Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Transferência difícil

Segunda, 14 de dezembro de 2009
Por Ivan de Carvalho
Este artigo é, ousadamente, sobre as eleições de ontem no Chile. Ousadamente porque as urnas não são eletrônicas, vota-se em cédulas de papel e cada voto tem que ser apurado e declarado pelo presidente da mesa apuradora. Aquele processo lento das antigas eleições brasileiras, de modo que, quando o artigo estava sendo escrito, não se tinha qualquer resultado, mesmo parcial, ainda que encerrada a votação.
Além da disputa das cadeiras para o Congresso, realizou-se o primeiro turno das eleições presidenciais, nas quais, depois de duas décadas de poder de uma aliança, a Concertación, que sucedeu no poder a ditadura do general Pinochet, a oposição, liderada pelo candidato Sebastian Piñera, ameaça fazer pesar o seu prato da balança.
    No Chile, no período democrático pós-Pinochet, houve sempre um razoável equilíbrio congressual entre situação e oposição, esta conseguindo manter cerca de 40 por cento dos votos e da representação popular. Agora há uma possibilidade grande de a balança se deslocar, não exatamente para um desequilíbrio, mas para um novo equilíbrio, no qual a oposição pode conquistar a presidência da República.
    Uma pesquisa eleitoral encomendada pela aliança governista Concertación e divulgada antes das eleições de ontem atribuiu 44 por cento das intenções de voto ao oposicionista Piñera, contra 31 por cento ao ex-presidente Eduardo Frei Montalva, filho do ex-presidente Eduardo Frei, assassinado durante a ditadura de Pinochet (1973-1990). Em terceiro lugar na pesquisa ficou Marco Enriquez-Ominami, um cineasta e deputado de 36 anos, que certamente teve, como deverão mostrar as apurações, um papel fundamental nas eleições, empurrando a decisão para um segundo turno.
    Vale registrar, para deixar os brasileiros estupefactos, que a governista Concertación divulgou uma pesquisa que lhe pertencia e que a coloca em nítida desvantagem. Isto jamais aconteceria no Brasil. Os resultados seriam enfiados nas cuecas, nas meias, debaixo dos panos. Certamente o Chile, com esse “pequeno detalhe”, mostra que em termos democráticos, de cidadania e respeito à verdade está bem à nossa frente. O apoio de um terceiro candidato, Enriquez Ominami, com até 20 por cento das intenções de voto em algumas pesquisas, pode ser decisivo no segundo turno.
E pode não ser – importa ainda saber quanto ele é capaz de transferir votos e se seu eleitorado pende naturalmente para o governo ou a oposição. Na campanha, ele atacou bastante o governo e “os dinossauros” que diz existirem na Concertación, mas seu programa é considerado de “esquerda”, principalmente porque prometia aumentar os impostos sobre as mineradores (de cobre, principalmente) para aplicar o dinheiro na educação. Em tempo: a presidente do Chile, Michelle Bachelet, tem popularidade de 80 por cento (rente com Lula), mas não conseguiu transferir isso para Eduardo Frei, considerado sem nenhum carisma, embora já haja sido presidente. Não sei por quê, lembrei-me agora de Dilma Rousseff. Sorte dela que Serra também não tem carisma.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda-feira.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano