mil em verba indenizatória. O trâmite ocorreu antes mesmo de o MPDFT oferecer denúncia em desfavor da deputada. Recentemente, Faraj enfraqueceu alianças no Legislativo local ao migrar de um grupo para outro após conquistar cargos almejados.
Por outro lado, mesmo após o Conselho Especial do TJDFT, na última terça-feira, tornar réus os denunciados no âmbito da Drácon por corrupção passiva, a Mesa Diretora em exercício “não vê fatos novos” suficientes para a retirada dos processos por quebra de decoro contrários aos envolvidos das gavetas. “Com todos os elementos que tinham à disposição — o inquérito, a investigação e os áudios — os desembargadores optaram por manter os deputados em seus cargos. Isso é muito forte”, defendeu Joe Valle.
Ainda assim, se os comandantes da Casa realmente não derem andamento aos processos por quebra de decoro parlamentar contrários aos réus da Drácon, a Justiça poderá obrigá-los a fazê-lo — ao menos no caso de Celina Leão. O Conselho Especial do TJDFT julgará, na próxima terça-feira, o mandado de segurança interposto pela Executiva Regional do PT em outubro de 2016 (veja Para saber mais). O relator do processo é o desembargador Waldir Leôncio Lopes Junior que, no ano passado, votou pela recondução dos distritais à Mesa Diretora.
Sem punição
59 
quantidade de processos avaliados pelo Conselho de Ética ao longo dos últimos 20 anos
quantidade de mandatos distritais cassados na história da Câmara Legislativa
11 
número de representações contrárias aos envolvidos na Drácon pendentes de análise
Propina para a liberação de emendas
A Drácon foi deflagrada, em agosto de 2016, pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e por policiais da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Administração Pública (Decap). Os mandados de busca e apreensão e as conduções coercitivas foram autorizadas pelo desembargador Humberto Ulhoa. Ele também determinou, à época, o afastamento de quatro integrantes da Mesa Diretora.
Para o MPDFT, cinco distritais pediram vantagens indevidas a um empresário e também às prestadoras de serviço de fornecimento de leitos em unidades de tratamento intensivo (UTIs). A Drácon investigou a suposta cobrança de propina para a liberação de emendas de R$ 30 milhões a empresas que ofereciam esses leitos.
Com o tempo, a Drácon se tornou um dos maiores escândalos da história política do DF. Os acusados contrataram um batalhão de advogados para tentar se livrar da denúncia, mas também se articularam para acusar adversários e montar dossiês, criando uma cortina de fumaça para tirá-los do foco. Os parlamentares ainda se mobilizaram para arquivar os pedidos de cassação dos mandatos e, principalmente, para tentar reduzir os impactos na opinião pública.
Áudios captados nos gabinetes de deputados, aos quais o Correio teve acesso com exclusividade, mostram detalhes e bastidores dessa atuação, nos 10 dias que se seguiram à deflagração da Drácon. Em busca de salvação, Celina Leão, ex-presidente da Câmara Legislativa, mirou adversários, como o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) e o distrital Chico Vigilante (PT).
Propina para a liberação de emendas
A Drácon foi deflagrada, em agosto de 2016, pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e por policiais da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Administração Pública (Decap). Os mandados de busca e apreensão e as conduções coercitivas foram autorizadas pelo desembargador Humberto Ulhoa. Ele também determinou, à época, o afastamento de quatro integrantes da Mesa Diretora.
Para o MPDFT, cinco distritais pediram vantagens indevidas a um empresário e também às prestadoras de serviço de fornecimento de leitos em unidades de tratamento intensivo (UTIs). A Drácon investigou a suposta cobrança de propina para a liberação de emendas de R$ 30 milhões a empresas que ofereciam esses leitos.
Com o tempo, a Drácon se tornou um dos maiores escândalos da história política do DF. Os acusados contrataram um batalhão de advogados para tentar se livrar da denúncia, mas também se articularam para acusar adversários e montar dossiês, criando uma cortina de fumaça para tirá-los do foco. Os parlamentares ainda se mobilizaram para arquivar os pedidos de cassação dos mandatos e, principalmente, para tentar reduzir os impactos na opinião pública.
Áudios captados nos gabinetes de deputados, aos quais o Correio teve acesso com exclusividade, mostram detalhes e bastidores dessa atuação, nos 10 dias que se seguiram à deflagração da Drácon. Em busca de salvação, Celina Leão, ex-presidente da Câmara Legislativa, mirou adversários, como o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) e o distrital Chico Vigilante (PT).
Processo embargado 
Em 6 de setembro de 2016, o presidente da Executiva Regional do PT, Roberto Policarpo, protocolou, na Câmara Legislativa, um processo por quebra de decoro parlamentar contrário a Celina Leão (PPS). À época, o líder petista afirmou que estava “claro que ela, como presidente da Mesa Diretora, foi a responsável pela condução do esquema (UTIgate)”. Policarpo, entretanto, poupou os distritais Julio Cesar (PRB), Cristiano Araújo (PSD), Bispo Renato Andrade (PR) e Raimundo Ribeiro (PPS). Com a decisão da ex-Mesa Diretora, presidida por Juarezão (PSB), de sobrestar a representação, junto às outras 10 que tramitavam na Casa, até a aparição de um fato novo — acusação formal ou admissão de denúncia —, Policarpo decidiu recorrer à Justiça. É esse mandato de segurança que o Conselho Especial julgará na próxima terça-feira.