Domingo, 13 de novembro de 2016
Do Correio da Cidadania
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Escrito por Raphael Sanz, da Redação
Na quarta-feira, 9, o STJ encerrou a sessão ordinária sem encaminhar a
votação do projeto que regulariza contratos em regime de terceirização,
prevista na pauta que será reagendada. Organizações sindicais
protestaram o dia todo na Praça dos Três Poderes contra o projeto, em
discussão no Senado e já aprovado na Câmara dos Deputados. Faz parte de
um pacote de medidas do governo que busca promover mudanças
orçamentárias e no campo econômico – e que ainda conta com a proposta de
reforma trabalhista. O Correio da Cidadania conversou com Sérgio
Batalha, advogado trabalhista, para entender melhor as razões e
desdobramentos destas propostas.
“A terceirização é uma tentativa de suprimir os direitos trabalhistas
por via oblíqua. Ou seja, você admite que a empresa terceirize parte de
sua produção para outra empresa menor, que paga salários menores e não
cumpre a legislação trabalhista. A empresa tomadora dos serviços não
seria responsabilizada por eventuais irregularidades da empresa
terceirizada, reduzindo, na prática, o custo da mão de obra”, avaliou
Durante a conversa avaliou a agenda do governo Temer, denominada
Ponte para o Futuro (apresentada pelo PMDB antes do impeachment de
Dilma), como “um retorno ao passado”, destacando como exemplo a
flexibilização das leis trabalhistas e a prevalência do negociado sobre o legislado.
Afirmou que o governo tentou apresentar o pacote de forma palatável,
mas não soube aguentar a pressão da imprensa, revelando o verdadeiro
caráter da medida. Ou seja, de que haveria perda salarial com aumento de
jornada. O enorme rechaço na opinião pública o fez recuar.
“Sempre existe a possibilidade de aperfeiçoar a legislação
trabalhista, mas as modificações teriam de surgir de um amplo debate
entre trabalhadores e empresários, buscando eventuais consensos entre os
envolvidos. Não se pode alterar a relação entre capital e trabalho com
base apenas nos interesses do empresariado, sob pena de provocar uma
crise social”.
Leia, a seguir, a entrevista na íntegra.
Correio da Cidadania: Como você recebeu o anúncio da nova
reforma trabalhista que tramita no Congresso e se tornou bandeira do
governo Temer?
Sérgio Batalha: O anúncio da reforma trouxe
perplexidade e também preocupação. A perplexidade surgiu porque o
governo não apresentou até hoje, objetivamente, os termos da reforma que
será apresentada ao Congresso. A preocupação decorre da natureza
unilateral da proposta de reforma, ou seja, ela surge exclusivamente
para atender às reivindicações de um setor do empresariado, sem que haja
um interesse correspondente entre os trabalhadores.
Correio da Cidadania: Vê mudanças na dinâmica do mundo e mercado de trabalho que justifiquem tais propostas?
Sérgio Batalha: A dinâmica que hoje anima esta
proposta unilateral de reforma trabalhista é a da redução de direitos
dos trabalhadores. Ou seja, em uma conjuntura recessiva, o empresariado
pretende aumentar sua margem de lucro às custas de uma redução do custo
da mão de obra. Não há qualquer perspectiva de atendimento às demandas
da classe trabalhadora, pelo contrário, a ideia é atender exclusivamente
as reinvindicações de um setor do empresariado que defende a diminuição
dos direitos previstos na CLT.
Correio da Cidadania: Qual sua análise a respeito da
argumentação que atrela flexibilização das relações de trabalho a
crescimento econômico?
Sérgio Batalha: Esta relação não existe. A redução
do custo da mão de obra simplesmente aumenta o lucro do empresário. O
que produz o crescimento econômico é o aumento de demanda, ninguém vai
contratar mais empregados ou produzir mais apenas porque a mão de obra
ficou mais barata.
Nos países em que houve reformas trabalhistas com redução de direitos
do trabalhador não houve crescimento econômico no período posterior. Ao
contrário, normalmente ocorreu um aumento da recessão e do desemprego,
como na Espanha.
A redução de direitos do trabalhador produz objetivamente uma redução
da participação da massa salarial no PIB, provocando normalmente um
efeito recessivo, tendo em vista que esta massa salarial é normalmente
destinada ao consumo.
