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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

De um lado esse Carnaval, do outro a fome total; Rock total e fome geral; Nossos Aylans

Quinta, 24 de setembro de 2015
Três excelentes artigos publicados hoje (24/9) no Blog do Siro Darlan. Coisa pra se ler e refletir muito. A seguir os textos.
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De um lado esse Carnaval, do outro a fome total.

Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes do Rio de Janeiro.
Enquanto o Chefe da Policia caça jovens da periferia para fazer estatística prendendo-os sob acusação de ir à praia sem dinheiro no bolso, os responsáveis pela implementação de politicas públicas batem cabeça e não sabem para onde ir. O Estatuto da Criança e do Adolescente completou 25 anos de vigência e a Prefeitura ainda não instalou os 66 Conselhos Tutelares que a lei criou para dar proteção integral à infância e à juventude. O Tribunal de Justiça continua ignorando a carência das Varas da Infância e da Juventude que não tem equipes técnicas suficientes para dar conta do recado. Ainda não foi criada uma vara de proteção às crianças vítimas de violência embora elas sejam as maiores vítimas nas estatísticas policiais.
Contudo o Rio se apresenta como palco mundial do rock, sem que essa empresa que há 30 anos explora o nome da Cidade em todo mundo tenha contribuído com o financiamento de um único projeto social para os jovens da periferia do Rio. O Rio tem sido palco de todo tipo de violência contra a população com um transporte público da pior qualidade, serviço de saúde inexistente, que só serve para alimentar os cofres da saúde privada, uma rede educacional sofrível com ótimos servidores e péssimos salários. Uma rede de creches que joga crianças para as ruas por falta de vagas.
Mas, o mesmo judiciário que deveria garantir, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, para “viabilizar a pronta entrega jurisdicional nos processo executivos fiscais de forma a propiciar o incremento de receitas” resolveu firmar um convênio de cessão de servidores para servirem de oficiais de justiça “ad-hoc” nos processos de execução fiscal. Ou seja, a parte credora cobrará seus créditos numa ampla demonstração de falta de imparcialidade dos julgadores que colocarão “as raposas para cassarem as galinhas” no galinheiro do judiciário.
Não fosse pela flagrante ilegalidade do ato, ousaria sugerir que igual convênio fosse assinado para fornecer assistentes sociais e psicólogos às varas da infância e da Juventude para acelerar os processos de habilitação às adoções que estão paralisadas com atraso de mais de três anos, fiscalizar os cumprimento das medidas protetivas, uma vez que as crianças acolhidas fogem devido às péssimas condições de habitação fiscalizar as unidades sócio educativas onde as medidas não são aplicadas na forma da lei, fiscalizar as unidades de acolhimento de idosos. Requisitar médicos e psicólogos que possam tratar de jovens vítimas das drogas, dentre outras utilidades que convênios voltados para as politicas públicas poderiam servir.
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Rock total e fome geral.

Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça e Membro da Associação Juízes para Democracia.
O secretário Beltrame pergunta como podem jovens pobres ir à praia sem dinheiro e sem documentos. Em que mundo vive esse homem público? Ele sabe qual o valor do salário mínimo com que vive 70% do povo brasileiro? O brasileiro consegue o milagre de viver com 1,10 reais por hora, logo não deve sobrar dinheiro para ir à praia. Aliás, eu nunca levei dinheiro nem documento para a praia que frequento, e acho que os surfistas que praticam esse saudável esporte na orla do Rio também não.
Diante desse raciocínio do Chefe da Policia, acho que tenho que mudar meus hábitos porque corro o risco de ser preso por sua policia por andar sem dinheiro no bolso. Ouvi um comentário de um “amigo” do face book que minha posição contrária a esse arrastão fascista promovido pela policia do Senhor Beltrame se deve a uma possível vontade de ingressar na política. Essa acusação corresponde à insinuação de que jovens sem dinheiro no bolso teriam a intenção de roubar quem tem muito dinheiro.
Uma é tão infame contra a outra. Pensar que todos se posicionam publicamente por interesses pessoais faz parte da cultura egoísta de quem pensa que a praia, esse bem público tão maltratado por seus usuários, pertence apenas aos moradores da orla, e, portanto os da periferia não teriam direito ao banho de mar. Em tempos de respeito ao meio ambiente, melhor faríamos se buscássemos a união para melhor tratar esse campo de lazer comum e não jogássemos tantos dejetos para Iemanjá, sujando a água e tornando impuro o mar que tanto apreciamos e cantamos.
Temos nos confraternizado respeitosamente em momentos inesquecíveis quando nos reunimos no mar, democraticamente para saudar o ano novo, para rezar na Jornada da Juventude, para cantar em grandes eventos musicais. Por que será que não conseguimos a mesma confraternização na partilha dessas areias que a natureza nos brinda para o lazer e a louvação de uma natureza tão pródiga. O que nos falta para sermos mais tolerantes? Por que teremos que viver sempre nesse mundo tão desigual, onde de um lado temos o rock e o carnaval e do outro a fome total?
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Nossos Aylans.

Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a democracia.
Herinaldo, 11 anos, Eduardo, 10 anos, Patrick, 11 anos, Christian, 13 anos, dentre outros que são diariamente abatidos pelas balas assassinas de uma policia desqualificada numa guerra que tem no seu comandante a frieza capaz de deixar corado um Milosevic com suas 230 mil mortes. Esse comandante manda que prendam jovens negros sem dinheiro e sem documento quando a ele caberia à efetivação de politicas públicas que proporcionasse oportunidades para que a juventude fluminense tenha acesso a documentos e ao dinheiro fruto de seu trabalho, se trabalho houvesse.
Insatisfeitos com a politica do apartheid promovida, onde os recursos são aplicados do túnel Rebouças pra cá, enquanto os demais contribuintes têm a recepcioná-los as blitzes policiais para impedir que tenham acesso ao bem público comum: as praias litorâneas é grande o número de mortes de ambos os lados nessa guerra fraticida onde o policial, mal remunerado e explorado pelo excesso de trabalho e com a saúde física e mental debilitada é colocado em confronto com a população excluída de seus direitos fundamentais.
O próprio chefe dessa empreitada policialesca insiste em declarar que sua guerra está perdida se o seu governo não levar outras secretarias aos lugares “ocupados” por suas milícias armadas. Insiste o secretário que sem a ação da educação, saúde, saneamento básico, lazer, esporte, justiça, a guerra está perdida.
Mas o comandante como um autista sem tratamento insiste em avançar com a violência matando crianças e adultos, aos quais busca imediatamente imputar ações criminosas como fizeram com as crianças assassinadas e como fazem com os cadáveres arrastados pelas escadarias em seus chinelos de dedo. O comandante jacta-se de ter a polícia que mais prende adolescentes, como se isso não fosse motivo de vergonha, já que orgulho teria aquele governante que pudesse se orgulhar de ter o maior número de jovens matriculados nas melhores escolas que o Estado pudesse fornecer.
A interrupção covarde da infância de tantas crianças deveria ser motivo de escândalo e de uma profunda investigação para apurar as responsabilidades pessoais. Senão aqui por falta de instituição que assuma essa responsabilidade em algum Tribunal Internacional essa responsabilidade tem que ser apurada.