Troca de mensagens mostra suposto planejamento de assassinatos em região onde três indígenas foram assassinados em 2021
Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Lábrea (AM)|
Indígenas Guarani Kaiowá - Tiago Miotto/Cimi
A Assembleia Geral do povo Kaiowá e Guarani, a Aty Guasu, denunciou pelas redes sociais uma troca de mensagens virtuais que indica o planejamento de um massacre contra estudantes dentro de uma escola indígena no Mato Grosso do Sul.
Conforme a Aty Guasu, as ameaças são direcionadas para uma instituição de ensino no interior da Terra (TI) Indígena Amambai, onde vivem 12 mil pessoas. Nos últimos meses, três Guarani Kaiowá foram assassinados a tiros enquanto tentavam retomar terras ancestrais, hoje ocupadas por fazendeiros.
Embora a veracidade da conversa não tenha sido comprovada, o episódio colocou as comunidades em alerta. Nos supostos diálogos divulgados na quarta-feira (27), duas pessoas combinam, em detalhes, de “entrar naquela escola e metralhar os filhos dos vagabundos”.
As ameaças, que preveem até 10 vítimas, teriam motivado a paralisação de atividades de saúde, educação e de instituições religiosas voltadas aos indígenas. A Aty Guasu pediu que o episódio seja investigado com urgência.
No dia em que foi divulgada a troca de mensagens, o Ministério da Justiça mandou a Força Nacional à região. Sem citar os indígenas, a ordem assinada pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, determina a presença de tropas em cidades onde houve registro de violência contra os Guarani Kaiowá.
A eleição para capitão e vice-capitão dos Guarani Kaiowá da TI Amambai, uma herança do tempo em que os indígenas foram confinados em pequenas reservas, é citada na troca de mensagens. Segundo o MPF, o pleito tem motivado um “conflito que envolve a liderança da aldeia”.
O Brasil de Fato perguntou à Funai, Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Civil do Mato Grosso Sul quais providências estão sendo tomadas para evitar mais casos de violência contra os Guarani Kaiowá e identificar a veracidade e os autores da suposta ameaça. Não houve respostas até a publicação.
“Recado dos ruralistas”
Após a divulgação do diálogo, o clima de pânico tomou conta da TI Amambai. Daniel Lemes Vasques, liderança da Aty Guasu, relatou que aulas de crianças e adolescentes foram suspensas temporariamente em três escolas indígenas.
Participantes do 1º Encontro de Mulheres do MST compartilham histórias de acesso à educação e autonomia econômica
Vanessa Nicolav
Brasil de Fato | Brasília (DF) | 06 de março de 2020
Josiana Silva, filha de assentada, é produtora de cacau e vive no assentamento 14 de Agosto do MST, em Rondônia - Vanessa Nicolav
“A gente não tinha casa, não tinha terra, trabalhava na casa dos outros, era de fazenda em fazenda. Meu marido trabalhava uma diária para pagar o leite dos meus filhos. Hoje vivo do meu sustento, da minha terra. Tenho um plantio de cacau, banana, arroz, feijão, milho, porco. Participar do movimento mudou totalmente as nossas vidas”.
A mudança na vida de Maria Edvalda Pereira, 57, começou depois que ela e o marido conheceram o assentamento do MST em Eldorado dos Carajás, no estado do Pará. A agricultora que já foi empregada doméstica, hoje participa como uma das expositoras da Mostra de Produtos da Reforma Agrária que acontece no Parque da Cidade, em Brasília, durante o 1º Encontro Nacional do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem Terra (MST).
Os produtos que estão a venda em sua barraca são todos resultado da luta conquista da terra que ela e o marido participaram durante anos. Mas, para a agricultora, as transformações não foram só no campo econômico. “Com o movimento eu voltei a estudar, hoje eu terminei, fiz uma faculdade. Eu participo dos grupos de mulheres, a gente viaja, debate, conhece outras pessoas. Então hoje eu tenho outra visão, eu era só em casa. Acho que foi um privilégio”.