Correio da Cidadania: Como analisa a criação das novas
modalidades sugeridas, como hora trabalhada e produtividade, chegando-se
a sugestões de larguíssimas jornadas?
Sérgio Batalha: É difícil analisar propostas que não
são enunciadas claramente. Estas “novas modalidades” não foram
explicitadas pelo governo e, de certa forma, já existem dentro dos
marcos da legislação atual.
Provavelmente, a lógica da proposta seria a de submeter o empregado a
uma jornada maior, sem o pagamento das horas extras correspondentes.
Como já esclarecido, o efeito de tal reforma seria a elevação do lucro
dos empresários e a redução da massa salarial no país.
Correio da Cidadania: Como ficam as questões da terceirização
e do programa de proteção ao emprego, dentre outros direitos
trabalhistas, como a PLR?
Sérgio Batalha: A terceirização é uma tentativa de
suprimir os direitos trabalhistas por via oblíqua. Ou seja, você admite
que a empresa terceirize parte de sua produção para outra empresa menor,
que paga salários menores e não cumpre a legislação trabalhista. A
empresa tomadora dos serviços não seria responsabilizada por eventuais
irregularidades da empresa terceirizada, reduzindo, na prática, o custo
da mão de obra.
É isto que acontece hoje com a terceirização na esfera das empresas
públicas. Ainda que se admita uma responsabilidade da empresa tomadora
por eventuais irregularidades, a terceirização tem como objetivo único
contratar empregados com um custo menor do que a empresa hoje arca, isto
é, cria duas categorias de trabalhadores: os empregados diretos e os
subempregados terceirizados.
Correio da Cidadania: O que pensa da abordagem da chamada grande mídia a respeito do tema?
Sérgio Batalha: A grande mídia simplesmente divulga a
versão dos empresários sobre a reforma trabalhista, sem ouvir os
representantes dos trabalhadores, seus advogados ou mesmo juízes do
trabalho.
Os jornais reproduzem de forma sistemática mitos como a "defasagem”
da nossa legislação trabalhista, a suposta “necessidade” de uma reforma
trabalhista para “criar empregos” e, ainda, a necessidade de
“flexibilizar” a legislação trabalhista, sem esclarecer o que isto
significa. Na prática, significa retirar direitos do trabalhador.
Correio da Cidadania: Qual sua opinião a respeito do novo
ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira de Oliveira (PDT-RS) que se diz
alinhado ao programa “Ponte para o futuro”, de Michel Temer? Como avalia
o recuo do governo Federal frente às suas primeiras declarações?
Sérgio Batalha: O projeto do governo, a tal “Ponte
para o Futuro”, é na verdade um retorno ao passado. É o velho projeto de
flexibilização das leis trabalhistas, com a prevalência do “negociado
sobre o legislado”, que foi derrotado no governo de Fernando Henrique. O
ministro tentou apresentar o projeto de forma palatável, escondendo seu
verdadeiro conteúdo, com as conhecidas fórmulas de “flexibilização” e
“negociação”. Quando foi pressionado para fornecer detalhes para a
imprensa, acabou por revelar a intenção de aumentar a jornada dos
trabalhadores sem a remuneração correspondente.
O recuo do governo se deu em função da reação negativa da opinião
pública à redução de direitos trabalhistas. O tema já custou muitos
votos ao PSDB no passado em eleições presidenciais e o governo procura
contornar a impopularidade das propostas. Mas, não se iludam, a proposta
de fundo é a redução de direitos trabalhistas.
Correio da Cidadania: É possível, em termos gerais no Brasil,
um trabalhador negociar um acordo em igualdade de condições com o
patrão? Essa livre negociação pode ou poderia suprimir garantias da
atual legislação? Existem exemplos disto no seu cotidiano de advogado
trabalhista que poderia detalhar?
Sérgio Batalha: A chamada “livre negociação” é
sempre uma ilusão, tendo em vista que, no regime capitalista, o
empresário detém o controle dos meios de produção. Por óbvio, ele
negocia sempre em vantagem com o empregado que só possui sua força de
trabalho.
