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(Millôr Fernandes)

sábado, 16 de abril de 2011

A nova herança maldita


Sábado, 16 de abril de 2011 
Por Ivan de Carvalho
O ex-presidente Lula gastou parte expressiva de seus oito anos de mandato acusando, com o entusiasmado coro do PT, o antecessor, Fernando Henrique Cardoso, de lhe haver deixado uma “herança maldita”.

Nem tudo que FHC deixou foi bom.

Deixou uma segurança pública, que é da competência primária dos Estados. Mas a União tem uma grande responsabilidade que, se não assumida em toda sua dimensão – consideradas as condições do mundo de hoje e as características da quase fictícia Federação brasileira – torna os Estados incapazes para cumprir com um mínimo de êxito sua atribuição de garantir a segurança das pessoas.

Deixou também um sistema de saúde que, apesar de na época ainda existir a tão pranteada, pelos governos, e tão pouco saudosa, pela sociedade, CPMF, era uma perfeita porcaria.

Deixou uma grande parte da infraestrutura do Estado brasileiro em situação crítica, por falta de recursos para investimento, já que o serviço da dívida pública levava quase tudo que não era gasto em pessoal, em custeio ou surrupiado pela corrupção.

Deixou, depois do quase milagroso Plano Real, que estabilizou a economia apesar de uma política cambial errada que fragilizou o país para o enfrentamento das graves crises financeiras internacionais (a exemplo da russa e a dos “tigres asiáticos”, uma ameaça de retorno da inflação que não fora extinta, mas fora domada. Conseguira-se a estabilidade econômico-financeira.

O que fez Lula em oito anos com essa “herança maldita”, além de amaldiçoá-la?

Deixou que a insegurança pública aumentasse descontroladamente. Nisto, Lula passou à dileta sucessora e correligionária Dilma Roussef uma situação muito pior do que a situação terrível que encontrou.

Na questão do, no seu dizer, “quase perfeito” – como é possível um presidente de país respeitável passar tão longe da verdade em assunto tão sério? – sistema público de saúde, o presidente Lula, a certa altura, perdeu a CPMF, que não reforçava o caixa da Saúde, porque do que dela entrava por um lado, o governo tirava, no Orçamento da União, pelo outro. A perda da CPMF, que andam querendo recriar com mil desculpas esfarrapadas, não piorou o SUS, como sua existência não o havia melhorado. E se a recriarem, seja com que nome for, não vai fazer diferença para o SUS – mais uma vez. Para os contribuintes, vai.

Quanto à infraestrutura, a exemplo da malha rodoviária, da energia elétrica e outros itens, quase todo o governo de Lula foi igual ao de FHC. Paradão. E cresceu a máquina estatal, aumentando gastos de pessoal e custeio, bem como agigantou-se a dívida pública da União. Apesar da insuportável carga tributária que a sociedade paradoxalmente continua suportando, como que anestesiada por um trauma (os traumatologistas entendem isso), quase tudo que sobrava do pessoal, do custeio e da dupla “Desperdício e Corrupção” ia para pagamento do serviço da dívida, para o Bolsa Família e para miríades de ONGs aparelhadas.

Já escrevi aqui recentemente que a presidente Dilma não pode se queixar, por impedimento político, mas recebeu uma imensa herança maldita. E, nessa herança, peça de destaque e mais na moda atualmente é a inflação, gerada pela gastança de 2009 para fazer da crise financeira internacional uma “marolinha” – que nem tão inha foi – e da gastança de 2010 para ganhar a eleição, não esquecendo o crédito amplo, geral e irrestrito que acabou estimulando o consumo, e com ele a demanda além da oferta. E ainda apareceu (já não mais aí a herança maldita) agravou-se o problema cambial da super-apreciação do real.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.