Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 17 de outubro de 2009

Vendendo gato por lebre

Sábado, 17 de outubro de 2009
Por Ivan de Carvalho

 Porque hoje é sábado, vou evitar aquela rotina da política, de partidos, de candidaturas, de pouco interesse público e muitos interesses pessoais, poucas ou meias verdades, de muitos disfarces e dissimulações, de quererem lhe vender gato por lebre. Não que considere a política uma coisa intrinsecamente nociva, pois ela é indispensável na organização e condução das sociedades, apesar das injustiças e outras males que enseja e da impressionante frequência com que impõe às nações desvios não raro terríveis.
Então busco outro assunto e me chama a atenção – parece que minha mente está momentaneamente focada em coisas ruins e não consegue evitá-las, ainda que tente – uma notícia sobre a empresa Imperial Tobacco. Notícia adequada, talvez, já que o Brasil vive um momento de radicalização na luta contra o tabagismo.
Quando ministro da Saúde, José Serra obteve do Congresso Nacional uma lei impondo restrições draconianas à propaganda tabagista e forçando os fabricantes de cigarros a colocarem nas embalagens advertências sobre os danos do fumo, acompanhadas de imagens chocantes.
Até vale lembrar, por ironia, que, na sequência, José Serra foi candidato a presidente da República, enfrentando o petista Lula, para quem “nosso Delúbio” segurava, abaixadinho, nos palanques, charutos que o candidato recebera de presente de Fidel Castro e com os quais dissimuladamente se deliciava enquanto esperava na linha de frente do palco sua vez de falar ao povo. Ao qual não revelava essas “manobras” de bastidores.
Mas já vai essa escrita descambando para a política, aliás enfumaçada como é de costume. Já que aqui chegamos, vale assinalar que Serra conseguiu recentemente, como governador de São Paulo, abolir o tabagismo em recinto fechado, excetuadas as residências, que aí não lhe permite entrar a Constituição da República. Fora delas, uso do tabaco só nas ruas ou no campo, enquanto os ambientalistas não entenderem que isso prejudica a saúde dos componentes de nossa fauna, além de prejudicar a flora, que também respira – e eventualmente pega fogo.
Mas o que tem a ver com esses eventos brasileiros a Imperial Tobacco? Ciências ocultas. Isto mesmo. Segundo revelou na quinta-feira o jornal da Associação Médica Canadense, afirmando possuir cópias do material, a companhia canadense Imperial Tobacco destruiu dezenas de documentos que ligavam o hábito/vício de fumar ao câncer. Ciências ocultas, como assinalei. Ou ocultadas...
Segundo o artigo publicado no citado jornal, a pedido da matriz britânica, a Imperial Tobacco Canadá destruiu em 1992 o total de 60 estudos, realizados entre 1967 e 1984, que concluíam que o cigarro produz câncer. Os pesquisadores encontraram cópias dos estudos destruídos ao revisarem cerca de 7 milhões de páginas da British American Tobacco, publicados como parte de um processo judicial que correu nos Estados Unidos.
“A indústria havia realizado pesquisas que demonstraram que o cigarro é tóxico, que provoca câncer” e ao mesmo tempo disse em público que não havia qualquer prova neste sentido, destaca um dos autores do artigo, o professor David Hammond, da Universidade de Waterloo, em Ontário, segundo conta a agência France Press. A indústria também sabia, há tempos, que o tabagismo passivo era tóxico e potencialmente cancerígeno. “Naquela época, eram praticamente os únicos a ter esta prova”.
Que me perdoe o leitor se, ao evitar a política para suavizar o sábado, haja acabado por abordar tema capaz não só de preocupar quanto de indignar, sentimentos que a política, não raro, também produz. Aproveite seu fim de semana, mas, a partir de segunda-feira, redobre a atenção – não é somente a Imperial Tobacco que lhe vende gato por lebre e ganha dinheiro às custas de esconder ou sufocar informação sobre graves malefícios que seus produtos causam à saúde.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado
Ivan de Carvalho é jornalista baiano