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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Ficha Limpa – a decisão do STF


Quinta, 24 de março de 2011
Por Ivan de Carvalho
Por seis votos a cinco o Supremo Tribunal Federal o Supremo Tribunal Federal decidiu ontem que a Lei da Ficha Limpa não se aplica às eleições passados, de outubro de 2010, mas somente às eleições de 2012 e seguintes, para o que a lei foi mantida íntegra pelo STF. O voto decisivo foi dado pelo ministro Luiz Fux, que passou a integrar o STF após a decisão anterior sobre o assunto. Todos os outros dez ministros mantiveram suas posições anteriores.

             Em que pese a forte divisão no STF e amplas expectativas de alguns setores políticos e sociais e da mídia de que prevalecesse o entendimento de aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa, considerada por muitos um passo importante para o combate à corrupção entre os políticos com mandato ou que estejam pleiteando mandato, não há como deixar de reconhecer que o STF, inclusive com o voto favorável do relator e o parecer também favorável do Ministério Público, deu guarida a um princípio maior.

            A base da decisão da instância suprema da Justiça brasileira foi o princípio da irretroatividade da lei para prejudicar, ainda mais tratando-se de lei de caráter penal – já que uma penalidade, a eliminação da possibilidade de acesso a mandatos eletivos durante um período, de resto, indeterminado. Isto porque não seria muito previsível a data em que uma decisão superior poderia reformar a decisão fatídica tomada em instância colegiada inferior.

            O não do STF baseou-se formalmente no artigo 533 do Código Civil e, uma vez que foi reconhecida a “repercussão geral da questão”, a decisão foi tornada válida para todos os casos, ficando autorizadas decisões monocráticas no mesmo sentido e com o mesmo fundamento.

            Os ministros que já haviam votado votaram novamente. Ao reiterar seu voto, que foi o último, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, considerou, invocando todas as “data vênias” possíveis perante seus colegas, declarou absurda a exclusão de pessoas da vida pública com base em fatos ocorridos “antes do início da vigência da lei”.

           Qualquer estudante de Direito sabe que isto seria ferir um princípio fundamental não somente do direito brasileiro, mas do direito em qualquer país minimamente democrático que fosse. Para deixar isto bem claro, ele frisou que nem mesmo “as ditaduras”, no Brasil, ousaram fazer isto alguma vez.

As ditaduras, explicou, quando queriam afastar alguém por coisas feitas e que não tinham previsão legal de punição, deixavam a situação muito clara, pois simplesmente cassavam (o mandato ou os direitos políticos, ou ambas as coisas). Nunca fizeram uma lei com efeito punitivo retroativo. O que se tentava com os esforços para dar efeito prejudial (punitivo) retroativo à Lei da Ficha Limpa agredia cláusula pétrea da Constituição.

Na verdade, dois grandes princípios do Direito estavam ameaçados: o da irretroatividade da lei para prejudicar e o da punição sem sentença transitada em julgado.

O primeiro deles foi preservado.

Já quanto ao segundo, não se pode dizer o mesmo. Valer, para eleições futuras, condenações impostas em colegiado (segunda instância e tribunais de contas, Assembléia Legislativas, Câmaras Municipais, Congresso Nacional), relacionadas com fatos ocorridos após a entrada em vigência da Lei da Ficha Limpa, significa passar por cima do princípio de que todos são inocentes até decisão transitada em julgado. O que também é cláusula e garantia constitucional basilar.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.