Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O beijo de Chávez

Terça, 10 de novembro de 2009
Por Ivan de Carvalho
O ex-presidente da República e presidente do Senado e do Congresso Nacional, José Sarney, (des)qualificou ontem como “despropositada” e “absoluta insensatez” a declaração do presidente da Venezuela, coronel Hugo Chávez, sobre a perspectiva de haver guerra entre seu país e a Colômbia.
Chávez disse, no rádio e televisão, que a população e as forças armadas do país devem se preparar para a guerra como forma de garantir a paz e citou a vizinha Colômbia e os Estados Unidos da América como possíveis agressores.
Bem, o senador José Sarney não está exatamente nas boas graças da opinião pública brasileira, especialmente depois dos mais recentes escândalos no Senado, dos quais foi o principal protogonista. Mas isto de modo nenhum retira dele a capacidade de analisar o cenário, usando sua vasta experiência política e a tendência, nele reconhecidamente natural, para o “bom senso” político, apesar dos defeitos, muitos deles já amplamente apontados por toda a mídia nacional.
No entanto, Sarney fez uma observação interessante. “Acho que (a declaração de Chávez) é tão despropositada que dificilmente ela será levada em consideração”, acrescentando não saber se o ingresso da Venezuela como membro do Mercosul será votado ainda esta semana pelo plenário do Senado. Esse ingresso já foi aprovado em comissões técnicas.
Mesmo com experiência, capacidade e bom senso para analisar a espantosa declaração de Hugo Chávez, Sarney mudou de posição, evidentemente por interesse político próprio. Ele, não faz muito tempo, esteve contra o ingresso da Venezuela no Mercosul, por conta da truculenta não renovação da concessão e do confisco de todos os bens e equipamentos praticados pelo governo de Chávez sobre a RCTV, a mais antiga televisão do país, a mais tradicional e a que detinha, de longe, a maior audiência. E que também fazia oposição a Chávez e seu governo.
Diante disso, o Senado brasileiro aprovou uma moção cobrando de Chávez uma revisão dessas duas decisões antidemocráticas. O ditador-presidente respondeu chamando o Senado brasileiro de “papagaio” do Congresso americano. Então o
Senado brasileiro, num movimento liderado por Sarney, resolveu engavetar a votação do acordo de ingresso da Venezuela no Mercosul, considerando anti-democrático o governo de Chávez.
Mas agora as coisas mudaram. Houve os escândalos no Senado. Lula mandou a bancada do PT salvar Sarney, que já não se agüentava mais no cargo de presidente do Senado e do Congresso. Sarney foi salvo, os escândalos foram abafados. E Sarney está pagando o preço do socorro recebido: a declaração de Chávez é tão despropositada e insensata que “dificilmente será levada em consideração”. Isto é, não deve atrapalhar a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul. Se Chávez pegasse esse Sarney, dava-lhe um beijo apaixonado.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça-feira.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano