Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 26 de dezembro de 2009

O elo perdido

Sábado, 26 de dezembro de 2009
Por Ivan de Carvalho
Antes de começar a escrever, estive lendo o noticiário político deste Natal e não fiquei estimulado a uma análise. Segundo a pesquisa Datafolha, que buscou saber a avaliação de dez governadores, o governador da Bahia, Jaques Wagner, subiu uma posição, aumentando um décimo de ponto em sua nota (as notas variam de zero a dez). A modesta escalada de Wagner na lista (não seu décimo de ponto, claro) deveu-se à queda brusca do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, provocado pelas assombrações da Operação Caixa de Pandora. O fato não me pareceu relevante.
Li também que o presidente Lula está atenazado com as dificuldades para montar um palanque forte para a candidata do PT a presidente, Dilma Rousseff. Lula acha que o homem para isto é o senador Aloísio Mercadante, já que o PT se mostra alérgico à hipótese da candidatura a governador de São Paulo de Ciro Gomes, do PSB. Exatamente porque Ciro (que prefere disputar a presidência da República, o que Lula não deseja) não é do PT. E o PT tem alergia ao que não é do PT.
Acontece que o candidato a governador preferido por Lula, Mercadante, não quer correr o enorme risco da eleição para governador e ficar sem mandato. Por isto, prefere o risco menor, de tentar a reeleição para o Senado, com duas vagas em jogo. A única observação séria que se pode fazer ante essa situação de Mercadante é lembrar que o líder do PT no Senado é aquele do renuncio, e renuncio mesmo, mas não renuncio mais porque Lula pediu. Quem sabe, Lula faz uma nova carta ao senador e ele aceita disputar o governo? Coisa para 2010, que ainda não chegou.
Enquanto não chega, vamos ficar com 2009. Ou, se quiserem, com a macaca. É que em seu balanço do ano que finda, a revista Science considerou como o evento científico mais importante do ano a apresentação do esqueleto (remontado em trabalho de mais de uma década) de uma fêmea de Ardipithecus ramidus, Ardi para os íntimos. Ardi, de 1,20 metro, viveu há 4,4 milhões de anos e é, no momento, considerada pela ciência o ancestral mais antigo da espécie humana, desqualificando dessa honrosa posição Lucy, um fóssil de Australophitecus aferensis, um milhão de anos mais jovem.
Os pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, mostraram (segundo a Science) que os hominídeos da época de Ardi tinham pouco a ver com os chimpanzés, já apresentando anatomia e hábitos bem distintos.
Aí, sim, há uma questão a ser levantada seriamente. Por enquanto, ninguém pode garantir que Ardi foi um ancestral da espécie humana e não apenas um exemplar de um ramo da macacada, bem diferenciado dos chimpanzés, mas que – claro que não se trata de uma certeza, mas de uma hipótese que não dá para descartar – teve sua evolução truncada por um evento qualquer, o que impossibilitaria sua proclamada condição de ser o mais antigo ancestral do homem até aqui conhecido. Mesma hipótese que vale para Lucy. O que manteria perdido o Elo Perdido.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.