Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A morte como programa de governo

 Sexta, 15 de janeiro de 2021

Conversa com Tolentino*

A morte como programa de governo

O que não falta é a tentação de vê-lo apenas como alguém que, em plena pandemia, coloca a área de saúde nas mãos de um militar que, se muito, notabilizou-se pela logística de pintura de meios-fios.
Por conta de coisas assim não falta quem avalie que tudo decorre de pura e simples incompetência.
Mas você de fato acredita nisso? É por não terem, o ministro e seu chefe, a menor condição de gerir a administração pública que as estatísticas chegaram a níveis tão alarmantes?
Seria somente por causa da mais absoluta incapacidade administrativa dos dois que o Brasil ocupa a vergonhosa segunda posição no mundo em registro de mortes por Covid? Por isso os cadáveres voltaram a se amontoar em Manaus, enquanto se nega a inúmeros contaminados sequer o direito de respirarem?
Engana-se, amigo. Aos poucos surgem as evidências de que as mortes não ocorrem apenas por total descontrole das autoridades.
Você se assusta ao constatar que essas mortes podem integrar na verdade um “programa de governo”?
Pois isso teria sido avaliado, com toda a desfaçatez, em reunião oficial no Ministério da Saúde, quando os números eram muito menos aberrantes. Em 17 de março do ano passado, a superintende da SUSEP, Solange Vieira, teria sugerido que as mortes, especialmente as dos idosos, poderiam fazer bem à economia. Elas permitiriam números mais confortáveis por exemplo para a Previdência.
Nessa linha de raciocínio, é possível concluir que adiar as compras de vacinas, de seringas, de agulhas permitem que se cumpra as restrições orçamentárias impostas pela Emenda 95.
E as mortes? Ora, registre-se como mera consequência.
E seria um absurdo imaginar que, enquanto o País viver um quadro de pandemia, as revoltas ficam contidas no recesso do isolamento social, as manifestações de indignação restritas às redes sociais e as ruas liberadas para quem não acredita no poder de contágio da Covid?
Nenhum governante com forte tendência fascista poderia sonhar com cenário mais encantador. Os revoltosos reprimidos por eles próprios, pela consciência dos riscos de se aglomerarem em tempo de pandemia. E dispor plenamente dos espaços públicos para desfilar com sua horda de admiradores, dos que, fascinados por sua liderança, acreditam que tudo não passa de invencionice de uma mídia que tenta desgastá-lo.
Se nada disso é verdade, o certo é que se ajusta no perfil demagógico do aspirante a ditador.
E, afinal, seria muito desrespeitoso supor que se trata de um presidente irresponsável e imbecil, não é?
Fernando Tolentino


*Fernando Tolentino é Administrador e Jornalista. Este texto foi publicado originariamente no Facebook.
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Obs.: Por ser um artigo de opinião do autor, não necessariamente o texto acima coincide com a opinião deste blog.