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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

MPF processa Conselhos de Medicina para assegurar acesso da família aos prontuários de falecidos

Quinta, 26 de julho de 2012
Do MPF em Goiás
Conselho Federal de Medicina proíbe o acesso em nome do sigilo. Para MPF, prática serve para o médico não prestar contas de suas ações à família

O que causou a morte? A angústia e a necessidade de informações nesse momento da trajetória humana são agravadas ainda mais quando a família é impedida de ter acesso ao prontuário médico. Nele devem estar todas as informações e os cuidados que a equipe de saúde relatou sobre o paciente e seu tratamento. Para o Ministério Público Federal (MPF), o acesso da família é um direito. Já o Conselho Federal de Medicina (CFM), em nome do sigilo, proíbe a disponibilização do prontuário. Nesse impasse, o que restou ao MPF/GO foi ajuizar, na Justiça Federal, uma ação civil pública (com pedido de liminar) contra o CFM e o Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego).

Antes, porém, buscou-se solução amigável. O MPF/GO expediu recomendação ao CFM para que elaborasse resolução que regulamentasse a liberação direta e irrestrita de prontuários médicos de pacientes falecidos, para finalidades juridicamente lícitas, aos familiares. Além de não atender a recomendação, o CFM expediu um “parecer” (CFM n° 06/2010) definindo “ser vedada a liberação direta de prontuários médicos a parentes do morto, sucessores ou não”.

Na interpretação equivocada do CFM, o direito ao sigilo, garantido por lei ao paciente vivo, deveria ser mantido após a morte como decorrência da preservação dos direitos de personalidade. Para o MPF, é lícita a pretensão familiar de ter conhecimento do tratamento médico dispensado ao parente falecido.


“Um dos aspectos da incorreção do raciocínio do CFM de manter o sigilo, mesmo após a morte, é que os sujeitos listados de vocação hereditária não sucedem apenas nos bens do falecido, mas também no dever de zelar pela sua memória e respeito à dignidade que possuía enquanto vivo. Ante a óbvia impossibilidade de o falecido defender seus direitos de personalidade por si próprio, a legislação acometeu tal tarefa à instituição básica da sociedade: a família”, conclui o procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Ailton Benedito, autor da ação.

Na visão do MPF, há uma inversão da lógica jurídica na decisão do CFM ao depositar no médico a responsabilidade de preservar a personalidade do paciente falecido e não na família. “A manutenção do sigilo de prontuários pelos médicos não tem o condão de proteger os direitos de personalidade do paciente, mas afastar desses o dever de prestar contas das suas ações e omissões ilícitas a quem de direito: os sucessores legítimos do paciente falecido”, argumenta Ailton Benedito.

Para resolver essa situação, o MPF pede na ação, liminarmente, depois, em definitivo, que a Justiça declare, para todo o Brasil (erga omnes), a nulidade do “parecer” do CFM n° 06/2012 e da Nota Técnica n° 002/2012. Esses documentos vinculam a atuação co CFM e dos Conselhos Regionais, impedindo o acesso da família ao prontuário do paciente falecido.

Além disso, pede-se que a Justiça declare ser direito de todo paciente ter acesso aos seus próprios prontuários médicos, de forma direta e irrestrita, independentemente de autorização judicial específica; declare ainda ser direito dos respectivos sucessores legítimos o acesso direto e irrestrito a prontuários médicos de pacientes falecidos, para finalidades juridicamente lícitas, independentemente de prévia autorização judicial específica. Além disso, o MPF quer que a Justiça declare que somente  na hipótese de, ainda vivo o paciente, ele declarar expressa e nominalmente que se opõe à liberação de seus prontuários médicos para a família, o sigilo de tais documentos deve ser mantido após a morte.

ACP n°  26798-86.2012.4.01.3500 JF/GO 3ª Vara.