Segunda, 18 de abril de 2011
Por Ivan de Carvalho

Convém
lembrar que em 2005 foi realizado um referendo com igual objetivo e a resposta
amplamente majoritária foi “não”, isto é, que não se devia extinguir a
comercialização de armas e munições. Desse “não” resultou, como se sabe – um
pouco na contramão da seca decisão popular, mas compreensível, dentro das
condições brasileiras – uma lei federal conhecida como Estatuto do Desarmamento
e da qual foi relator, com forte influência sobre o conteúdo e o texto final, o
então senador baiano César Borges.
O massacre de
Realengo trouxe de volta a idéia de repetir como plebiscito o referendo de
2005. Recorde-se que a elite política brasileira, quando entende de fazer uma
coisa e tem de perguntar ao povo, não desiste facilmente se recebe um não. Fica
aguardando outra oportunidade para renovar a tentativa.
O
presidencialismo veio com a República. Em circunstâncias políticas críticas, o
Congresso mudou, em 1961, o sistema para parlamentarismo. Em 1963, um
plebiscito restabeleceu o presidencialismo. Pronto? Não. A Constituição de 1988
quis tentar outra vez. Determinou um novo plebiscito sobre o sistema de
governo. Foi realizado em 1993. “Vade retro, Satanás”. A tentação foi repelida
com acachapante maioria.
Agora,
o presidente da Câmara, Marco Maia, do PT, já disse que é contra a proposta
plebiscitária de Sarney sobre o comércio de armas. O presidente da OAB, Ophir
Cavalcante, também. O presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos
Deputados, Mendonça Prado, do DEM, também se declarou contra. Prado qualificou
a proposta do plebiscito corretamente: uma cortina de fumaça para encobrir a
inação do Estado brasileiro ante a circulação de armas no país.
O mais novo
ministro do STF, Luiz Fux, que estreou no tribunal com um voto acertadíssimo
sobre a Lei da Ficha Limpa – apesar das críticas que sofreu por desagradar a
parte da população menos consciente das implicações da questão e setores da
mídia sem maior compromisso com a integridade do sistema jurídico brasileiro –,
ao por as garantias constitucionais acima do favor popular, declarou-se contra
o plebiscito. Acha ele que “o povo votou errado” no referendo de 2005 e que
medidas legislativas podem ser tomadas, mas nada de plebiscito a respeito.
Já o
presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirma que fazer agora um novo plebiscito pode
ser um desrespeito à vontade popular expressa no plebiscito de 2005. Presumo
que Cavalcante veria risco de desrespeito maior se o Congresso agora legislar
na contramão absoluta do que foi decidido no plebiscito tão recente. Mas o
ministro Luiz Fux sugere uma idéia que, humildemente, considero perigosa, mesmo
que se lhe dê respaldo legal. "Não entra na casa das pessoas para ver se tem
dengue? Tem que ter uma maneira de entrar na casa das pessoas para desarmar a
população", afirmou quinta-feira ao G1.
Imagino
que um alvo seriam as casas das pessoas que têm armas registradas, legais e que
seriam tornadas ilegais. O segundo alvo seria ainda mais questionável: as casas
das pessoas em cujo nome não consta registro de arma de fogo. Entrar, a título
de que? Para ver se tem febre amarela, varíola, dengue ou revólver? Ação de
busca e eventual apreensão sem indício algum que leve a suspeita?
Mais
esquisita é a proposta do Ministério da Justiça, surfando na onda mundial e
avassaladora de monitoramento do cidadão e seus pertences. Botar chip nas
armas. Nas vendidas legalmente e registradas, presumo. E nas que o Ministério
da Justiça não impede que sejam contrabandeadas? E os bandidos levarão suas
armas à Polícia Federal e às polícias estaduais para que sejam colocados chips?
E se alguma arma com chip chegar às mãos do bandido? O que será que ele vai
fazer, ministro José Eduardo Cardozo? Ora, Zé, ele vai tirar o chip.
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Este artigo foi publicado
originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.