Quinta, 31 de março de 2011
Por Ivan de Carvalho

Mas
não é. É uma situação revolucionária e uma revolução política feita por
pressões e pela força pode levar a uma mescla de coisas boas e ruins ou, com
exclusividade, a coisas boas ou ruins. O mais difícil é levar somente a coisas
boas.
Ainda
é muito cedo para prever ou avaliar a que vai levar a “primavera árabe”, assim
chamada por inspiração da Primavera de Praga, quando, em 1968, o povo da então
Tchecoeslováquia, com o líder de seu governo até então comunista à frente,
Alexander Dubcek, decidiu implantar um socialismo democrático, apelidado por
seus dirigentes como “socialismo com rosto humano” – não ousaram chamá-lo,
naquele primeiro momento, de socialismo democrático.
Mesmo
sem essa ousadia e apesar das juras de amizade, o governo e o povo tcheco não
conseguiram evitar que o socialismo truculento e feroz da União Soviética, que
tinha a Tchecoeslováquia como peça do seu império, mandasse seus soldados e
tanques de guerra esmagar o movimento libertário, da mesma forma que já o
fizera em 1954, na Hungria.
Mas
voltemos às terras e areias árabes. A “primavera” revolucionária, ali, vai
atingindo regimes e países, um após outro. Há, por parte do povo, uma demanda
reprimida e agora fora de controle por modernização, liberdade, melhoria das
condições de vida, somada a um inconformismo pela grande corrupção que insulta
a pobreza da imensa maioria das populações.
Postas
todas essas razões, não há como não reconhecer que é legítima a “primavera
árabe”. O que vem depois é outra história. Pode acontecer de tudo. E
dificilmente o resultado será uniforme nos diversos países que estão sendo ou
eventualmente ainda serão atingidos pelo movimento. O movimento em curso não é
fundamentalista, mas o fundamentalismo muçulmano é uma força organizada e
poderá conquistar grandes espaços ante vazios de poder. E há outros riscos,
muito graves.
Tomemos
dois exemplos de situações de risco. Um é o Iêmen. A ditadura, ali, colabora ou
colaborava com os Estados Unidos no combate à organização terrorista Al Qaeda,
que conseguiu enquistar-se no país e montar ali uma de suas principais bases,
onde planeja, treina e prepara atentados para executá-los em outros países.
Caindo o regime do Iêmen, qual a posição do novo governo a respeito da Al Qaeda
e qual a posição desta organização terrorista na nova conjuntura iemenita?
Ninguém sabe ainda.
Outro
caso é o da Líbia. O Ocidente – Estados Unidos, OTAN, União Européia – declaram
imprescindível que o ditador Muammar Gaddafi deixe o poder. A Liga Árabe e a
União Africana estudam como algum de seus membros, e qual, poderá dar-lhe
asilo. O Ocidente aceita isso.
Então,
se Gaddafi não cair nem sair, como ficam as coisas para o Ocidente e até para
vários países árabes? Ficam muito mal. E ele poderá tornar-se um inimigo
perigoso, aliando-se inclusive ao terrorismo (que já não somente patrocinou
como praticou diretamente).
Mas,
e se Gaddafi cair ou sair? Os serviços de inteligência dos Estados Unidos já
detectaram que em meio à oposição que luta contra Gadaffi destacam-se duas
organizações terroristas – a aparentemente onipresente Al Qaeda e o Hizbollah,
grupo terrorista paramilitar com milhares de integrantes, com base no Líbano,
junto à fronteira de Israel, com apoio da Síria e apoio, político, em armas e
dinheiro, do Irã. O objetivo do Hizbollah é o mesmo do Irã – varrer Israel do
mapa.
Numa
Líbia sem Gaddafi e seu terrível regime, que perigoso espaço poderão ter a Al
Qaeda e o Hizbollah? Uma pergunta de arrepiar, mas ainda sem resposta.
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Este artigo foi publicado
originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.