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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O inimigo externo


Brasília, 11 de novembro de 2009
Por Ivan de Carvaho
As estranhas declarações do ditador-presidente Hugo Chávez de que o seu país, a Venezuela – povo e forças armadas – devem se preparar para a possibilidade de uma guerra com a Colômbia ou com os Estados Unidos da América (qualquer dos dois serve, mas surpreende-me que ele cite-os alternativamente, que não os haja logo reunido numa coalizão) têm uma motivação evidente.
    Trata-se da velhíssima estratégia dos governantes em dificuldade, especialmente dos governantes autoritários, de eleger um (mas neste caso, dois) inimigo externo para obter uma união internamente.
Um exemplo clássico, magistralmente registrado por George Orwell no seu pequeno livro (pequeno só no tamanho), Animal Farm (traduzido no Brasil como A Revolução dos Bichos e em Portugal como O Triunfo dos Porcos), foi a jogada de propaganda política de Stalin em transformar Trotsky, ex-todo-poderoso comandante do Exército Vermelho e que, caindo em desgraça, fugiu para o exterior sem nenhum poder, em um traidor e um supostamente poderoso inimigo.
A traição de Trotsky era uma falácia: consistia em estar ele convencido de que a revolução bolchevista devia ser incrementada simultaneamente em todo o mundo, onde quer que fosse possível, enquanto Stalin queria priorizar a consolidação do totalitarismo comunista na União Soviética até que esta se tornasse forte o suficiente para estender os braços do império em todas as direções.
Antes de ser cruelmente assassinado no México pela polícia secreta soviética, Trotsky foi usado pela propaganda stalinista como um inimigo “externo”, sempre a rondar a URSS, à espera de dar o perigoso bote, o que ajudava Stalin a fazer os seus expurgos no Partido Comunista da União Soviética e a adquirir apoio dos comunistas e da população ante a “ameaça” representada pelo grande fugitivo.
O governo de Chávez está enfrentando grandes dificuldades econômicas, com racionamento de energia elétrica e de alimentos, em parte – mas só em parte – devido à queda espetacular dos preços do barril de petróleo. Nada mais apropriado do que inventar um ou dois inimigos externos para obter apoio interno baseado em emoções patrióticas. E encontrou um pretexto.
No caso venezuelano, Trotsky é substituído pela dupla Colômbia – Estados Unidos e a “prova” do risco de um imaginário ataque à Venezuela, que detém enormes reservas de petróleo, são os direitos que a Colômbia deu aos EUA de usarem cinco bases militares em território colombiano, dentro da política americana de combate ao narcotráfico e de ajuda à Colômbia para vencer a narco-guerrilha das FARC, que Chávez estimula materialmente.
Curioso é que a zoeira de Chávez beneficia, no momento, também o presidente colombiano Álvaro Uribe. Vai haver lá um plebiscito para decidir se Uribe pode disputar um terceiro mandato presidencial. E as provocações de Chávez tendem a ser o melhor cabo eleitoral para Uribe no plebiscito e, depois, nas eleições.
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta-feira.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.