No Brasil, há uma dificuldade adicional, pois os sindicatos
representam toda a categoria de trabalhadores, independentemente do
número de associados. Assim, um sindicato com 100 associados pode
representar uma categoria de 100 mil trabalhadores. Na legislação atual,
o sindicato só pode negociar, essencialmente, direitos não previstos na
legislação trabalhista. Se for instituída a livre negociação, qualquer
sindicato poderia suprimir direitos da sua categoria de trabalhadores,
mesmo em relação aos trabalhadores não associados.
Na prática, tal reforma provocaria uma brutal redução dos direitos
trabalhistas, dada a baixa representatividade e fragilidade dos
sindicatos brasileiros.
Correio da Cidadania: Que ligações podemos fazer entre essa
proposta de reforma trabalhista e as propostas de Reforma da Previdência
em tramitação no Congresso Nacional?
Sérgio Batalha: A Reforma da Previdência tem uma
lógica parecida com a da Reforma Trabalhista, ou seja, a parte mais
forte procura retirar direitos da parte mais fraca. Na Reforma
Trabalhista, o empresário procura retirar direitos dos trabalhadores,
enquanto na previdenciária é o governo que procura retirar direitos dos
trabalhadores e aposentados.
Em ambos os casos, são apresentadas falsas premissas, como a
“defasagem da CLT” ou o “déficit da Previdência”, ocultando-se dos
prejudicados dados essenciais para compreender o que está envolvido no
debate.
Correio da Cidadania: Como avalia o sindicalismo brasileiro
na atualidade? Acredita que essa nova proposta de reformar a
representatividade dos sindicatos pode vir a agregar com as
organizações?
Sérgio Batalha: O modelo sindical brasileiro é pouco
representativo e depende do repasse do chamado “imposto sindical” pelo
governo. Favorece, assim, a existência dos sindicatos pelegos ou
cartoriais. A mudança deste sistema teria de ser completa, ou seja,
teria de se modificar todos os aspectos do modelo sindical brasileiro,
desde o financiamento até a representatividade. Se se conceder apenas o
poder amplo de negociação a sindicatos pouco representativos, o
resultado será uma chacina social e não um aumento de
representatividade.
Correio da Cidadania: Dentro de tal contexto, como você vê a
CLT na atualidade? Precisa ser modernizada? O que restou dela e o que
poderia ser feito em sua visão?
Sérgio Batalha: Em primeiro lugar, deve ser afastado
este mito de que a CLT seria a mesma de 1943. Cerca de 70% de seus
artigos já foram modificados, com a inclusão de vários aspectos
modernos, como o banco de horas, por exemplo.
Sempre existe a possibilidade de aperfeiçoar a legislação
trabalhista, mas as modificações teriam de surgir de um amplo debate
entre trabalhadores e empresários, buscando eventuais consensos entre os
envolvidos. Não se pode alterar a relação entre capital e trabalho com
base unicamente nos interesses do empresariado, sob pena de provocar uma
crise social.
Creio que as modificações deveriam, essencialmente, punir o mau
empresário, que descumpre a legislação trabalhista, e beneficiar aquele
empresário que cumpre a legislação e beneficia o seu empregado. Mas tudo
isto prescinde de um amplo debate e de um verdadeiro pacto social.
Correio da Cidadania: Para finalizar, vê alguma relação na
natureza dessa proposta com outras semelhantes em países estrangeiros,
como por exemplo o que ocorre na França em que mudanças na legislação
trabalhista levaram milhares para as ruas daquele país?
Sérgio Batalha: A proposta de Reforma Trabalhista no
Brasil tem um ponto de contato com as propostas efetivadas na França ou
na Espanha no sentido de ser uma ofensiva dos empresários contra os
direitos do trabalhador. Esta é a essência destas reformas, a redução do
custo da mão de obra em um ambiente recessivo.
O empresário é pressionado com a redução da produção, vê sua margem
de lucro se reduzir e pretende recompô-la às custas da redução dos
salários, diretos ou indiretos, de seus empregados. Apresenta como
justificativa a necessidade de reduzir custos para criar empregos, mas,
na prática, após a implementação das reformas, os empregos não são
criados e os salários reduzidos. Ou, ainda, são criados empregos com
salários menores no lugar de empregos melhor remunerados, como ocorreu
na Inglaterra.
Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania