Segunda, 25 de março de 2013
Valor é estimado sobre a média do
superfaturamento aplicado pela quadrilha às obras públicas. Esquema
durou cinco anos e envolvia empresários, funcionários públicos e um
ex-governador
O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul
(MPF/MS) denunciou à Justiça uma quadrilha que desviou estimados R$ 14
milhões em recursos públicos federais destinados ao Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), entre 2001 e 2006, na
unidade do órgão em Dourados.
Os recursos foram desviados através
de contratos do DNIT com as empresas TV Técnica Viária Construções,
Rodocon Construções Rodoviárias e ECR Sociedade Civil de Engenharia e
Consultoria. As duas primeiras foram contratadas para executar obras e
serviços na BR-163 e BR-267, em trechos dentro de Mato Grosso do Sul.
A
empresa ECR foi contratada para a supervisão e controle das obras de
restauração executadas pela empresa Técnica Viária. As empresas Base
Engenharia e Spessato Diesel eram fornecedoras de bens e serviços para
aquelas, atuando indiretamente nos contratos públicos que eram
fraudados.
Denunciados - A denúncia foi
apresentada no último dia 21 à Justiça Federal em Dourados. Se ela for
aceita pela Justiça, os acusados se tornarão réus em ação penal.
Foram
denunciados o ex-governador de MS e ex-superintendente regional do DNIT
Marcelo Miranda; o ex-supervisor do DNIT em Dourados Carlos Roberto
Milhorim; o ex-chefe do Serviço de Engenharia na Superintendência
Regional do DNIT/MS, Guilherme de Alcântara Carvalho; o engenheiro da
Rodocom, Francisco Roberto Berno; o encarregado-geral da Rodocom em
Dourados, Vilmar José Rossoni; o engenheiro da ECR Gustavo Rios
Milhorim; os sócios da base Engenharia, que prestava serviço para a
Rodocom e Técnica Viária, Renato Machado Pedreira e José Carlos Rozin; o
engenheiro da Técnica Viária Hilário Monteiro Horta; a funcionária da
Técnica Viária Solange Regina de Souza; o proprietário da Spessato
Diesel, Dori Spessato; e Tereza de Jesus Gimenez, funcionária da mesma
empresa.
Marcelo Miranda foi denunciado pelos crimes de formação
de quadrilha, falsificação de documento particular, falsidade ideológica
e corrupção passiva. Carlos Roberto Milhorim foi denunciado por
formação de quadrilha, corrupção passiva, falsificação de documento
particular e falsidade ideológica, cometidos repetidamente por 52 vezes.
Francisco
Roberto Berno, Vilmar José Rossoni, José Carlos Rozin e Hilário
Monteiro Horta foram denunciados por formação de quadrilha, falsidade
ideológica e corrupção ativa. Renato Machado Pedreira foi denunciado
pelos mesmos crimes, além de falsificação de documento particular.
Gustavo
Rios Milhorim e Guilherme de Alcântara Carvalho foram denunciados por
formação de quadrilha, falsidade ideológica, falsificação de documento
particular e corrupção passiva. Dori Spessato, Solange Regina de Souza e
Tereza de Jesus Gimenez foram denunciadas por formação de quadrilha,
falsidade ideológica e corrupção passiva.
Denúncia anônima levou à descoberta de esquema
- A operacionalização do esquema baseava-se na fiscalização das obras e
serviços prestados pelas empresas, que é atribuição do DNIT. Em 3 de
fevereiro de 2006, a Delegacia de Polícia Federal em Dourados instaurou o
Inquérito policial nº 026/2006, para apurar uma notitia criminis
anônima sobre o desvio de recursos do DNIT pelo supervisor Carlos
Roberto Milhorim.
A denúncia era de associação de Carlos
Milhorim com as empresas Técnica Viária, Rodocom e ECR, que estariam
fraudando as medições das obras e serviços, alterando-as para fazer
constar valores maiores do que os executados pelas empresas. O DNIT
estaria pagando valores maiores do que os devidos. O que excedia o valor
real dos contratos estaria sendo dividido por Carlos Roberto Milhorim e
as empresas.
Os documentos anexados à denúncia anônima tinham
fortes indícios de irregularidades na unidade do DNIT em Dourados, o que
levou a autoridade policial a solicitar à Justiça mandados de busca e
apreensão nos escritórios do órgão e da empresa Rodocon, além da
residência de Carlos Roberto Milhorim e Francisco Roberto Berno. A
Justiça também decretou a quebra do sigilo bancário e fiscal de Carlos
Roberto Milhorim.
Os documentos apreendidos comprovaram que
Carlos Milhorim associou-se às empresas responsáveis pelas obras e
serviços, passando a aumentar os valores pagos, apropriando-se do
excedente. Ele atestava a conformidade dos relatórios de supervisão
elaborados pela ECR. Também assinava, com base nos relatórios da ECR,
todos os documentos que eram encaminhados ao órgão do DNIT em Campo
Grande, que solicitava o pagamento junto ao órgão central em Brasília.
Os documentos também eram assinados por Hilário Monteiro Horta, da
Técnica Viária.
Golpe em família - Gustavo Rios
Milhorim, filho de Carlos Milhorim, era supervisor de obras da ECR, nos
mesmos trechos rodoviários em que seu pai atuava pelo DNIT. Foi
contratado pela ECR logo após a formatura em engenharia civil, em 2005,
por influência do pai, que era supervisor do órgão.
