Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

MULHERES NA POLÍTICA —Para Sâmia Bomfim, "não basta ser mulher, tem que estar do lado certo"

Quinta, 22 de setembro de 2022

Para Sâmia, uma das tarefas mais importantes para a próxima legislatura será desmontar o orçamento secreto — Reprodução

Deputada federal destaca que o ideário bolsonarista não fornece as respostas que as mulheres buscam

Thalita Pires
São Paulo (SP) 

Na série "Mulheres na Política", o Brasil de Fato vai conversar com candidatas a deputada federal para debater a importância da inclusão desse segmento no Congresso e, em última instância, na vida pública do país.

A segunda entrevistada da série é Sâmia Bomfim, deputada federal pelo PSOL e candidata à reeleição. Oriunda do movimento estudantil, ela teve uma ascensão meteórica na carreira política. Filiou-se ao PSOL em 2011, foi eleita vereadora na cidade de São Paulo em 2016 em uma campanha com poucos recursos e, em 2018, chegou ao Congresso com a chancela de 250 mil eleitores.

Na câmara, tornou-se líder da bancada do seu partido, a mais jovem nessa função na atual legislatura. "Foi muito desafiador, porque estamos falando de um governo genocida, de fortes retrocessos em diversas áreas, em especial nas áreas sociais, com uma agenda neoliberal muito cruel", afirma.

Mesmo assim, ela destaca a luta da oposição em vitórias importantes. "Gosto de destacar o auxílio emergencial em dobro no auge da pandemia, quando o Bolsonaro não queria dar nem R$ 200", lembra. Outro ponto de destaque foi a descoberta do orçamento secreto, esquema que permite a liberação de emendas secretas para os parlamentares aliados de Bolsonaro. "A gente conseguiu desmascarar o que é o orçamento secreto do Arthur Lira e do Bolsonaro através de uma ação no Supremo", diz.

Representatividade vazia

Sâmia acredita que a representatividade feminina na política deve ser analisada com cuidado. "Essa é a legislatura com maior composição feminina na história, e nós somos 15%. É muito pouco. Porém, esse muito pouco precisa ser refletido, porque boa parte dessas mulheres são a base de sustentação de Bolsonaro. São assumidamente conservadoras, antifeministas, antimulheres", diz. Para ela, a representação só faz sentido se incluir a maioria. "Não basta ser mulher, tem que estar do lado certo, tem que ter um conteúdo de atuação voltado para a maioria das mulheres, que são trabalhadoras, são pobres, não fazem parte da elite política e econômica."

A pauta econômica, aliás, é aquela em que a deputada acredita que é possível dialogar com todas as mulheres, de qualquer posição política. "As mulheres podem até concordar com a lógica de que não se deve avançar na legalização do aborto no Brasil ou acreditar no fantasma mentiroso da ideologia de gênero que criaram. Mas as [políticas] conservadoras e o Bolsonaro não conseguem dar resposta para aquilo que mais as preocupa: os filhos vão ter comida na mesa? Vão conseguir vaga na escola e depois na universidade? Qual tipo de profissão que eles vão ter? As mulheres da sociedade não gostam de mais armas circulando, porque isso significa risco para sua família", acredita Sâmia.

Violência política de gênero

A chegada de mulheres combativas a cargos representativos não é bem recebida pelo establishment. "Não é à toa que nos últimos anos a gente vem cunhando o termo violência política de gênero. Acho que é a melhor expressão para dizer como a estrutura política brasileira reage à ascensão de mulheres lutadoras, feministas, antirracistas, mulheres indígenas, de esquerda nesses espaços de poder, que militam e lutam contra essa onda de ódio que se instaurou no país", diz.

"São diversas formas de violência política. Tem aquelas dos pares, dentro do Congresso, que te ofendem, te perseguem, colocam a tropa da milícia digital para fazer memes, responder qualquer tuíte ou posicionamento com chacota, divulgando fake news, inventando mentiras ao seu respeito, ou indo um passo além, fazendo ameaças contra você, sua família, seu filho, ou até, como já aconteceu no Brasil, violência explícita, física e assassinato, como aconteceu com a Marielle, ainda sem resposta."

Sobre a morte de Marielle, Sâmia acredita que "enquanto não se dá uma resposta ao que aconteceu com ela, não é de se estranhar que a violência política seja autorizada com outras mulheres também". "a resolução do crime é importante por ela, pela sua família, seus eleitores, todas as pessoas que a amavam, mas para todas as outras mulheres que entram na política."

Ela foi, inclusive, vítima de ameaças concretas "Recebi mais de uma vez e-mail de ameaças com descrições grotescas que envolviam a mim, meu marido, meu filho, minha família. Eles estão tentando nos amedrontar dessa forma, nos obrigando a tomar medidas de segurança", diz.

Na entrevista, Sâmia fala ainda de economia do cuidado, parentalidade e prioridades para a esquerda em 2023. Assista ao papo na íntegra:



Edição: Rodrigo Durão Coelho