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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 28 de março de 2013

Teste democrático

Quinta, 28 de março de 2013
Por Ivan de Carvalho
         O pastor Marco Feliciano, do pequeno Partido Social Cristão, fez ontem um esforço quase sobre-humano para realizar uma – a terceira sob sua presidência – reunião da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

         Conseguiu. Mas teve que usar autoridade. Quando percebeu que a sala da comissão estava ocupada por manifestantes que, agressivamente, haviam tumultuado as duas sessões precedentes realizadas sob a presidência dele, decidiu realizar a reunião em outra sala, com as portas fechadas e distribuição de senhas aos manifestantes – 20 contra ele e 20 a favor.

         Mesmo assim, viu-se na contingência de determinar à polícia legislativa a detenção de um manifestante que, em alta voz, o chamou de racista. “Aquele senhor de barba me chamou de racista. Racismo é crime. Quero que a polícia faça alguma coisa sobre isso”. Apesar de alguma resistência de outros manifestantes, foi o que aconteceu, tendo sido o detido levado, ouvido pela polícia legislativa e depois liberado. Feliciano, querendo, pode apresentar queixa-crime contra ele, por calúnia ou difamação. Suponho que não o faça – seria até burrice.

         Como se sabe, o deputado-pastor tem sido acusado por ativistas de racismo e “homofobia”. Sobre o racismo, disse que interpretaram mal uma declaração dele sobre uma maldição do Noé bíblico em relação a algumas pessoas que emigrariam para a África, continente habitado por brancos, negros e semitas (no caso, muito mais semitas árabes que judeus). Quanto à acusação de “homofobia”, o deputado pastor diz que é apenas fiel à doutrina de sua igreja, que é, por exemplo, contra o aborto e o casamento homossexual, mas com todo o respeito às pessoas – obviamente as nascidas e as que ainda estão no ventre de suas mães.

         Mas, deixando por hoje os eventuais méritos e deméritos da acusação e da defesa, vejo um quadro muito mais amplo, um teste democrático de grande magnitude acontecendo neste momento no Brasil. Há um Congresso, uma Câmara dos Deputados, uma Comissão de Direitos Humanos e Minorias e um presidente – indicado pelo PSC porque o PT, que teria direito ao cargo, abriu mão da indicação – eleito com os votos de 11 dos 18 membros desta comissão.

Então, porque ativistas do movimento LGBT e seus simpatizantes, setores ativistas a favor do aborto e alguns grupos e organizações viram com mau olhado a escolha, querem obrigar o deputado-pastor Marco Feliciano a, sob pressão do PSC, renunciar à presidência da CDHM. O presidente da Câmara, peemedebista Henrique Eduardo Alves, assume a liderança da pressão nesse sentido. O líder do PMDB, Eduardo Cunha, é evangélico. O líder do PR, Anthony Garotinho, idem. Eles e o líder do PSC – pelo menos estes – não vão entrar no pretendido jogo de pressões sobre o pastor Marco Feliciano que uma reunião de líderes pretende fazer terça-feira

Mas o PSC dá total e formal apoio ao deputado que o indicou, então tenta-se que os líderes partidários façam alguma coisa – mas o quê? Com base na Constituição e no Regimento Interno da Câmara não há o que fazer. Os evangélicos, que são maioria na comissão, estão cada vez mais solidários ao pastor Feliciano. Este confirmou ontem que exercerá o cargo até o último dia de seu mandato de presidente e que isso é irreversível.

O fato é que o país enfrenta um teste democrático. Vale o voto dado democraticamente segundo o sistema jurídico democrático do país ou o tumulto e o grito de manifestantes que querem gritar suas opiniões, ocupando todos os espaços, e abafar as alheias? Este, aliás, não é um teste só brasileiro, mas em quase todas as partes do planeta em que a democracia (ainda) vive. Os grandes pilares da liberdade têm sido desmontados em muitos países democráticos por leis ordinárias, regulamentos, resoluções, portarias. A tática do salame: uma fatia, outra fatia, mais outra e... acabou o salame.

Estou otimista especificamente apenas quanto ao teste brasileiro em torno da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, mas surpresas desagradáveis não podem ser excluídas de modo absoluto.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.