Segunda, 29 de maio de 2017
Da Tribuna da Internet
Fernando Orotavo Neto
Como se sabe, a confissão é um meio de prova legal e moralmente
admitido pelo direito processual pátrio (CPC, art. 389). Na sempre
preciosa lição de Giuseppe Chiovenda – que formou, juntamente com Mauro
Capelletti, Francesco Carnelutti e Piero Calamandrei, o maior quarteto
de processualistas que o mundo teve notícia – a confissão “é a
declaração, por uma parte, da verdade dos fatos afirmados pelo
adversário e contrários ao confitente”.
Sendo um meio de prova, é de obviedade explícita que a confissão produz consequências e efeitos processuais importantíssimos, tal como o de dispensar a produção de nova prova sobre o fato confessado. É por demais óbvio, igualmente, que quem confessa não pode, depois, vir a pedir a produção de outro meio de prova cujo objetivo seja verificar a ocorrência ou não do fato confessado.
IRREVOGÁVEL – Trata-se de efeito jurídico que
decorre do princípio da boa-fé processual, traduzido na garantia que
proíbe e veda o comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium).
Aliás, não por outro (ou melhor) motivo, a confissão é irrevogável, só
podendo ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação, como se
infere do art. 393 do CPC, na sua letra e na sua única exegese possível.
Por consequência lógica, não é menos evidente que a parte adversária
ao confitente fica liberada do ônus de provar os fatos que afirmou, por
força do art. 374, II, do CPC, cujo comando normativo dispensa,
expressamente, a prova do fato confessado; autorizando,
conseguintemente, o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 355, I).
RAINHA DAS PROVAS – Aliás, essa particularidade da
confissão – dispensar a incidência de outras provas sobre o fato
confessado – faz com que a doutrina a ela se refira como a “a rainha das
provas” (regina probationum; probatio probatissima), e a proclamar que não existe maior prova do que a confissão pela própria boca (nula est maior probatio quam proprio ore confessio), pois confessar em juízo é o mesmo que se condenar (confessus in iure pro condemnato habitur).
Além disso, outra característica importante da confissão, seja a
judicial, seja a extrajudicial (CPC, art. 389), é ser ela indivisível
(CPC, art. 395), não se podendo fatiá-la; ora para aceitá-la na parte
que beneficia a parte adversa, ora para rejeitá-la no tópico que lhe
seja desfavorável.
Todavia, não se desconhece que, no processo civil, o juiz pode
concluir de forma diversa à da confissão, se o contexto das demais
provas a isto conduzir, pois nele vigora o princípio do livre
convencimento ou da persuasão racional (CPC, art. 371). E o mesmo
acontece no processo penal, uma vez que, especialmente neste, a busca
pela verdade real pode temperar a confissão, especialmente diante da
existência de conjunto probatório que exsurja nitidamente desconforme ou
contrário a ela.
JANOT ESTÁ CERTO – Feitos esses registros, que
desafiam contradita séria, parece-me ser inteiramente pertinente o
entendimento esposado pelo procurador-geral da República, Dr. Rodrigo
Janot, no sentido de que o presidente Michel Temer, nos diversos
pronunciamentos realizados acerca da delação de Joesley Batista, acabou
por confessar, espontânea e extrajudicialmente, ter recebido o
emblemático empresário (que se apresentou pelo codinome de Rodrigo) no
palácio do Jaburu, na calada da noite, fora da agenda presidencial. E
quanto a isto, não se admite questão. Até porque as fitas provam a
realização do encontro, e não o contrário.
Igualmente apropriada a observação feita pelo Presidente da OAB, Claudio Lamachia, ao decidir pelo ingresso do pedido de impeachment de Michel Temer, quando afirmou que o chefe da Nação não negou o teor do diálogo que manteve com o empresário; sendo, portanto, incontroverso o fato de que o presidente do Brasil ouviu o dono da JBS confessar a prática de vários crimes sem nada reportar às autoridades competentes, como era seu dever legal.
PREVARICAÇÃO – Se houve crime de prevaricação ou
não, o Poder Judiciário dirá, mas a verdade é que o presidente da
República violou a probidade na administração e a moralidade
administrativa (CF, art. 37, caput), o que, por si só, justifica o
pedido de impeachment formulado pela OAB Federal (CF, art. 85, V).
Não me parece que, nos dias atuais, o entendimento possa ser outro.
Laurence H. Tribe, professor de Direito Constitucional da Harvard
University, dos mais célebres constitucionalistas norte-americanos
atualmente, escreveu, invocando o Deputado John Bingham, no julgamento
do Presidente Johnson: “Um crime objeto de impeachment é aquele que,
em sua natureza ou consequências, se revele subversivo para algum
princípio fundamental ou essencial de governo ou altamente prejudicial
ao interesse público, o que pode consistir numa violação da
Constituição, da lei, de um juramento oficial, ou de um dever, por ação
ou omissão, ou, mesmo sem violar uma norma positiva, revelar abuso dos
poderes discricionários por motivos ou para fins impróprios.”. (Laurence H. Tribe, in American Constitutional Law, 2ª ed., The Foundation Press, Mineola, NY, 1988, pág. 291).
Destarte, ou se respeita a Constituição e se dá prosseguimento ao
pedido de impeachment do presidente Michel Temer, ou nossos deputados
federais acabarão por coonestar o sombrio e cruel vaticínio de Gerald
Ford, 38º presidente dos Estados Unidos, para quem “crime de
responsabilidade é aquilo que 2/3 do Congresso Nacional decidirem que é
crime de responsabilidade”. Mais uma lástima para a democracia, já tão
combalida pela desfaçatez e pelo oportunismo dos maus governantes.
(Fernando Orotavo Neto é advogado, professor e jurista)