Sábado, 28 de julho de 2012
Por Ivan
de Carvalho

O
Conselho Federal de Medicina, CFM, no entanto, em nome da suposta preservação
da privacidade do morto, proíbe a disponibilização do prontuário médico a
familiares seus, mesmo que sejam sucessores (o que lhes dá direito a ajuizar
ações de natureza cível, além de provocar a instauração de ações penais, se for
o caso). Na prática, significa que médicos e a unidade de saúde ficam isentos
de prestarem contas à família do morto – ou até, eventualmente, da pessoa que
não morreu ainda, mas está irremediavelmente inconsciente.
A
norma estabelecida pelo CFM em nome do sigilo está agora posta em xeque pelo
Ministério Público Federal de Goiás, para o qual o acesso da família ao
prontuário médico é um direito. No prontuário devem estar todas as informações
e os cuidados que a equipe de saúde relatou sobre o paciente e seu tratamento.
O Ministério
Público Federal de Goiás expediu recomendação ao Conselho Federal de Medicina
para que elaborasse resolução regulamentando a liberação direta e irrestrita de
prontuários médicos de pacientes falecidos, para finalidades juridicamente
lícitas, aos familiares. O Conselho Federal de Medicina, além de não atender à
recomendação, expediu um “parecer” (CFM nº 06/2010), no qual diz “ser vedada a
liberação direta de prontuários médicos a parentes do morto, sucessores ou
não”.
Criado o
impasse, o Ministério Público Federal de Goiás ajuizou, na Justiça Federal, com
pedido de liminar, ação civil pública contra o CFM e o Conselho Regional de
Medicina de Goiás. Segundo alega o MPF de Goiás, a interpretação do CFM, de que
o direito ao sigilo, garantido por lei ao paciente vivo, deveria ser mantido
após a morte como decorrência da preservação dos direitos de personalidade é
equivocada. Para o MPF, é lícita a pretensão familiar de ter conhecimento do
tratamento médico dispensado ao parente falecido. Para o MPF, há uma inversão
da lógica jurídica na decisão do CFM, ao depositar no médico a responsabilidade
de preservar a personalidade do paciente falecido e não na família.
“A manutenção do
sigilo de prontuários pelos médicos não tem o condão de proteger os direitos de
personalidade do paciente, mas afastar desses o dever de prestar contas das
suas ações e omissões ilícitas a quem de direito: os sucessores legítimos do
paciente falecido”, argumenta o procurador Regional dos Direitos do Cidadão,
Ailton Benedito, autor da ação.
Na ação civil
pública, o MPF pede ao juiz da 3ª Vara Federal de Goiás que declare, com
validade para todo o país (erga omnes)
a nulidade do “parecer” CFM nº 06/2012 e da Nota Técnica nº 002/2012, que vinculam
a atuação do CFM e dos conselhos regionais, impedindo o acesso da família aos
prontuários; pede mais que declare ser direito de todo paciente ter acesso aos
seus prontuários médicos, de forma direta e irrestrita, independentemente de
autorização judicial específica; e que declare ser direito dos sucessores
legítimos o acesso direto e irrestrito a prontuários médicos de pacientes
falecidos, para finalidades juridicamente lícitas, independentemente de prévia
autorização judicial; pede ainda ao juiz que declare que só no caso do
paciente, ainda vivo, declarar expressamente que se opõe à liberação de seus
prontuários para a família, o sigilo desses documentos deve ser mantido após a
morte.
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Este artigo foi publicado
originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.