Para o MPF,
Carlos “infiltrou” o filho na ECR para que pudesse manipular os
relatórios de supervisão das obras da Técnica Viária”. Para ocultar a
relação de parentesco, assinava apenas Gustavo Rios.
Foram
apreendidos, na sede do DNIT, documentos em branco, no formato do
relatório de supervisão, rubricados por Gustavo. Havia uma folha
grampeada com uma anotação a lápis, feita pelo pai: “As folhas em branco
é só dar um visto como nos outros relatórios”.
Após a
descoberta do esquema, Gustavo prestou concurso público em 2006 para o
DNIT, foi nomeado e tomou posse, exercendo atualmente o cargo de fiscal
de obras rodoviárias na Superintendência Regional do DNIT em Campo
Grande. Ele é responsável por fiscalizar as obras das empresas Rodocom e
Técnica Viária, que continuam prestando serviço para o DNIT. Também
elabora termos de referência e planilhas orçamentárias, além de
vistorias para as licitações realizadas pelo órgão. O material analisado
pelo MPF – 25 volumes de processos – revelou diversas provas da atuação
de Gustavo em atos oficiais.
Empresa do esquema ainda é vinculada ao DNIT
- Como a fiscalização das obras da Técnica Viária eram “de fachada”, a
empresa executava os serviços em quantitativos e qualidade menores do
que os contratados, “embolsando” a diferença. Isso ficou provado por
apuração do próprio DNIT (PAD nº 50619.000371/2002-71), que revelou que
na restauração da BR-163, foi aplicada camada de material com espessura
de 3,5 cm, em vez dos 4 cm previstos no contrato.
A fraude
resultou na diminuição da vida útil do pavimento, que suporta grande
movimento de caminhões bitrem. O MPF constatou o desgaste em vistoria
realizada em 26 de fevereiro de 2013. As fotos mostram sulcos no trecho
entre Dourados e Rio Brilhante.
Para o MPF, “considerando o
valor pago pelo DNIT às empreiteiras – R$ 33.240.502,82 – e que cada
medição era superfaturada, em média, em 40%, estima-se que a quadrilha
tenha desviado e se apropriado de cerca de R$ 14 milhões”. O menosprezo
pela correta aplicação do dinheiro dos contribuintes induzia até a piada
com o crime.
O MPF descobriu que a Técnica Viária continua como
contratada do DNIT, para execução de obras de restauração na BR-163. A
investigação revelou que, dois meses depois da comprovação da
participação da Rodocon na fraude, a empresa foi a vencedora de
licitação de serviços de conservação e recuperação nas rodovias BR-163 e
BR-267, orçados em R$ 7.823.693,47 (Edital nº 375/2005-19)
O
resultado foi impugnado pela Conpav Engenharia, empresa que participou
da licitação, mas o superintendente do DNIT, Marcelo Miranda, acolheu
parecer da Procuradoria Federal especializada a favor da contratação, e
contratou a empresa pelo prazo de 730 dias.
Carlos Milhorim
chegou a constituir a Base Engenharia, usina de transformação de asfalto
que prestava serviços para a Técnica Viária e Rodocom. Ela foi
formalizada em 3 de março de 2003, por Renato Machado, José Carlos
Rozin, Francisco Berno e Gustavo Milhorim, que atuava como “laranja” do
pai.
DNIT - Mesmo após a operação da PF,
Carlos Roberto Milhorim continuou a exercer o cargo de supervisor do
DNIT em Dourados. Ele só foi demitido após o relatório final de
investigação interna chegar à mesma conclusão do inquérito policial. Em
30 de dezembro de 2011, o ministro dos Transportes demitiu Carlos
Milhorim e destituiu Marcelo Miranda e Guilherme de Carvalho de cargo em
comissão.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério dos
Transportes. Foi criado em fevereiro de 2002, para exercer as funções
relativas à construção, manutenção e operação de infraestrutura dos
modais rodoviário, ferroviário e aquaviário, sob responsabilidade direta
da União.
Quando foi criado, todos os contratos de construção e
manutenção de rodovias (56 mil km, em todo o país), então sob a
administração do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER),
foram transferidos para o órgão. A fiscalização interna centralizada
permitiu que a fraude fosse concretizada sem qualquer suspeita.
A
responsabilidade final da fiscalização recaía administrativamente em
Carlos Roberto Milhorim, que assinava os relatórios e era o mentor das
fraudes nos contratos. Guilherme Carvalho, chefe do Serviço de
Engenharia na Superintendência Regional do DNIT em MS, era superior de
Carlos Milhorim, e, como tal, ele avalizava os relatórios de inspeção
emitidos por este. Marcelo Miranda era superintendente Regional do DNIT
em MS. À época do inquérito policial, ele declarou que “tinha
conhecimento da larga experiência de Carlos Milhorim” e, se o afastasse
“não teria quem colocar em seu lugar (e) achei por bem não afastá-lo”.
Para
o Ministério Público Federal, “o ex-superintendente, ao saber dos
documentos que colocavam sob suspeita, de forma muito contundente,
Carlos Roberto Milhorim, para o exercício de uma função de confiança,
tinha a obrigação legal de afastá-lo de qualquer atividade na Unidade
Local do DNIT em Dourados.
Referência processual na Justiça Federal de Dourados: 0000914-71.2006.4.03.6002