Sepultamento dos 19 trabalhadores rurais mortos no massacre de Eldorado dos Carajás | Foto: João Roberto Ripper
Do IHU
Instituto Humanitas Unissinos
Por: Stefany Rocha | 17 Abril 2019
Eldorado dos Carajás, quarta-feira, 17 de abril de 1996: 19 trabalhadores sem-terra são assassinados pela Polícia Militar do Estado do Pará. Esse fato, ocorrido há 23 anos, tornou-se símbolo de luta e representação dos conflitos agrários que ainda hoje acontecem no campo brasileiro.
Para o Ministério Público Federal, deve ser mantida a decisão que condenou Eduardo de Queiroz Monteiro e Antônio Francisco Custódio por reduzirem cerca de 400 trabalhadores à condição análoga à de escravos, na Destilaria Gameleira, em Confresa/MT. Os réus ocupavam os cargos de diretor e gerente administrativo da empresa, respectivamente, e recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para reverter a sentença que estabeleceu uma pena de 12 anos de reclusão e 360 dias-multa para cada um.
Segundo a denúncia, julgada parcialmente procedente pela 5ª Vara Federal de Mato Grosso, os dois envolvidos associaram-se, em abril ou maio de 2005, com a finalidade de aliciar e trazer mais de 400 trabalhadores do estado do Maranhão para o corte de cana nas lavouras da Gameleira. Depois, submeteram os lavradores a trabalhos forçados, jornadas exaustivas e condições degradantes, condutas essas que, segundo o juiz João Moreira Pessoa de Azambuja, individualmente consideradas, já seriam suficientes para caracterizar o delito previsto no artigo 149 do Código Penal.
A denúncia descreve jornadas diárias de 7h às 17h, acomodações sem ventilação, espaço físico ou limpeza adequados, e acidentes de trabalho por conta de o facão "escapar" e acertar os pés dos trabalhadores que, sem dinheiro para comprar botas, trabalhavam descalços. "Não há dúvidas da existência de diversos acidentes de trabalho no cotidiano da Usina Gameleira devido à ausência de proteção mínima aos obreiros e, por conseguinte, da condição degradante à qual se submetiam os trabalhadores, tendo em vista que eram deliberadamente expostos a toda sorte de riscos durante a colheita", estabelece a sentença.
O juiz também observa a má qualidade da alimentação fornecida, que estragava por vários fatores: o forte calor, o tempo excessivo entre o momento de produção da comida e da efetiva entrega aos trabalhadores e a grande distância percorrida pelos obreiros entre as frentes de trabalho e os locais onde eram deixadas as marmitas, aumentando o tempo de exposição dos alimentos ao ambiente. "Nas imagens, é possível ver alguns trabalhadores sentados no chão ou sobre a cana cortada, outros de pé, porém todos, sem exceção, expostos ao sol, sem nenhum tipo de abrigo para que se alimentassem com o mínimo de conforto possível, situação próxima a um estado animalesco", diz.
Sobre os alojamentos, foi verificado calor excessivo dentro dos dormitórios, ausência de camas suficientes para todos os obreiros, permissividade da empresa em deixar que trabalhadores utilizassem redes para dormir, a falta de ventilação e higiene adequadas. Fotos evidenciam que, caso optassem pelos alojamentos da usina, os trabalhadores tinham que ficar em ambiente escuro, insalubre e de baixo nível de limpeza.
Para o Ministério Público Federal, ficaram configurados a autoria, a materialidade e o dolo do delito do artigo 149 do Código Penal, devendo ser mantida a condenação nos termos da sentença. "A tolerância quanto aos fatores degradantes e insalubres a que eram expostos os obreiros somente contribui para a permanência do grave quadro de trabalho indigno vislumbrado no Brasil", escreve a procuradora regional da República Michele Rangel Vollstedt Bastos.
Segundo ela, não se deve tachar de normalidade a ocorrência dos inúmeros acidentes de trabalho descritos na frente de trabalho por comparação aos ainda elevados números ocorrentes na lavoura de cana-de-açúcar brasileira. "Ou seja, a ausência de concessão adequada de Equipamentos de Proteção Individual – EPI – no caso concreto não pode ser mascarada pela prática generalizada na produção sucroalcooleira", diz.
