Domingo, 11 de setembro de 2022

Um governo que se posiciona contra a Ciência e a Cultura
Por Wanderley de Souza.
9 De Setembro De 2022
Só nos resta esperar do Congresso um grito de independência
Nos dias de hoje, não há exemplo de nação desenvolvida e com sólida economia que não esteja lastreada no desenvolvimento científico e tecnológico. Este deve ser baseado não apenas nas riquezas naturais, mas também, e de forma crescente, no domínio de modernas tecnologias que permitam agregação de valor ao que se produz, tanto para consumo interno como para exportação.
No caso do Brasil estamos assistindo a um contínuo processo de desindustrialização. O agronegócio continua crescendo, muito na base da exportação de commodities, não se percebendo um esforço na ampliação do valor agregado no que é exportado.
Os avanços recentes no processo de edição gênica prometem uma grande revolução neste setor, que vem recebendo investimentos crescentes em países como Estados Unidos, China, Índia e União Europeia, o que poderá modificar o panorama comercial deste setor. Há indicações de forte investimento da China em vários países da África, sobretudo naqueles voltados para o Oceano Índico, com maior proximidade dos grandes consumidores asiáticos.
Uma simples análise da evolução orçamentária da Embrapa, ou dos editais lançados pelo Governo Federal para a área agropecuária, indica que não estamos investindo o suficiente em Ciência e Tecnologia para este setor e poderemos perder espaço nos próximos anos.
O atual Governo Federal tem dado sinais inequívocos de que não acredita no poder transformador do conhecimento, alicerçados fundamentalmente em Educação, Ciência e Tecnologia e Cultura. Sem esta tríade, não vamos a lugar nenhum.
Muito provavelmente a célebre colocação de Stefan Zweig de que “o Brasil é o país do futuro” vai a cada dia se tornando mera ficção, como alertou há alguns dias nosso grande historiador José Murilo de Carvalho, com uma visão pessimista e realista do país.
No caso da Educação, alicerce básico de tudo, só vemos retrocessos tanto em políticas como em investimentos e ações. A universidade pública federal perde fôlego e alunos. No campo da cultura, o menosprezo chega a ser acintoso, com constantes iniciativas para desprestigiar o setor. No entanto, há resistência graças a ações de várias entidades e ao fôlego dos que exercem as atividades na literatura, na música, no teatro e nas artes.
No momento em que o Congresso Nacional aponta para uma possibilidade de recuperação, aprovando as leis Aldir Blanco e Paulo Gustavo, o governo envia medida provisória retirando recursos previstos para a área cultural, deixando claro a sua visão de não incentivar a cultura no país. Afinal, via de regra, população mais esclarecida tende a valorizar os princípios democráticos.
O mesmo acontece no campo da Ciência, Tecnologia e Inovação. Após intensa mobilização de vários setores nos últimos dois anos, o Congresso Nacional recuperou a pujança do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), aprovando leis que deram sustentabilidade a este fundo apesar de vetos seguidos pela Presidência da República e a derrubada destes vetos pelo Congresso Nacional.
Quando já não mais esperávamos nenhum obstáculo, eis que o Poder Executivo envia ao Congresso Nacional a famigerada Medida Provisória 1.136, de 26 de agosto de 2022, para sangrar o FNDCT, ainda na mesma legislatura em que as leis foram votadas. Justificou esta atitude com base no equilíbrio fiscal, ainda que preveja recursos maiores para as famigeradas emendas secretas.
Mais grave ainda, além de afetar seriamente o orçamento do corrente ano, desmoralizando a equipe do Ministério de Ciência e Tecnologia e suas agências que lançaram vários editais, projeta reduções orçamentárias para os próximos anos, em clara interferência com o futuro governo.
Só nos resta esperar que o Congresso Nacional dê um grito de independência nestes dias de comemoração dos 200 anos da nossa independência e mande de volta para o Poder Executivo as vergonhosas medidas provisórias que poderão aniquilar com a Cultura, a Ciência e a Tecnologia do país, transformando-o em dependente de outras nações.
Outra alternativa é acionar o Supremo Tribunal Federal, uma vez que a MP trata de tema já apreciado por duas vezes, sempre com derrota para o Poder Executivo, na atual legislatura. Independentemente de tudo, ainda podemos estabelecer um diploma de “Inimigos da Ciência” que pode ser conferido a um número crescente de “Personalidades” que merecem recebê-lo.
Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Nacional de Medicina, da Academia Brasileira de Ciências e da U.S. National Academy of Sciences.