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(Millôr Fernandes)

sábado, 23 de abril de 2011

Face à dívida, vem a vontade de auditar!

Sábado, 22 de abril de 2011 
Artigo publicado em www.resisitir.info
por Yorgos Mitralias (Do Comité grego contra a dívida, membro da rede internacional do CADTM)

Este texto é o prólogo da edição grega do livro "Façamos o inquérito à dívida! – Manual para as auditorias da dívida do Terceiro Mundo" (Menons l'enquête sur la Dette ! – Manuel pour les audits de la dette du Tiers Monde). A edição grega é acrescida por um longo e importante texto de Maria Lucia Fattorelli sobre as experiências de auditoria da dívida pública do Equador e do Brasil, assim como do texto de Eric Toussaint intitulado "Alguns fundamentos jurídicos da anulação dívida".


A crise da dívida afectou o Terceiro Mundo desde 1982 e o cerco apertou-se fortemente em torno dos povos do Sul. A grande crise financeira que eclodiu no Norte no período de 2007-2008 atingiu também os povos da Europa. Trinta anos de luta contra a dívida do Sul permitiram produzir alternativas radicais e consistentes. Entre elas, o conceito de auditoria da dívida é uma ideia-força. Mas como lançar uma auditoria da dívida?


Desde que a crise da dívida se deslocou maciçamente para o Norte, a Grécia está na primeira linha para contestar e denunciar em acções o pesadelo que é a dívida pública. Por isso, não podemos evocar qualquer precedente, aprender com qualquer experiência de auditoria realizada na União Europeia, ou, em geral no Norte desenvolvido. No entanto, não estamos começando do zero. As experiências e lições aprendidas com as lutas do Sul global estão ao nosso dispor. É fundamental aproveitar esta oportunidade para lançar, em nome também dos outros povos europeus, aquela que pode ser a mais decisiva das batalhas: a luta contra a dívida que devasta as sociedades e destrói vidas humanas, e constitui uma das mais garantidas ferramentas para tornar os ricos mais ricos e os pobres desumanamente mais pobres...


Não há dúvida de que as diferenças entre as crises da dívida no Norte e no Sul são reais e nada insignificantes. No entanto, tanto ao Sul como ao Norte, os objectivos de uma verdadeira auditoria da dívida pública podem ser enunciados da seguinte forma:


O primeiro objectivo de uma auditoria é esclarecer o passado, desfazer a teia da dívida, fio por fio, para reconstruir as sequências que levaram ao impasse actual. O que aconteceu com o dinheiro de tal empréstimo, em que condições o empréstimo foi concedido? Que juros foram pagos, a que taxa e que parte foi já reembolsada? Como é que a dívida cresceu, sem benefícios para o povo? Que caminhos seguiram os capitais? Para que foram usados? Quanto foi desviado, por quem e como?


E ainda: Quem tomou emprestado e em nome de quem? Quem recebeu e qual foi o seu papel? Como se envolveu o Estado, quem decidiu, e a que titulo? Como as dívidas privadas se tornaram "públicas"? Quem iniciou projectos inadequados, quem pressionou nesse sentido, quem beneficiou? Foram cometidos delitos, mesmo crimes, com esse dinheiro? Por que não se estabelecem responsabilidades civis, penais e administrativas?


Basta ter em mente essas questões para entender quão enorme é o campo de acção de uma auditoria da dívida pública, que não tem absolutamente nada a ver com a sua caricatura, que se reduz a uma simples verificação dos números feita por contabilistas de rotina. Não é por acaso que os defensores de auditorias argumentem a favor da necessidade da sua realização, invocando sempre duas necessidades básicas da sociedade: a transparência e o controlo democrático do estado e dos governantes pelos cidadãos.


Trata-se de necessidades que se referem a direitos democráticos bastante elementares, reconhecidos pelo direito internacional, embora constantemente violados. O direito de controlo dos cidadãos sobre as acções daqueles que os governam, de obter informações sobre tudo o que diz respeito à sua gestão, seus objectivos e motivações são intrínsecos à própria democracia, dado que emanam do direito fundamental dos cidadãos de exercer o seu controlo sobre o poder e participar activamente nos assuntos públicos.


O facto de o poder obstinadamente se recusar a realizar a auditoria da sua própria dívida e se opor á ideia de alguns intrusos "não-institucionais" se atreverem a realizá-la em seu lugar é indicativo de uma democracia (burguesa e neoliberal) mal formada. Uma democracia aleijada, que no entanto não deixa de nos bombardear mediaticamente com a sua retórica sobre a transparência.  

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