Sobre os alojamentos, conforme explica a procuradora, ficaram demonstradas pelas fotos e relatos as condições insalubres e degradantes sofridas pelos trabalhadores. "E nem se diga que a utilização das acomodações não era obrigatória, podendo o lavrador recolher-se na cidade, pois sabe-se que a condição de migrante em território nacional – justamente pela falta de condições de sustento próprio – aliada à situação de pobreza da condição do trabalhador braçal, torna impossível a utilização de outra estalagem que não seja aquela fornecida pelo empregador", sustenta.
Bastos transcreve trecho do Roteiro de Atuação Contra Escravidão Contemporânea, elaboradora pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, em trabalho coordenado pela atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge: "Assim, os casos de escravidão contemporânea estão, em regra, relacionados à miséria, à baixa instrução e à falta de oportunidade das vítimas, sendo os locais de exploração da mão de obra escrava diversos e distantes do local de origem dos trabalhadores, pois é justamente em razão da busca destes trabalhadores por melhores condições de vida que se dá a exploração pelo empregador e seus prepostos".
O MPF também afirma que houve correta valoração da prova e correta dosimetria da pena, rebatendo os argumentos da defesa. Para a procuradora, as fotos que constam nos autos são claras e transparecem as acomodações insalubres, sem ventilação, trabalhadores lacerados pela falta de equipamento adequado, o acondicionamento impróprio das refeições, dentre outras condições degradantes. Além disso, os depoimentos de obreiros corroboram as constatações visuais.
Domínio do fato -Em relação à desvinculação do diretor da usina do crime, o MPF entende que o pedido não deve ser atendido, uma vez que não se está diante de condenação por pura e simples ocupação de cargo de direção. De acordo com a procuradora, a sentença delimitou o notório conhecimento da operação da Destilaria Gameleira pelo diretor, que reconheceu em Juízo as acomodações e condições oferecidas aos empregados. Há depoimento, inclusive, ligando o recorrente em questão às contratações.
A procuradora também traz lição sobre a teoria do domínio do fato, extraída igualmente do Roteiro de Atuação Contra Escravidão Contemporânea: "a eventualidade de um dos réus vir a delegar a intermediário qualquer a orientação das tarefas dos trabalhadores escravizados não retira a sua responsabilidade por ter decidido contratar pessoas para trabalharem em seu nome e na sua propriedade, sem prover condições dignas de moradia, segurança, higiene, alimentação, água e transporte".
O ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu liminar em habeas corpus para tirar da prisão preventiva o padre José Amaro Lopes de Sousa, coordenador da Pastoral da Terra no município de Anapu (PA). Por determinação do ministro, o padre terá de cumprir medidas cautelares substitutivas, como não participar de reuniões, permanecer em casa durante a noite e evitar contato com pessoas ligadas aos conflitos agrários na região.
A prisão preventiva foi decretada no âmbito da Operação Eça de Queiroz. Conhecido por atuar junto ao movimento de trabalhadores sem-terra, o padre (que trabalhou com a missionária Dorothy Stang, assassinada em 2005) é acusado de uma série de crimes relacionados à promoção de invasões de terras.
Ao analisar o pedido de liberdade, o ministro Schietti afirmou que a ordem de prisão traz descrição de condutas delituosas que nem sequer foram narradas na denúncia oferecida contra o padre, como crimes de ameaça, de assédio sexual, de importunação ofensiva ao pudor e de constrangimento ilegal.
“A denúncia limita-se a descrever a prática de atos referentes aos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro, extorsão e de esbulho possessório”, explicou.
Segundo Schietti, a Operação Eça de Queiroz pareceu ter sido deflagrada com o objetivo de enquadrar criminalmente uma só pessoa, e o decreto de prisão narra “fatos ocorridos ao longo de 13 anos, nenhum, todavia, com data recente ou contemporâneo ao decreto prisional, a sinalizar a possibilidade de haverem sido reunidos com o propósito específico de eliminar a atuação do ora recorrente no combate à aventada ocupação ilícita de terras por fazendeiros”.
O ministro lembrou que os precedentes do STJ exigem que os fatos justificadores da prisão preventiva sejam contemporâneos ao decreto prisional, em razão da natureza urgente da medida.
Para Schietti, as incongruências entre o decreto prisional e a denúncia, bem como a ausência de contemporaneidade entre os fatos e a decisão, justificam, no caso em análise, a substituição da prisão preventiva pelas medidas cautelares.